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A Instituição e o instituído

4.2 Em relação ao Conceição

A Instituição / O Instituído / O Instituinte

No caso da experiência do Conceição, é a instituição Grupo Hospitalar Conceição (GHC), constituída por quatro grandes unidades hospitalares, que prestavam serviços de saúde somente nos níveis secundário, terciário e quaternário que “sofre” um processo instituinte, através da inserção em seu interior, de um ambulatório de atenção primária à saúde.

[...] pois na realidade, você pense bem, foi criado um serviço dentro de um hospital terciário. Mudar a visão de uma instituição que atende secundário e terciário para atenção primária, e ter uma unidade lá dentro com esse enfoque, é muito complicado (W).

Esta proposta [de criação de uma unidade de APS dentro do GHC] foi muito combatida pelo corpo clínico do Hospital, que pressionou a Diretoria para que não acontecesse, culminando com a decisão do Corpo Clínico, em reunião onde foi apresentado o projeto de moção de repúdio a este iniciativa. Em determinado momento, segundo o relato do Dr. Carlos Grossman que defendeu o projeto na reunião, foi usado a expressão “câncer a ser extirpado” para caracterizar a então denominada medicina generalista (LOPES, 2005, p. 19) [grifos do original].

Diferentemente da proposta do Murialdo em relação aos profissionais de nível superior onde médicos generalistas e enfermeiras atuavam na equipe localizada na unidade de APS e os demais profissionais na Unidade Central, no Conceição,

[...] a gente tem a característica de uma clínica bem mais ampliada [...]. A gente tem médicos, enfermeiras em todas as unidades, das profissões de nível superior, tem assistente social em todas as unidades, tem psicólogo em todas as unidades, tem dentista em todas as unidades, tem o matriciamento de nutrição, de farmácia, de psiquiatria e de medicina interna. Nós temos uma pediatra que é ligada ao Hospital da Criança Conceição, que faz supervisão em algumas unidades localizadas [...] (N).

A Institucionalização

O processo de institucionalização do Serviço de Saúde Comunitária do Conceição se estabeleceu, pode-se dizer, entre o embate de forças conservadoras relacionadas à atenção secundária/terciária e a atenção primária à saúde. A premissa inicial era a de incompatibilidade de acolhimento por um grupo hospitalar e seus especialistas de um serviço e profissionais generalistas. A evolução, porém, vem demonstrando que não só foi (e é) possível, como tem se mostrado vantajoso para ambas as partes.

[...] porque tinha uma dificuldade grande, principalmente da categoria médica em aceitar médicos gerais, de família e comunidade como hoje a gente se chama. Não era, foram anos de briga, anos de resistência, e eram poucas pessoas em serviços especializados que nos respeitavam, que nos aceitavam. Era uma briga. Tanto com a instituição - hoje é um mar de rosas -, como com a categoria. Imagina, não sabem nada, são médicos que fazem tudo. Até pela questão técnica, o desrespeito em termos disso (W).

[...] pessoas queriam acabar com o serviço, se livrar do serviço. Teve sempre briga para a manutenção. É para municipalizar, vamos passar tudo para o município. Eu acho que é um serviço caro, no sentido de ///, porque tu multiplica os recursos humanos, o PSF é mais barato. Ter médico, enfermeira e agente de saúde é mais em conta. Mas saúde não se pode pensar nisso. Tem que ser resolutivo (W).

É interessante notar a presença da dicotomia entre as instâncias de saúde, considerando que o GHC pertence majoritariamente ao Ministério da Saúde, ao propor-se a municipalização do SSC. Nota-se também que uma das maiores dificuldades advém do preconceito dos próprios médicos (especialistas) em relação a seus colegas de profissão (generalistas). Este fato é um dos geradores da má remuneração e valorização dos profissionais da APS, presente tanto nas entrevistas do Murialdo como nas do Conceição:

Em Porto Alegre o grande problema é o vínculo que não existe. O vínculo é precário. As pessoas não conseguem se manter, porque ficam inseguros. A gente consegue se manter, temos um vínculo seguro, estável, se não tu não tem vontade (W).

Atualmente, a relação entre o GHC e o SSC é bem maior que a de um simples “acolhimento”, ocorrendo já de certa “dependência”, pois

[...] ao longo do tempo a gente adquiriu uma respeitabilidade que no início não tinha. Hoje, 70% dos protocolos testados e em execução no GHC são oriundos da saúde comunitária (N).

O crescimento quantitativo e qualitativo do SSC fez com que o mesmo se tornasse uma gerência de Saúde Comunitária, abarcando uma ampla gama de programas e projetos.

[...] a gente está constituindo um Centro de Excelência de Pesquisa em APS que vai pesquisar nos próximos cinco anos a hipertensão e diabetes na comunidade. A gente está inaugurando uma coorte de acompanhamento e a gente pretende estudar em um ano e meio, cinco e dez anos. É uma encomenda do MS (N).

Uma coisa interessante da evolução do serviço e da instituição é que há três anos praticamente a gente passou a ser o local prioritário da Universidade Federal de Ciências da Saúde (N).

O processo de institucionalização da residência foi muito diferente da do Murialdo. Embora não tenha se iniciado como residência em MGC, ao longo do tempo se transformou nesta e tornou-se maior e mais bem estruturada que a do Murialdo.

No Murialdo, como o Estado tinha mais dificuldade de contratação e de manutenção dos profissionais porque os salários eram muito baixos, a gente acabava tendo a residência supervisionada por preceptores de especialidades, por pediatras, gineco-obstetras, psiquiatras, internistas, cirurgiões. E aqui no Conceição, não. A partir de 1984 quem era o preceptor do residente de Família e Comunidade era o médico de Família e Comunidade. Isso foi uma coisa que mudou completamente a história.[...] Nós espalhamos residentes pelo Brasil inteiro (N).

Também, nota-se que o Conceição estruturou um processo de institucionalização “ordinária ou permanente” mais consistente que o Murialdo, pois, ao longo do tempo, diferentemente do Murialdo, sem colocar radicalmente em questão os fundamentos de sua instituição fundadora, a vem transformando, “[...] infletindo suas orientações, remanejando seu funcionamento, modificando sua composição social [...]” (Savoye, 2007, p. 185), de forma a mantê-la constantemente atualizada.

A Sobreimplicação

No início da implantação do ambulatório de MGC, a vontade de que projeto se estabelecesse fez com que os residentes da época extrapolassem suas funções:

[...] a gente fazia tudo. Não tinha nem secretária. Os residentes faziam a parte médica, a parte de enfermagem, a parte de secretariado. Tinha uma auxiliar de enfermagem e a residência (W).

Apesar do Conceição ter inovado em muitas áreas, em relação ao exposto por LOPES, que o serviço de APS do GHC

[...] introduzia conceitos inovadores como: territorialização, adscrição de clientela, participação da população, trabalho comunitário, uso da consultoria (referência e contra-referência), assistência domiciliar, trabalho em equipe, dentre outros (LOPES, 2005, p. 19).

Considero que estes conceitos foram introduzidos pelo Murialdo, quando da estruturação do Programa de Saúde Comunitária em 1974. Este texto acima se encontra na dissertação de mestrado do autor que é ex-residente do Conceição, na qual analisa a produção do cuidado no Serviço de Saúde Comunitária do GHC. Penso que estas circunstâncias podem ter ocasionado a sobrevalorização da informação acima citada.