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Eloy de Souza e o nordeste: construção discursiva do espaço dos estados seviciados pela seca na primeira república brasileira

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: LINGUAGENS, IDENTIDADES & ESPACIALIDADES

ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOS ESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA.

ITALA MAYARA DE CASTRO SILVA

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ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOS ESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA.

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História, Área de Concentração em História e Espaços, Linha de Pesquisa Linguagens, Identidades & Espacialidades da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação do(a) Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.

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Silva, Itala Mayara de Castro.

Eloy de Souza e o nordeste: construção discursiva do espaço dos estados seviciados pela seca na primeira república brasileira / Itala Mayara de Castro Silva. - 2018.

209f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História. Natal, RN, 2018.

Orientador: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto. 1. Souza, Eloy de, 1873-1959. 2. Seca. 3. Imagem-discursiva do Nordeste. 4. Identidade. I. Peixoto, Renato Amado. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(81).07:551.577.38

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ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOS ESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA.

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:

________________________________________ Renato Amado Peixoto

__________________________________________ Paolo Ricci

________________________________________ Magno Francisco de Jesus Santos

____________________________________________ Henrique Alonso de Albuquerque Rodrigues Pereira

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considero uma filosofia de vida, algo tenho tentado apreender e aplicar ao longo de minha caminhada de existência social, profissional e acadêmica. Ser grato a cada passo, tombo, desvio, a cada chegada, é saber reconhecer o valor dos sins e nãos para a nossa formação como seres humanos. E ao longo destes dois anos de estudos, viagens, pesquisas, tenho muito a agradecer.

Sou grata, principalmente, as pessoas que tornaram este trabalho possível e que mesmo sem perceber incentivaram-me, apoiaram-me, encorajaram-me a continuar, ante a todas as dificuldades. Foram-me alento a cada palavra, olhar, abraço e sorriso.

Por isso, sou por completo gratidão:

Aos meus pais, minha base, meu alento. Agradeço por terem permitido ter uma formação sólida e digna como ser humano e cidadã. Sou grata por todo carinho, amor e compreensão com que me criaram. A ambos devo minha vida, educação, força e caráter. A eles consagro mais essa conquista e o meu amor.

Ao meu marido, amigo, companheiro de todas as horas, Milton Flávio. Não tenho palavras para expressar o tamanho de sua importância em minha vida. Obrigada, meu amor, por todo apoio, amor e compreensão. Agradeço todo o incentivo que meu deu, na realização de mais esse sonho. Obrigada, por compartilha-lo comigo, ser meu abrigo e enxugar minhas lágrimas sempre que preciso, amo-te.

Aos professores do programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Raimundo Arrais, Durval Muniz. Agradeço pelo constante estímulo à pesquisa, leitura. Obrigada por todas as questões e colaborações realizadas durantes as aulas. Elas foram de suma importância para o desenvolvimento deste trabalho. Sou grata também pela compreensão e sensibilidade que tiveram quanto ao fato de eu residir e trabalhar em outro Estado.

Ao professor Renato Amado Peixoto, meu professor e orientador, meu muito obrigada. Agradeço-lhe por toda paciência, sensibilidade e dedicação com que sempre mostrou para com esse trabalho. Muito obrigada pela tranquilidade e segurança que me passou, por cada caminho apontado, pelas leituras dirigidas e pelas luzes que acendeu no longo da trajetória dessa pesquisa.

Ao Luann, secretário do Programa de Pós-Graduação. Obrigada pela simpatia, empatia e solicitude com que sempre atendeu aos meus pedidos e retirou minhas dúvidas.

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Gustavo, José Rodrigues, Flamarion e Marcos. Obrigada por me ajudarem quando eu não podia estar presente na Universidade e por compartilharem não só conhecimentos, mas também risadas e aflições. Obrigada por sempre serem tão amáveis e receptivos.

Aos meus grandes amigos Ana Michele, Filipe Fontenele. Obrigada por sempre me incentivarem a ir em frente, vocês são exemplos de competência e dedicação aos estudos. Agradeço, sobretudo a amizade de vocês. Muito obrigada por existirem na minha vida.

Ao meu irmão Luís Ítalo pelo auxilio e amparo dado ao nosso pai em minhas ausências., bem como a Bianca, que sempre ajudou a solucionar os problemas que surgiram em minha casa, durante minhas ausências.

Sou grata a todos os amigos conquistados, aos colegas de trabalho e alunos com quem tive o prazer de conviver ao longo de minha trajetória na EEMTI Senador Fernandes Távora. Muito obrigada por torceram por minha vitória e me fornecerem uma palavra amiga quando precisei.

Finalmente desejo mostrar meu agradecimento aos professores Raimundo Nonato, Magno e Paolo Ricci. Ao primeiro por toda a colaboração dada na banca de qualificação deste trabalho. Agradeço as contribuições e apontamentos que possibilitaram a reescrita e o alinhamento de questões essenciais para a pesquisa. Ao segundo agradeço por colaborar com nosso trabalho tanto na qualificação, quanto na banca de defesa, sou grata por todas as sugestões feitas, elas contribuíram imensamente para a conclusão deste estudo. Por fim, agradeço ao professor Paolo Ricci, por ter aceitado o convite de participar desta banca.

Por fim, peço perdão, por talvez não ter conseguido, aqui, registrar todos os nomes e/ou exprimir a verdadeira importância de cada um nesta conquista. Contudo, quero que saibam que o amor, a amizade e o apoio, que cada um a seu modo me concedeu, foram-me essenciais. Muito obrigada!

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Este trabalho objetiva compreender a relação existente entre a política local e nacional junto à produção dos espaços no que se refere à construção identitária e espacial de uma regionalidade nordestina, a partir dos pronunciamentos, escritos e contribuições de Eloy Castriciano de Souza acerca de um combate as secas, no período de 1894 a 1919. Analisando através do eixo temático das secas, as transformações da construção indenitária e espacial referente à sucessão dos recortes regionais do Norte e Nordeste, durante as primeiras décadas da República brasileira. . Avaliando, assim, a elaboração deste espaço, junto às suas especificidades, constituído através de um programa político de desenvolvimento para os estados seviciados pelas secas, realizado por Eloy de Souza. Plano formulado dentro da dinâmica político-social de um lócus, do qual se apropria e reconstrói a partir de sua perspectiva imagética-discursiva. O exame da produção e trajetória política / intelectual desse jornalista e representante parlamentar do Rio Grande do Norte que, ao contrário do que aponta grande parte da historiografia sobre o tema, apresentou a formulação de uma espacialidade e identidade nordestina, já nas duas primeiras décadas do século XX. Dentro dessa perspectiva, aprofundamos a análise acerca das relações e interposições existentes no campo político local e nacional, bem como analisamos a inserção do Rio Grande do Norte dentro do novo recorte espacial em formação, o Nordeste. Espacialidade que englobava as províncias, depois estados, do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e também o norte de Minas Gerais.

PALAVRAS-CHAVE:

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Ce travail vise à comprendre la relation entre la politique locale et nationale et la production d’espaces en relation avec l’identité et la construction spatiale d’une régionalité du nord-est, à partir des déclarations, écrits et contributions de Eloy Castriciano de Souza sur une dans la période de 1894 à 1919. Analysant par le biais de l'axe thématique des sécheresses, les transformations de la construction indénitaire et spatiale faisant référence à la succession des coupes régionales du Nord et du Nord-Est au cours des premières décennies de la République brésilienne. . Évaluer, donc, l'élaboration de cet espace, ainsi que ses spécificités, constituées à travers un programme politique de développement pour les états seviciados par les sécheresses, réalisé par Eloy de Souza. Plan formulé dans le cadre de la dynamique sociopolitique d'un lieu, à partir duquel il s'approprie et se reconstruit à partir de sa perspective imagiste-discursive. L’examen de la production et de la trajectoire politique / intellectuelle de ce journaliste et représentant parlementaire du Rio Grande do Norte, qui, contrairement à ce que souligne une grande partie de l’historiographie consacrée à ce thème, a présenté la formulation d’une identité et d’une spatialité du Nord-Est déjà siècle. Dans cette perspective, nous approfondissons l'analyse des relations et des interpositions existant dans le champ politique local et national, ainsi que l'analyse de l'insertion de Rio Grande do Norte dans la nouvelle formation spatiale du Nord-Est. Spatialité englobant les provinces, puis les États, le Rio Grande do Norte, le Ceará, le Paraiba, le Piauí, le Pernambuco, le Alagoas, le Sergipe, le Bahia et le nord du Minas Gerais.

MOTS CLES:

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Figura 01 – Eloy de Souza...… 30

Figura 02 – Pais de Eloy de Souza... 34

Figura 03 – Auta de Souza (Irmã)... 34

Figura 04 – Henrique Castriciano (Irmão)... 34

Figura 05 – “Mapa da Região Flagellada pela Secca de 1877”, produzido por André Rebouças, de 1878... 115

Figura 06 – Eloy de Souza no Egito... 123

QUADROS Quadro 01 - Governadores do Rio Grande do Norte-RN (1889 a 1930)... 49

Quadro 02 - Representação federal do Rio Grande do Norte -RN (1891 – 1920)... 62

Quadro 03 - Integrantes do “Jardim de Infância” ... 89

Quadro 04 - Formação acadêmica dos integrantes do “Jardim de Infância”... 90

Quadro 05 - Carreira parlamentar dos políticos identificados ao “Jardim de Infância”... 96

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INTRODUÇÃO...9

CAPITULO 1 - MEMÓRIA E POLÍTICA: A REPÚBLICA NO RIO GRANDE DO NORTE...18

1.1 A MEMÓRIA...26

1.2 ELOY CASTRICIANO DE SOUZA: POLÍTICO E INTELECTUAL...30

1.3 A REPÚBLICA PROCLAMADA NO RIO GRANDE DO NORTE...41

1.4 ELOY DE SOUZA E O CAMPO POLÍTICO LOCAL E NACIONAL...55

CAPÍTULO 2 - ELOY DE SOUZA: PARTICIPAÇÃO POLÍTICO DISCURSIVA...61

2.1 PRIMEIRO DISCURSO: SECAS DO NORTE E CABOTAGEM NACIONAL...67

2.2 O “JARDIM DE INFÂNCIA”: “POLÍTICOS DE NOVA RAÇA”...83

2.3 ELOY DE SOUZA E A INSPETORIA DE OBRAS CONTRA AS SECAS...98

CAPÍTULO 3 - ESTADOS SEVICIADOS PELAS SECAS: DISCURSO POLÍTICO, CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO E IDENTIDADE REGIONAL...104

3.1 UM PROBLEMA NACIONAL: PROJETO E JUSTIFICAÇÃO (1911)...122

3.2 ELOY DE SOUZA E A LEI EPITÁCIO PESSOA: DELIMITAÇÃO ESPACIAL NO DISCURSO INSTITUCIONAL...134

CONCLUSÃO...142

FONTES...146

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...148

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INTRODUÇÃO

Nosso trabalho tem por objetivo traçar uma análise sobre a relação existente entre a política local/nacional e a produção dos espaços, no que se refere à construção identitária e espacial de uma regionalidade nordestina, durante dois primeiros decênios da República brasileira. Para tanto, tomamos como ponto de partida os pronunciamentos, escritos e contribuições de Eloy Castriciano de Souza acerca de um combate as secas, no período de 1894 a 1919. Avaliando, assim, a elaboração deste espaço, junto às suas especificidades, constituído através de um programa político de desenvolvimento para os “estados seviciados pelas secas” (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados. 1906), realizado por Eloy de Souza. Plano formulado dentro da dinâmica político-social de um

lócus, do qual se apropria e reconstrói a partir de sua perspectiva imagética-discursiva.

Nossa dissertação aprofunda discussões acerca das práticas políticas norte-rio-grandenses, desenvolvidas por Renato Amado Peixoto1, tendo por foco analisar através

dos eixos temáticos da seca, as transformações da construção identitária e espacial dos estados seviciados por ela na sucessão dos recortes regionais Norte e Nordeste2.

Optamos, assim, por tomar como base de nosso estudo a análise das obras e dos pronunciamentos de Eloy de Souza, apontando suas contribuições para os desdobramentos da produção central e de sua tradução para um recorte da região Norte. Bem como para revelar a colaboração parlamentar e intelectual, deste sujeito, entre os anos de 1894 e 1919, na inserção do Estado do Rio Grande do Norte em um recorte espacial em construção, o Nordeste. O recorte assinalado considera a participação política de Eloy de Souza desde seu ingresso política norte-rio-grandense até a formulação da primeira legislação de reconhecimento de uma espacialidade nordestina, da qual foi participe.

Buscando assim, construir uma historiografia, que se proponha para além de uma história voltada para a descrição dos "chefes políticos", de "grandes eventos" e “fatos

1 Ver o texto de Renato Peixoto “Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do

Norte no início do século XX” sobre as dinâmicas e estruturações das organizações familiares e dicionário

político da República acerca da figuras políticas do estado, Dicionário da elite política republicana (1889-1930)

- Verbetes sobre o Rio Grande do Norte, dentre outros textos disponibilizados pelo autor no endereço eletrônico:

<https://universidadefederaldoriograndedonorte.academia.edu/RenatoPeixoto>.

2 O que consideramos, aqui como recorte espacial Norte/Nordeste é a conjuntura de formulação de uma região dentro de outra já estabelecida. A região Nordeste foi o um recorte estabelecido a partir dos interesses de determinados grupos políticos nortistas brasileiros. Esta construção territorial fez-se dentro um campo político e intelectual no qual inserimos a figura de Eloy de Souza, a partir de seus posicionamentos políticos e produções intelectuais acerca dos interesses econômicos e elementos culturais do Rio Grande do Norte, estado que fazia parte deste novo recorte espacial em formação.

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históricos já de destaque” nosso trabalho busca as conexões existentes entre história e política através da análise da atuação político-social de um sujeito que esteve envolvido na produção dessas espacialidades. Convém salientar ainda, que utilizamos, aqui, a concepção do “[...] político como domínio privilegiado de articulação do todo social [...]” (RÉMOND, 2003. p. 07), que nos serve de elemento importante (fontes documentais e perspectivas históricas) para vislumbrar um ponto de vista e fomentar a compreensão das estruturas organizacionais e históricas da política brasileira.

A opção de alinhavar uma análise política e identitária-espacial nordestina a partir das falas e práticas de Eloy de Souza justifica-se, ante a sua trajetória. Dono de um currículo extenso, de forte participação na vida pública do Rio Grande do Norte e no âmbito nacional, Eloy de Souza iniciou muito cedo sua atuação política, sendo considerado o Deputado Federal mais jovem à época.

Principiou suas atividades em 1894, como Delegado em Macaíba, foi deputado estadual no triênio 1895 a 1897, teve quatro mandatos como deputado federal (1897 a 1899), (1900 a 1911), (1912 a 1914) e (1927 a 1930) e três como senador (1914 a 1921), (1921 a 1927) e (1935 a 1937) (PEIXOTO, 2015).

Foi um político ligado ao grupo político dirigente do Estado, os Albuquerque Maranhão. Integrante e um dos sócios fundadores do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN. Teve em sua trajetória de vida pessoal e pública a possibilidade de participar das tramas políticas dentro e fora do estado. Atuou como político e jornalista. Foi redator do jornal “A República”, para o qual escreveu vários artigos, diretor de “A Razão”, em 1933, e do jornal “O Democrata”. Participou, sob o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro, como colaborador do periódico “A Tarde”, escreveu para o 1° “Diário de Natal”, em 1924, teve participação noutros periódicos como o “Jornal do Commércio” do Rio de Janeiro, no “Diário de Notícias” e na revista “O Bando” (1951), meios de comunicação pelos quais muitas de suas ideias foram publicadas.

Escritor de várias obras sobre os problemas ocasionados pelas secas e apontando as soluções para a região acometida por elas, em 1938, redigiu o livro Calvário das Secas, publicado pela primeira vez na Imprensa Oficial de Natal-RN; Cartas de um Sertanejo (17 cartas publicadas no jornal “Diário de Natal” em 1926 foi lançada sob o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro); ainda escreveu vários artigos sobre o mesmo tema intitulados

Assistência aos retirantes dentro e fora das zonas flageladas pela seca, publicado em

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Pronunciou-se acerca do fenômeno climatério e suas onerosas consequências no Congresso Nacional, em 1906, no discurso intitulado Secas do Norte e cabotagem

nacional, na seção de 28 de novembro; e Um problema nacional (Projecto e justificação),

na seção de 30 de agosto de 1911, texto editado em formato de brochura pela Tipografia do Jornal do Comercio, no mesmo ano. Os quais nos serviram de objeto de estudo acerca dos apontamentos para o delineamento espacial da região.

Minutou também sobre as características culturais norte-rio-grandenses em suas obras: Costumes Locais (primeira conferência realizada no Palácio do Governo, publicada em 1909, pela Tipografia do jornal “A República”); A Habitação no Rio Grande do

Norte, publicados no periódico "A República" e na Revista "Bando" (1951); Alma e poesia do litoral Nordeste (Conferencia em benefício da construção da capela de Santa

Terezinha, Natal-RN, 1930);

Escreveu sobre as questões políticas regionais e nacionais em sua autobiografia intitulada Memorias de um velho, publicada pela primeira vez em 1975, sob o título de

Memórias, obra organizada por Sanderson Negreiros; em Getúlio e o Estado Nacional,

discurso proferido em 10 de novembro de 1943, nos estúdios da Rádio Educadora de Natal-RN; e redigiu também a Biografia de Tobias Barreto, Jornalista e Historiador (pela Tipografia do Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 1942).

Este político, jornalista e intelectual sobreviveu às variações políticas do Estado e do país mantendo-se atuante na vida pública e na produção jornalística do Rio Grande do Norte. No caso, Eloy de Souza foi um parlamentar de constante atuação na bancada norte-rio-grandense durante as três primeiras décadas da República, atravessado as mudanças no poder político estadual. Especialmente, àqueles referentes à transição do polo de poder de Natal para o Seridó, e as mudanças de poder no Governo Federal, referentes a mudança orquestrada pelo Golpe (Revolução) de 1930.

Falar dele, portanto, é falar sobre um sujeito que esteve imerso nas transformações políticas brasileiras no período destacado, deixando suas impressões sobre os fatos ocorridos e realizando suas contribuições políticas e intelectuais. Membro de uma elite econômica com forte atuação no estado do Rio Grande do Norte, que se encontra inserido dentro de uma dinâmica político-social em uma espacialidade definida da qual se apropria e reconstrói a partir de sua perspectiva discursiva. Inserindo-se, assim, na dinâmica de uma formação identitária nordestina e, suas visões sobre este mesmo espaço podem ser perscrutadas em seus discursos parlamentares, obras literárias e jornalísticas.

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discutida e revista pela historiografia norte-rio-grandense, já que as considerações acerca da política local e nacional, encontrada em suas Memórias, configuram uma importante contribuição para a compreensão histórica política e social do período. As obras de Eloy de Souza possuem um certo reconhecimento dentro do estado3, seus registros fomentaram

pesquisas nos campos das Ciências Socais, jornalismo e literatura. Contudo, a sua produção ainda não foi por completo analisada, e, sua colaboração para uma construção identitária e espacial tanto do Rio Grande do Norte quanto na construção do recorte espacial Norte/Nordeste, ainda não foi investigada.

Sua atuação política esteve, na maioria de suas ações, em torno da solução dos problemas causados pelas secas no Norte, podendo ser considerado além de político, como um intelectual engajado nesta causa. Vale ressaltar que a figura do intelectual e seu papel na sociedade é um tema muito discutido por vários estudiosos sociais e políticos4,

sendo a relação entre estes sujeitos, sua atuação social e no campo político um tema recorrentemente abordado.

Vistos como defensores e promotores de valores supremos da civilização, que podem ter sua missão ameaçada pelas paixões políticas, como em 1927, por Julien Benda (BOBBIO, 1997. p. 32), ou mesmo encarados como uma classe distinta formada por mentes iluminadas, elites progressistas e pensamento moderno em contraposição a massa populacional desinformada, como na perspectiva de Ortega Y Gasser (BOBBIO, 1997. p. 33). É imperativa a existência de uma forte relação entre a atuação dos intelectuais com a vida pública, a organização, administração, produção e propagação de ideias na sociedade. Seja pela missão de vida destes sujeitos, ou mesmo pelo seu processo de formação.

Assim, na premissa dessa relação indissociável entre a intelectualidade e seu papel social, somada a análise da trajetória de vida pública de Eloy de Souza, optamos, por conceber a figura deste homem como um político intelectual. Atuante na política norte-rio-grandense e nacional, engajado na produção de um discurso que defendia medidas eficazes para as soluções econômicas, políticas e sociais dos problemas causados pelas

3 O nome de Eloy de Souza está inscrito em ruas, museu, escolas, em um Município do Estado, no Centro de Documentação Cultural, na Faculdade de Jornalismo da UFRN e na Fundação José Augusto, da qual é patrono, como uma forma de reconhecimento a sua atuação tanto política quanto intelectual no Rio Grande do Norte.

4 Acerca das outras análises sobre a definição e o papel dos intelectuais ver Jean-François Sirinelli, seu texto sobre “Os Intelectuais” em: RÉMOND, René. Por uma história política. [Direção de] René Rémond. Tradução: Dora Rocha. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. Ver também: BOBBIO, Norberto. Os

intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. Tradução de

Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora UNESP, 1997; PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no

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estiagens, nos Estados mais atingidos pelo fenômeno climatério.

Embora, seus posicionamentos políticos e produções, já tenham sido algumas vezes analisadas, no meio acadêmico, não nos afronta enquanto nova perspectiva, ou melhor, singular, pois mesmo que já se tenha outras produções analisando o sujeito e suas contribuições, na verdade o que a historiografia já produzida nos possibilita é enxergar as várias possíveis faces que ele delineou ou acolheu pelo olhar de outros pesquisadores. Assim, todas estas perspectivas quando confrontadas, nos dão um novo olhar.

Vale salientar que a maioria das produções acerca deste sujeito foram dirigidos às contribuições de Eloy de Souza para uma política de combate às secas ou aos seus discursos pertinentes à identidade sertaneja, que findaram por elaborá-lo como um defensor do povo e das causas nordestinas. Entretanto, a relação de sua atuação parlamentar e as intencionalidades pertinentes ao seu discurso de construção do espaço e transformação do regional ainda se faz inédita, na verdade, uma perspectiva ainda cheia de lacunas que nos propomos elucidar.

No entanto, existe um trabalho que um pouco se aproxima desta perspectiva, é a tese de Maria da Conceição Maciel Filgueira intitulada Eloy de Souza: uma interpretação

sobre o Nordeste e o dilema das secas, defendida junto ao Programa de Pós-graduação

em Ciências Socais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2009. Nele a autora trabalha em torno das visões empreendidas sobre o espaço nordestino e a população sertaneja, a partir da ótica estabelecida por Eloy de Souza. Contudo, a noção do regional abordada em seu estudo, é trabalhada sob o ponto de vista de um espaço já consolidado, preexistente e não como uma construção discursiva e imagética, como a que pretendemos delinear. Nessa perspectiva o que fazemos compreender é a existência de uma construção identitária na constituição do que irá se desenhar como Nordeste.

Assim, o que pretendemos aqui é analisar as imagens projetadas pelos discursos. Desnudar sua produção. Mostrar que estas são feitas a partir dos locais de fala, dos interesses de indivíduos, grupos e que nesse processo, acabam por formular uma visão sobre o espaço e, assim, o próprio espaço. E é exatamente nessa perspectiva que iremos destrinchar os discursos parlamentares de Eloy de Souza.

Somados a tese de Filgueira temos outros estudos, nos quais encontramos as várias faces de Eloy de Souza. Alguns destes firmam sua identidade como um defensor do combate as secas. Dentre estas obras podemos apontar a organização documental realizada por Tereza de Queiroz Aranha, que resultou no livro Economia das secas:

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de Eloy de Souza: sua luta contra as secas. O primeiro trabalho trata-se de uma junção de artigos e falas de Eloy de Souza sobre o tema, o segundo exalta a contribuição desse personagem em torno de uma visão sobre o semiárido, em conjunto com Felipe Guerra e Vingt-un Rosado5.

Outros autores, por sua vez, frisaram Eloy de Souza como um formulador de um sentimento regionalista, estes foram os trabalhos de Francisco das Chagas Pereira configurado na obra Cartas de um sertanejo (1983) organizada e prefaciada por ele e, Rita de Cássia Ribeiro em sua dissertação de mestrado intitulada Eloy de Souza:

sociologia de um sertanejo (2002).

Alguns estudiosos construíram críticas ao posicionamento político contido nas falas de Eloy de Souza sobre a mesma questão das estiagens, deixando transparecer seus interesses e intencionalidades. Nesse âmbito podemos citar o trabalho da professora titular da Universidade de São Paulo, Janice Theodoro da Silva em sua obra Raízes da

ideologia do planejamento: Nordeste 1889-1830 (1978). Em sua obra a autora ressalta

um favorecimento acerca da ideia de um “progresso nacional”, presente no discurso de Eloy de Souza, ideia emergente durante a Primeira República, e que como veremos no decorrer do nosso estudo, foi desenvolvida em resposta ao domínio político e econômico sulista, possibilitado em torno da produção cafeeira.

Em suma, como afirmamos, as análises sobre as obras de Eloy de Souza circundaram, geralmente, em torno do eixo temático das secas (estudo e soluções para o problema), ou da identidade e valorização do sertanejo. Entretanto, sua produção intelectual vai muito além disto, transitando pelos campos da literatura e etnografia6.

Enfim, nosso trabalho insere-nos também nesta série de produções sobre a contribuição intelectual e política de Eloy de Souza. Contudo, tendo como viés específico, analisar a partir de sua trajetória de vida pública, contida em suas Memórias e de seus discursos parlamentares, a delimitação de um recorte espacial que aqui configuraremos de transformativa da espacialidade Norte/Nordeste.

Neste intuito tomamos como fonte as contribuições deixadas por Eloy de Souza

5 Especificamente, no capítulo “O Semi-árido na visão de três grandes homens”, Benedito Vasconcelos soma as considerações feitas por Eloy de Souza a estes dois outros autores e estudiosos sobre o tema. Ver: MENDES, Benedito Vasconcelos. Eloy de Souza: sua luta contra as Secas. In:______. O semi-árido na visão de três grandes homens. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 2001. (Coleção Mossoroense, Série “C”, v.1225).

6 Sobre os aspectos etnográficos e literários da obra de Eloy de Souza ver: SEREJO, Vicente. Cena

Urbana: crônicas. - Natal, RN: Ed. Universitária, 1982. _________. Eloy de Souza vive. Jornal de Hoje, Natal,

03.set.2003.b. Cena Urbana Digitalizado; MELLO, Veríssimo de. Patronos e Acadêmicos: Academia norte-riograndense de Letras (antologia e biografia). v. 2 Rio de Janeiro: Pongetti, 1974.

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em relação ao combate das secas, porém optando por abordagem que relaciona política, construção espacial e identidade. Nesta perspectiva, em nosso estudo elaboramos um roteiro da sua trajetória de vida pública, estabelecendo as relações das particularidades da política do Rio Grande do Norte e sua prática discursiva, relacionando-a aos interesses que a envolviam, buscando melhor compreendê-lo.

Nosso trabalho, assim, perpassa pelo interesse em torno da configuração política da espacialidade norte-rio-grandense, contudo, não se restringe a ela. Compreendendo o político enquanto instância articuladora de uma identidade local, regional e nacional, que arregimenta e é regida, no dizer de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1996), por uma série de ‘interesses interessados’.

Objetivamos, deste modo, estudar a vida, obras e as posições tomadas por Eloy de Souza com a finalidade encontrar respostas para questões como: Qual a relação entre Eloy de Souza e Pedro Velho, chefe da “organização familiar” Albuquerque Maranhão? Quais as posições e interesses defendidos por ele enquanto intelectual e político? Qual seu papel no grupo denominado de Jardim de Infância? Quais os interesses envolvidos em seus discursos referente ao problema das secas que afligiam o Estado e o recorte regional por ele explicitado? Quem mais estava no campo de produção acerca do problema das secas e quais suas relações com o nosso personagem? Qual a relação desta temática com construção do recorte espacial Nordeste?

Questões que pretendemos ver resolvidas a partir da análise do campo político e representativo do qual Eloy de Souza fez parte. Para tanto inseri-lo no espaço norte-rio-grandense, faz-se necessário, requerendo-nos uma compreensão da complexidade deste recorte espacial. Convém, assim, entendermos esta espacialidade como uma elaboração dotada de significações e carregada de representação, que foi ‘experienciada’ (TUAN, 1983) por nosso personagem e, discursivamente elaborada a partir de suas tomadas de posição.

Através de suas percepções e observações Eloy de Souza constitui discursivamente um mapa identitário e insere o Rio Grande do Norte, numa configuração territorial singular, formada por Estados com características espaciais e culturais similares e unidos por dificuldades em comum, as secas. Portanto, analisar as obras produzidas por Eloy de Souza nas primeiras décadas da República é pensar a produção de um discurso sobre a identidade e a espacialidade norte-rio-grandense e no papel na transição do Estado para um novo recorte espacial, a região Nordeste, entendida enquanto como um espaço em construção.

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Nesse esforço dividimos o caminho de nossa pesquisa em três momentos, utilizando-nos da trajetória de vida pública de Eloy de Souza como fio condutor. Tomamos, assim, como ponto de partida o ingresso do nosso personagem na política norte-rio-grandense, passando por sua projeção no plano nacional, o ingresso no “Jardim de Infância” e por fim analisando sua produção em defesa de um recorte espacial específico, o Nordeste. Para nessa perspectiva realizarmos uma análise sobre a relação entre os espaços local, regional e nacional.

Dito isto, no primeiro momento de nossa narrativa buscamos uma compreensão sobre o campo político norte-rio-grandense, estabelecendo as relações entre as configurações políticas locais e nacionais através da trajetória e registros de Eloy de Souza. Optamos por partir das Memórias de Eloy de Souza, no intuito de localizá-lo dentro do campo político norte-rio-grandense e compreender a partir de sua perspectiva as nuances da dinâmica política local e nacional.

Nesse intuito elaboramos uma remontagem do quadro político norte-rio-grandense, partindo das impressões deixadas por Eloy de Souza em sua autobiografia e cruzando-a com outras produções sobre o período da Primeira República no Rio Grande do Norte. Para tanto dispomo-nos de uma rica bibliografia sobre a História do Estado. Obras que produziram uma memória acerca deste período e estudos acadêmicos que nos possibilitaram visões diversas dos acontecimentos que envolveram a Proclamação da República norte-rio-grandense e brasileira. Assim, buscamos as conexões estabelecidas entre sua trajetória de vida e seus posicionamentos políticos.

Em um segundo momento, buscamos analisar a projeção política de Eloy de Souza no âmbito nacional. Compreendendo a participação de Eloy de Souza na agremiação política, que ficou conhecida como “Jardim de Infância”, grupo formado por políticos que em sua maioria eram de Minas Gerais. Jovens com ideias inovadoras para a política do período e que por este motivo foram assinalados de “políticos de nova raça”, dos quais Eloy de Souza fez parte. Estabelecemos, assim, as relações existentes entre a política e a construção do espaço físico e imaginário, visto que boa parte da produção parlamentar de Eloy de Souza acerca de um programa de desenvolvimento para os ‘estados seviciados pelas secas’, se deu enquanto participante da agremiação.

Analisaremos, portanto, nesse momento a formação deste grupo político, os sujeitos envolvidos, os interesses relacionados nas produções de discurso e os embates travados entre estes e os “republicanos históricos”. Buscando, assim, esclarecer os caminhos que levaram Eloy de Souza a centrar sua prática discursiva pública no ‘combate

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as secas’, bem como a relacionar esta prática aos interesses políticos locais e regionais, instâncias específicas que foram defendidas junto ao plano nacional em sua atuação parlamentar.

Por fim trabalharemos compreendendo a trajetória desse sujeito e de sua produção. Relacionando os pronunciamentos parlamentares de Eloy de Souza sobre o combate aos problemas causados pelas secas, dentro de uma perspectiva de construção de uma identidade espacial, recorte transicional Norte/Nordeste. Dentro desta premissa analisamos os pronunciamentos de Eloy de Souza, pondo-o em diálogo com outros realizados na Câmara dos Deputados e relacionando-os com os estudos técnicos produzidos sobre as secas, na busca de apontar os indícios da formulação deste espaço nessas produções.

Procuramos, assim, estabelecer as relações existentes entre a política e a construção identitária-espacial, bem como entre as instâncias local, regional e nacional para categorizar Eloy de Souza como colaborador, ator e autor de uma perspectiva privilegiada do processo de produção do espaço político e social nordestino.

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CAPITULO 1 - MEMÓRIA E POLÍTICA: A REPÚBLICA NO RIO GRANDE DO NORTE

Muito já se falou sobre a política brasileira na Primeira República e suas experiências no estado do Rio Grande do Norte. No entanto, mesmo cientes disso, nosso percurso inicia-se com uma retomada da dinâmica política local e nacional, dada a importância deste campo para a compreensão da construção identitária e espacial do Estado e do recorte regional Norte/Nordeste.

Sendo o político um elemento de articulação social, faz-se indispensável a compreensão deste para uma discussão mais aprofundada sobre a construção histórica destas espacialidades. Neste intuito, em um primeiro momento, elaboramos uma remontagem entrecruzando as obras que versejaram sobre o período, apontando os problemas e melhor situando o pensamento e posicionamento de Eloy de Souza na política no Rio Grande do Norte e no cenário nacional.

Optamos por tomar como fio condutor de nossa discussão a trajetória política deste sujeito partindo da obra Memórias, sua autobiografia, como meio de aproximação dos quadros políticos local e nacional. Visto que através destes escritos obtemos uma perspectiva sobre as relações de poder existentes na política brasileira, durante a Primeira República.

A análise dessa trajetória nos permite alinhavar melhor os caminhos que levaram Eloy de Souza a estabelecer os laços políticos locais, no que se refere ao estado do Rio Grande do Norte, e nacionais, acerca da sua participação no grupo “Jardim de Infância”. Visto que essas relações foram substancialmente relevantes para a construção de um discurso em defesa da solução para o problema das secas. Fatos que permitiram sua participação na elaboração da delimitação de um recorte espacial especifico dentro da região Norte.

Para tanto, neste primeiro momento atemo-nos a uma revisão da bibliografia referente as tramas políticas desenroladas no contexto do primeiro decênio da República no Rio Grande do Norte. Palco no qual Eloy de Souza inicia sua atuação política. Deste modo, tomamos como nicho teórico a História Política, referencial que nos possibilita realizar uma discussão acerca dos pensamentos, comportamentos e da construção de uma memória sobre o período.

Salientamos que na construção do pensamento historiográfico a discussão da História Política passou por muitos reveses. Sua trajetória é delineada desde seu apogeu,

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no século XIX, onde sua posição foi privilegiada pela visão positivista e totalizante da história. Passando pela sua "marginalização" frente a mudança de paradigma levantada pela École des Annales7.

A perspectiva dessa escola historiográfica, era a de enxergar como "factual, subjetivista, psicologizante, idealista, a história política” (RÉMOND, 2003, p.18), e, que esta “reunia assim todos os defeitos do gênero de história"(RÉMOND, 2003, p.18), dos quais a produção realizada pelos Annales deveria redimir-se. Esse campo passou, então, a configurar o contrário do que esta ciência deveria realmente abordar. Entretanto, o “movimento” não linear e transversalizante da História deu ao gênero Política uma nova chance, uma nova roupagem.

Na década de 1980, houve uma mudança na perspectiva de abordagem, que ficou conhecida como “A Nova História Política”. Esta, por sua vez, passava a levar em consideração as antigas críticas levantadas pelos Annales, desvinculando-se de um perfil de história interessada apenas pelas minorias privilegiadas e incapaz de perceber a sociedade como um todo nos seus mais profundos movimentos. A “Nova História Política” passou a se tornar um campo de discussão, onde o político aparece não mais como "um lugar de gestão do social econômico"(RÉMOND, 2003, p. 10), mas, sim, como um campo de transformação que é transformado. Um espaço integrante e ao mesmo tempo integrador das superestruturas sociais.

No Brasil este movimento também se fez presente e nas universidades a história política tem ganhado cada vez mais espaço. Desta vez não mais dando ao político àquela visão tradicionalista que lhe delegava o poder de determinante do todo social, mas trazendo-lhe à tona na perspectiva de análise sobre as tramas sociais como um elemento dentro do sistema complexo da organização social. Portanto, a compreensão da história da dinâmica e cultura política, sendo esta interpretada “como algo que é constituído por um dado grupo, do qual é, ao mesmo tempo, constituidora” (GONTIJO, 2005. p.270), possibilita-nos uma reflexão sobre os fenômenos político-sociais locais e nacionais. Bem como uma maior percepção das estruturas sociais.

A partir dessa premissa dispomo-nos de uma série de registros e discussões sobre a história da Primeira República no Rio Grande do Norte. Partindo dos fatos contidos nas

Memórias de Eloy de Souza para estabelecermos um diálogo com obras de outros autores

que versejaram sobre o período. “Homens de letras” (VENANCIO, 2017) como Câmara

7 École des Annales (Escola dos Annales) foi o movimento historiográfico que surgiu na França durante a primeira metade do século XX, no qual a proposta era construir uma história desatrelada da visão positivista e totalizante que marcava as produções anteriores.

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Cascudo, Rocha Pombo e Tavares de Lyra, que juntos dão-nos a perspectiva de uma abordagem histórica atrelada a memória das relações políticas. Contudo, analisar apenas tais visões não nos é suficiente para tecer panorama contundente sobre a produção discursiva do dado período.

Essas perspectivas são as encontradas nas obras de Itamar de Souza, intitulada “A

República Velha no Rio Grande do Norte”, publicada em 1987; José Antônio Spinelli

Lindoso, em tese dissertação de mestrado sob o título “Da oligarquia Maranhão à

política do Seridó: o Rio Grande do Norte na Velha República” produzido em 1989, e

que chegou em nossas mãos sob o título de “Coronéis e Oligarquias na Primeira

República”; e o trabalho de Almir de Carvalho Bueno intitulado “Visões de República: ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895)”, tese de doutorado

defendida no ano 2002. Assim, no sentido de contrastar com estas leituras do passado que acabaram por produzir uma memória sobre a política e o próprio espaço norte-rio-grandense, utilizamo-nos das análises sobre a política do estado, aqui, configuradas como visões acadêmicas acerca do dado recorte.

Consideraremos, deste modo, dois níveis de conhecimento histórico sobre os primeiros anos da República: o primeiro representando por uma historiografia da memória do campo político e o segundo de uma história do político. Antepondo as duas visões buscamos nas falas e silêncios as significações do discurso e do particularismo político local. Realizamos, de certa forma, neste primeiro momento, uma continuidade das discussões levantadas pelo trabalho do professor Raimundo Nonato Araújo da Rocha8, publicado no ano de 2009. Estudo intitulado “A República no Rio Grande do

Norte: memória e historiografia”, no qual o professor faz uma discussão bibliográfica a

respeito da memória produzida sobre a Primeira República no estado.

Na análise, o autor trabalha com dois níveis de conhecimento históricos produzidos: o da memória e o da análise histórica. Elaborando, assim, uma revisão sobre a produção de uma memória construída pelos primeiros trabalhos relativos a História do

Rio Grande do Norte, escritas por Augusto Tavares de Lyra, José Francisco da Rocha

Pombo e Luís da Câmara Cascudo9. Obras que foram escritas entre as décadas de 1920 e

1950, a partir de demandas do poder público local, em contextos específicos que

8 Professor do Departamento de História da UFRN.

9 Luís da Câmara Cascudo (1898 – 1986) foi considerado o Historiador Oficial pelo governador Silvio Pedroza. Vale salientar que Câmara Cascudo, historiou sobre a Proclamação da República no Rio Grande do Norte e os acontecimentos que a precederam em outras obras, além da analisada no estudo citado. A saber:“História da cidade do Natal”, publicada pela primeira vez, em 1947, e na obra “História da República

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evidenciaremos mais adiante. Ademais, em nosso estudo adicionamos, as impressões de Eloy Castriciano de Souza. Registradas em sua autobiografia, na qual o autor evidencia, através de suas vivências, alguns dos acontecimentos que precederam e sucederam a Proclamação da República. Vale salientar que apesar de não ter escrito objetivamente uma “História do Rio Grande do Norte”, Eloy de Souza, através do seu “lugar de fala”10,

possibilita-nos mais uma visão sobre a política e o período abordado.

Sua obra, serve-nos tanto para vislumbrar um panorama do campo político local, quanto nacional. Visões de extrema relevância para a compreensão de seus posicionamentos em torno do tema das secas e da elaboração espacial e identitária de uma regionalidade nordestina. Assim, também através da análise de seus escritos buscamos minimamente contribuir com os estudos relativos a uma releitura acerca da construção de uma narrativa sobre a República no Rio Grande do Norte, produções acadêmicas iniciadas a partir da década de 1980.

Uma das primeiras obras no sentido desta releitura foi a de Itamar de Souza, na qual encontramos uma discussão mais detalhada do quadro social e político norte-rio-grandense. Em seu trabalho o autor elabora uma discussão teórica acerca das forças políticas vigentes na Primeira República. Além de ressaltar as especificidades políticas do estado, elaborando uma remonte acerca dos personagens e grupos políticos dominantes em seu capítulo, “O fenômeno oligárquico no Brasil”. Somados ao estudo de Itamar de Souza temos outros dois trabalhos que servem para o escopo de nosso trabalho, principalmente em relação a perspectiva sobre o campo político local. Constituem-se em exames mais aprofundados das estruturas sociais e políticas presentes no determinado contexto, são eles os trabalhos de Spinelli Lindoso e Almir Bueno.

No trabalho de Spinelli Lindoso temos discussões sobre o funcionamento do sistema político da República recém-inaugurada, atinando para as especificidades do campo político norte-rio-grandense. Seu trabalho apresenta-nos aspectos da implantação da República no Estado do Rio Grande do Norte, no que se refere as estruturas oligárquicas que o aportavam. Nessa perspectiva o autor buscou situar as disputas e conflitos entre os grupos políticos que estiveram envolvidos no processo de implantação

10 Adotamos o conceito de “lugar de fala” a partir da perspectiva de Foucault, segundo a qual esse pode ser concebido como o lugar que o sujeito ocupa numa cena, a partir da posição e das relações sociais estabelecidas por ele. Assim, as situações relacionais de Eloy de Souza, tanto referente ao alinhamento político local quanto ao nacional, possibilitaram-no a construção de uma memória do período. Acerca desse “lugar de fala”, bem como das intencionalidades e interesses imbricados nos discursos ver: FOUCAULT, Michel. A

Arqueologia do Saber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995; FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga

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da República na província norte-rio-grandense, relacionando-a com o contexto da política nacional.

Almir Bueno, por sua vez, embasado por alguns dos apontamentos realizados por Spinelli na década de 90, fez um estudo acerca das correntes político-ideológicas no movimento republicano norte-rio-grandense. Utilizando-se da dinâmica e das “tramas” que envolveram esse momento da política estadual para realizar uma releitura da história política da Primeira República no Rio Grande do Norte. A partir de sua obra obtemos uma visão sobre o campo das ideias que permeavam os discursos e implantação do regime republicano no Rio Grande do Norte.

As obras acadêmicas supracitadas nos servirão de subsídios na busca de uma elaboração do contexto e das “tramas” políticas, nas quais Eloy de Souza esteve envolvido. Vale salientar que estes trabalhos não são os únicos que falam sobre a República no Rio Grande do Norte11, mas por hora servem-nos substancialmente para a

discussão e para a compreensão do campo político sobre o qual nos debruçamos.

Portanto, em nosso estudo, pretendemos relacionar a configurações políticas norte-rio-grandenses em razão dos laços estabelecidos por Eloy de Souza nesse espaço, no intento de dar conta da problemática do espaço e de sua relação com a representação, discurso e construção de uma identidade-espacial local e regional.

Nesse escopo, analisamos as Memórias de Eloy de Souza sob a perspectiva da historiografia de produção da memória do campo político e do movimento republicano no Rio Grande do Norte. Pois como explicitado por Câmara Cascudo “Quer no pequeno mundo norte-rio-grandense, quer na política nacional, Eloy de Souza foi uma testemunha e mesmo um ator.” E a partir do seu depoimento procuraremos esquadrinhar as regras de um mundo social particular do qual ele foi integrante.

Nossa abordagem adota a trajetória social e política de Eloy de Souza como norteadora da discussão, analisando o seu ingresso na política norte-rio-grandense e suas relações com a dinâmica política local e nacional para compreender as nuances de seu discurso. Sob tal perspectiva, a utilização da autobiografia de Eloy de Souza, justifica-se ante a sua posição privilegiada frente ao contexto político norte-rio-grandense. Contudo, mesmo sendo a sua produção rica do ponto de vista factual, por si só não nos é suficiente para compreensão do campo que pretendemos analisar. Por isso a discussão bibliográfica

11 Outras obras relativas à República no Rio Grande do Norte são MONTEIRO, Denise Mattos.

Introdução à história do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2000; MARIZ, Marlene da Silva;

SUASSUNA, Luis Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte. Natal: Gráfica Santa Maria, 1999; TRINDADE, Sérgio Luiz Trindade Bezerra. Introdução à história do Rio Grande do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2007.

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faz-se importante e o diálogo entre os autores torna-se enriquecedor.

Na construção de uma história da Primeira República no Rio Grande do Norte algumas produções foram publicadas. Obras que aqui são discutidas sob a perspectiva da elaboração de uma memória sobre este espaço. Formada por narrativas de autores, renomados por suas atividades políticas e/ou intelectuais, como Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Rocha Pombo. Sujeitos que estavam inseridos através de seus laços sociais em uma dinâmica de construção da história desse estado.

Produções que foram fabricadas por letrados com engajamento intelectual e político, sobretudo, no que se refere aos sujeitos Tavares de Lyra e Rocha Pombo, sendo ambos integrantes do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Suas obras localizadas dentro de uma ideia desenvolvida por esta instituição, elas atendiam a uma demanda de construção e consolidação da memória local e nacional. Um movimento iniciado pós-Independência e concebido como um “projeto histórico do IHGB” (PEIXOTO, 2011, p. 11).

Plano que no século XIX, conforme afirma Renato Amado Peixoto, referindo-se a análise de outros autores, “se constituiu em torno da questão nacional, destacando-se, em geral, que as particularidades dessa instituição guardavam profundas relações com a própria estrutura do Estado, com aqueles grupos que o sustentavam e com um determinado contexto histórico” (PEIXOTO, 2011, p. 11). Assim, a serviço de um plano de construção do espaço e da identidade nacional o IHGB e suas instituições estaduais esforçaram-se na produção da história nacional e local. Nesta perspectiva, de constituição do todo (nacional) as partes faziam-se ou necessitavam afirmarem-se importantes, através de suas narrativas.

Esse movimento estava perscrutado de ideais que objetivavam construir imaginária e discursivamente a grandeza do território e da sociedade. As noções de civilização e progresso estavam, constantemente presentes nos discursos e passaram a fazer parte do imaginário político e intelectual. Sendo compreendido o conceito de civilização como uma construção da “sociedade ocidental” trazido para o Brasil através do contato com a cultura europeia. Tal noção, segundo Norbert Elias, “expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo” (ELIAS, 1992, p.23). Assim, a construção de uma noção de civil remete à um desejo europeu de diferenciação das demais sociedades existentes.

A interiorização das concepções de civilização e de progresso, na sociedade brasileira, também foram assimiladas pelas elites políticas dirigentes, as quais assumiram

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o papel de organização e consolidação dos seus espaços de atuação. Fazia-se necessário, portanto, construir no imaginariamente as ideias de Nação, o sentimento de valorização e pertencimento ao lugar e, sobretudo a identidade nacional. Assim, as narrativas criadas em torno da História do lugar, estava impregnada de heroísmos e noções de progresso civilizacional, símbolos de um passado que deveria ser lembrado, mas principalmente de um futuro promissor a ser seguido.

Nessa medida, as narrativas seguiam uma ordem não só cronológica, mas esboçavam uma lógica desenvolvimentista, na qual a sociedade que se apresentava passara do grau menor de civilização e mesmo lentamente alcançara patamares mais altos. Dentro desse discurso a supervalorização do papel das figuras locais no desenvolvimento e no desenrolar da história e política nacional fazia-se também presente.

Incluso nessa lógica a República representava um grande passo dado rumo ao progresso e, por conseguinte, a história de sua trajetória deveria ser reavivada na memória, construída no imaginário e resguardada através do discurso. Nesse movimento as “Histórias da República no Rio Grande do Norte" foram na década de 1920 elaboradas por Tavares de Lyra e Rocha Pombo e Luís da Câmara Cascudo, sendo a produção deste último publicada apenas em 1955.

Intelectuais, jornalistas, poetas e homens públicos que tiveram sua produção arregimentada e possibilitadas sobretudo por seus engajamentos e relações políticas. Letrados que se fizeram historiadores, em consequência de sua participação em instituições como o IHGB e ante a uma preocupação das elites com construção de um enredo para a “nova nação” e para os “novos estados” da recém-nascida, República. Tornaram-se artífices da invenção de um passado que construíram espaços de afirmação de grupos políticos, utilizando-se, assim, da memória e da narrativa histórica como uma estratégia de poder.

Autores que fizeram, em certa medida, uma História do tempo presente. Uma narrativa regada das visões contemporâneas as suas vivências. Discursos elaborados sobre os fatos e acontecimentos dos quais fizeram parte. Construtores de verdades sob o prisma dos seus grupos, dos interesses pessoais, políticos, sociais, aos quais estavam vinculados. Produtores de um discurso que repercute até os dias de hoje e que merecem ser incansavelmente discutidos.

Convém-nos, salientar que dentro da relação dialética existente entre a história e memória a concepção de uma História do tempo presente como um fazer metodológico é algo recente. Contudo, no decorrer da produção histórica por inúmeras vezes intelectuais

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depararam-se com a incumbência de escrever a história de sua vida, cidade, estado, ou país e mesmo sem darem-se conta ultrapassaram a fronteira entre o ontem e o hoje de sua época. Escreveram uma história sob a perspectiva singular do tempo, do espaço e dos grupos aos quais estavam relacionados. E elaboraram uma história retirada das experiências (memórias pessoais) e dos relatos (memórias de terceiros).

Nesta medida tanto as verdades construídas pelos discursos, quanto às lacunas estabelecidas pelos silêncios abrem-nos possibilidades de diálogo a respeito da construção de uma narrativa histórica sobre a República no Rio Grande do Norte, bem como sobre as dinâmicas dos grupos políticos locais e nacionais. O que temos, portanto, são obras constituídas e baseadas em documentos oficiais (produzidos pelos grupos políticos dirigentes à época), depoimentos dos próprios autores e de terceiros.

Uma história talhada no empirismo, embasadas na ideia de “verdade” vista e vivida pelos escritores e que por si serviriam para dar veracidade aos fatos e contundência aos acontecimentos. Uma narrativa das lembranças tiradas das reminiscências daqueles que “fizeram” e assistiram a construção da República e que por tais motivos deveriam ser registradas na historiografia local e nacional como a História da República no Rio Grande do Norte.

Não estamos, aqui, desconsiderando a importância destas obras para a compreensão dos acontecimentos e das configurações político-sociais do determinado momento. Muito menos diminuindo o valor das reminiscências para a construção da história local. Estamos, sim, explicitando a necessidade e a preocupação de destas obras se constituírem como verdades na medida em que foram construídas a partir de sujeitos que estiveram inseridos dentro do contexto de formulação e reformulação de um discurso republicano local.

Indivíduos que, sem dúvida, são por diversos motivos “narradores privilegiados” dos episódios que antecederam e sucederam a Proclamação da República, mas que pelos mesmos motivos necessitam de análises mais aprofundadas sobre suas produções. Esforço este caro a compreensão da configuração político-social do período.

Dito isso, é importante frisar que no que diz respeito ao nosso estudo damo-nos a liberdade de acrescentar as impressões de Eloy de Souza, sob o dado período. Visto seu posicionamento também privilegiado em relação a dinâmica do campo político norte-rio-grandense, bem como sua participação do IHGRN e sua aproximação com sujeitos como Tavares de Lyra e Câmara Cascudo, fortes colaboradores da construção de uma memória sobre este espaço. Aqui, relacionamos seu discurso às memórias já constituídas e as

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releituras já mencionadas. Buscando mais uma perspectiva acerca especificidades políticas desta espacialidade, bem como dos interesses perscrutados no discurso de nosso personagem, em favor de uma solução para o problema das secas.

1.1 A MEMÓRIA

Na perspectiva, da elaboração de uma remontagem acerca da política norte-rio-grandense, as Memórias de Eloy de Souza configuram-se como um registro dos acontecimentos políticos da Primeira República. Contudo, há de se considerar em particular, antes de utilizá-la, a peculiaridade da obra. Visto que uma autobiografia não se trata do registro de memórias desinteressadas, mas, sim, de uma “história pessoal do ego” (ABREU, 1996). Uma narração sobre a vida na perspectiva do próprio indivíduo e, sobretudo, uma obra que sofreu interferências, na medida em que foi editada e publicada após a morte do autor.

A produção em questão passou por alterações de estrutura (organização, disposição de capítulos), resultando na imagem elabora pelo autor, mas também remodelada, pelos responsáveis por sua publicação. Dito isto, ela merece uma atenção maior, visto que se trata não só de uma lembrança, mas, principalmente, de uma construção narrativa do indivíduo para a posteridade.

Portanto, aqui, consideramos as Memórias de Eloy de Souza, com um esforço deste sujeito para formular sua identidade e imprimi-la na história. Nessa perspectiva acreditamos, assim como Gisele Martins Venancio (2017), que escrever as memórias é uma forma de arquivar-se. Um meio de registrar o reflexo de si, nas páginas de um livro.

Logo, escrever uma autobiografia é deixar um eu definido, a partir do seu lugar social, suas relações com seus pares, suas ações e escolhas. As Memórias de Eloy de Souza configuram-se, assim, quão tantas outras autobiografias como um olhar-se no espelho (VENANCIO, 2017). Uma ação reflexiva na busca de construir uma identidade autoral que através da narrativa é transformada em imagem pública revestida de lógica, coerência e significado.

Deste modo, ao tratarmos de tal trabalho temos que o revestir do valor de “memória” e, por hora, destitui-lo do valor de “verdade”. Uma vez que, para lidar com o gênero literário autobiográfico faz-se necessário compreender a dinâmica de sua produção, torna-se imprescindível observar que,

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A memória é um trabalho. Como atividade, ela refaz o passado segundo os imperativos do presente de quem rememora, ressignificando as noções de tempo e espaço e selecionando o que vai e o que não vai ser "dito", bem longe, naturalmente, de um cálculo apenas consciente e utilitário. (GOMES, 2004, p. 06)

Dito isto explicitamos um dos cuidados que pretendemos ter: o de não sermos levados pelos perigos da ‘ilusão biográfica’ (BOURDIEU, 1996). Pois, o que consideramos, na perspectiva da utilização das Memórias de Eloy de Souza, é o sujeito como uma identidade socialmente construída, que através de pressupostos conscientes e inconscientes busca produzir uma representação de si (BOURDIEU, 1996) e do que viveu. Portanto, para compreendê-lo (abranger sua identidade), temos de analisar sua trajetória. Inseri-lo em sua em sua convivência com outros sujeitos, em seus espaços de sociabilidade (GONTIJO, 2005) e na relação de sua produção às demais realizadas por seus pares. Aproximando-nos das configurações do campo social que foi condicionado e era condicionante, dentro da complexidade dos espaços possíveis, nos quais estava inserido e posicionado.

A nossa investigação perpassa a visão construída nas Memórias de Eloy de Souza como político e intelectual da República norte-rio-grandense. Assim, levamos em consideração as particularidades desta obra e os perigos que percorremos ao ignorar a autobiografia como uma sobreposição de lembranças, interesses e intencionalidades.

Nesta perspectiva, no intuito de não sermos levados por esta ‘ilusão biográfica’ e de não nos deixarmos capturar pelo efeito causado pela representação de um eu coerente e contínuo, faz-se necessária uma análise pontual da constituição das Memórias de Eloy de Souza. Convém, antes mesmo de colocá-la em diálogo com os outros autores esclarecer que tal livro foi o produto de um longo processo de seleção de informações. Procedimento iniciado desde a escrita e revisão de trechos, realizada pelo autor até o lançamento da obra, no ano de 1975, concretizada pelo escritor Sanderson Negreiros.

“Eloy de Souza começou a ditar as Memórias de um Velho na manhã de 20 de junho de 1956. Tinha 83 anos. 1956 era o centenário de Pedro Velho, ídolo de sua saudade. O datilógrafo fui eu, para a terça parte da redação inicial, alterada” (SOUZA, E., 2008, p.13). Já em idade avançada, o velho Eloy de Souza, resolveu rememorar sua trajetória de vida, reinterpretar suas ações e compilá-las em uma obra. Contudo, seu trabalho não foi solitário, como podemos concluir pelo trecho acima destacado. Retirado do prefácio das Memórias, nele Luís da Câmara Cascudo ressalta sua participação na

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construção do livro e, assim como ele, outros também o fizeram, resultando em uma produção realizada à várias mãos.

A autobiografia de Eloy de Souza foi formada a partir de um conjunto de centenas de páginas datilografadas por ele, Câmara Cascudo e Omar Lopes Cardoso12. Páginas que

foram organizadas por Leonardo Bezerra, amigo de Eloy de Souza, que as ordenou para dar um determinado sentido a narrativa. A obra foi editada em 1975, e, reeditada anos depois, em 2008, por Rejane Cardoso, neta de Eloy de Souza, trabalho este que sofreu influências de escritores como Oswaldo Lamartine de Farias. Em suma, o que temos é uma “escrita de si”, que não necessariamente constitui uma imagem fidedigna que o próprio Eloy de Souza faria, pois, “[...] é como se a escrita de si fosse um trabalho de ordenar, rearranjar e significar o trajeto de uma vida no suporte do texto, criando-se através dele um autor e uma narrativa.”(GOMES, 2004, p.16)

Na obra, aqui em questão, todo esse trabalho de ordenação, rearranjo e significação, não foi realizada apenas por Eloy de Souza. Isto é, temos como resultado destes escritos, um personagem, construído não apenas pelo autor das reminiscências, mas também pelas pessoas que conviveram e assimilaram uma determinada visão deste como sujeito. Podemos, assim, imaginar que o próprio Eloy de Souza poderia ter feito uma constituição diferente da obra. Uma disposição diferenciada dos capítulos, que retiraria, ou acrescentaria informações, ou mesmo que continuaria as alterações que iniciou, mas que o seu falecimento em 07 de outubro de 1959 o impediu de concluir. Imaginamos que possivelmente poderíamos ter alguma outra perspectiva, que construiria talvez um Eloy de Souza diferente daquele lembrando pelos amigos, parentes, ou, construído pelo pesquisador.

É importante salientar que ao utilizarmos as Memórias de Eloy de Souza descartamos

[...] a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu” (a verdade dos fatos), pois esta não é a perspectiva do registro feito. O que passa a importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como o seu autor a expressa. Isto é, o documento não trata de “dizer o que houve”, mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a um acontecimento.” (GOMES, 2004. p.15)

12 Omar Lopes Cardoso, participe da Revolução (golpe) de 1930, era casado com Chloris, enteada de Eloy de Souza.

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Analisaremos deste modo a obra destituindo-a de uma ideia de verdade e delegando-a ao valor de lembrança de um sujeito imerso em seu lugar social. Revestindo-a do sentido de depoimento de Revestindo-alguém que viveu e rememorou Revestindo-acontecimentos, envolto em toda uma subjetividade, construindo a “sua” verdade sobre os eventos (GOMES, 2004). Tomamos, pois a visão de Eloy de Souza como uma perspectiva sobre a República norte-rio-grandense e brasileira, sua dinâmica e suas configurações a partir das particularidades de seu discurso, sem isentá-la do debate que aqui pretenderemos realizar.

Nesse esforço, cruzaremos suas informações com outros depoimentos e estudos sobre sua época com o intuito de melhor situá-las no contexto geral da Primeira República no Rio Grande do Norte. Atrelando suas atuações e falas a uma elaboração política, econômica e cultural, orquestrada por interesses interessados, que ao mesmo tempo estabeleciam o diálogo com as demandas dos grupos políticos aos quais esteve aliado. Buscando dessa forma, compreender o local de sua fala, os interesses nela inseridos e os elementos que subsidiaram seus discursos.

Assim, ao analisar as Memórias de Eloy de Souza, ouvir a voz de um sujeito que esteve imerso nas transformações políticas brasileiras nos primeiros decênios da República. Autor que, em suas produções, deixou as impressões sobre os fatos ocorridos, realizando contribuições políticas e intelectuais. Fazendo parte, mesmo que indiretamente, de uma série de registros históricos sobre o período. Suas Memórias, por mais que sejam uma ‘autobiografia biografada’ e tenham sido escritas com o objetivo de registrar uma “história do ego”, talvez, um “reflexo de si”, serve-nos também para uma análise sob a perspectiva de produção histórica, trazendo-nos informações importantes para a compreensão da dinâmica política e social norte-rio-grandense.

De tal modo, não nos convém julgar a imagem construída deste personagem. Interessa-nos as visões expressas em seus escritos. A perspectiva do Eloy de Souza sobre os acontecimentos vividos e rememorados por ele, como participante da política brasileira, àquele período, embora saibamos que estudar seus escritos, discursos e constituição de imagens e ideias também é estuda-lo. Partindo da premissa de que não podemos compreender sua trajetória a menos que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou.

Convém-nos, neste momento, abarcar e situar Eloy de Souza, para, enfim, localizar suas ações e discursos em torno da construção identitária e espacial local e regional. E assim, a partir desta construção compreender a inserção dos seus discursos na contribuição de um recorte espacial específico dentro daquilo que até então era chamado

Referências

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