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METODOLÓGICO

2.2 Procedimentos da pesquisa de campo e da análise das informações

Dado o objeto desta investigação, optou-se pela metodologia da pesquisa qualitativa considerada a mais adequada para a coleta e análise das informações.

A pesquisa qualitativa apresenta “[...] uma ampla diversidade de vertentes e filiações oriundas da sociologia, antropologia, psicologia, história, dentre outras” (DESLANDES e GOMES, 2004, p. 103). Neste trabalho utiliza-se o conceito de Minayo, pois parte do campo das ciências sociais e encontra-se adequado ao estudo de instituições e de movimentos sociais, na medida em que

[...] visa compreender a lógica interna de grupos, instituições e atores quanto a: (a) valores culturais e representações sobre sua história e temas específicos; (b) relações entre indivíduos, instituições e movimentos sociais; (c) processos históricos, sociais e de implementação de políticas públicas e sociais (MINAYO, 2007, p. 23).

Ainda, em Minayo (2001) segundo Deslandes e Gomes (2004, p. 104),

Tomando as Ciências Humanas como base da pesquisa qualitativa, podemos afirmar que seu objeto reflete: uma historicidade (sociedades humanas vivem o presente, estão marcadas pelo passado e projetadas para o futuro); uma consciência histórica (seres humanos e grupos sociais atribuem significado e intencionalidade a suas ações); uma identidade entre sujeito e objeto (investigador e investigados, embora com referências diferentes partilham da cultura humana) e um caráter ideológico (nele se refletem interesses e visões de mundo).

No caso do presente estudo, a investigação baseou-se em revisão bibliográfica sobre a temática da medicina comunitária e na realização de entrevistas semi-estruturadas com personagens com atuação relevante em algumas experiências de Medicina Comunitária no Brasil, como será colocado adiante. Para análise das informações foi utilizada, para as entrevistas, a análise temática e em relação aos processos de implantação das experiências, basicamente o referencial teórico da análise institucional na perspectiva sócio-histórica.

Inicialmente foi realizada uma revisão da literatura nacional pertinente visando apreender e compreender os fundamentos teóricos necessários para subsidiar a análise. Neste sentido, foi realizado um levantamento documental referente à estruturação da MGC em suas várias denominações (medicina comunitária, medicina integral, medicina de família), no período de 1974 a 2001, buscando um aprofundamento da análise referente aos determinantes institucionais, políticos e ideológicos, bem como de seus desdobramentos empíricos.

Realizou-se também uma análise sistemática de todos os números das revistas Saúde em Debate, de 1976 a 2004, por ser esta uma publicação bastante relevante sobre o histórico das diversas conjunturas das políticas públicas de saúde das três últimas décadas do século XX e do início do século XXI.

Na revisão da literatura, foi possível perceber que houve, a partir da década de 70, em alguns municípios brasileiros diversos tipos de experiências de medicina comunitária com suas diferentes denominações. Evidentemente, seria impossível analisar este conjunto

de projetos, não só pela sua quantidade e variedade, como também pelo fato da ausência quase total de documentos e registros que permitissem o resgate da história de cada um.

Tendo em vista este fato, decidiu-se pela escolha de algumas experiências que fossem significativas para a compreensão do modelo da medicina comunitária: duas, que mesmo com grandes transformações continuam a existir até o momento - os projetos de Murialdo e do Hospital Conceição, ambos em Porto Alegre/RS e outra que teve a duração de apenas alguns anos - o Programa de Medicina Geral Comunitária de Mariana/MG. Ainda em relação à seleção desses casos, houve as seguintes motivações:

Em relação ao Centro de Saúde-Escola Murialdo/RS, o fato de ser pioneiro e ainda estar em funcionamento; quanto ao Grupo Hospitalar Conceição/RS: por “derivar” do Murialdo e também por encontrar-se em franca expansão. Acrescenta-se a estas motivações o fato de

[...] que os programas situados no Estado do Rio Grande do Sul foram responsáveis por 74,7% do total de especialistas formados até 1982. [...] Assim como o RS se caracteriza como o local de formação da maioria dos MGCs, também se constitui no seu maior campo de trabalho [...] (BORDIN e SILVA, 1989, p. 35).

Em relação ao Programa de Mariana, por fazer parte da vivência deste autor e não possuir registro escrito de sua história. Também esse Programa mostrou ter uma motivação para sua implantação completamente diferente em relação à do Murialdo e do Conceição.

A partir da análise de documentos relacionados às três experiências, foi possível analisar os processos de implantação e implementação destas experiências, tendo em vista as áreas de formação e atenção direta à saúde da população nos diferentes cenários político- sociais nos quais se inseriam.

No sentido de complementar e dar ‘mais vida’ à análise das experiências, foram contatados alguns personagens que participaram das três experiências e que se dispuseram a dar seus depoimentos através de entrevistas ao autor da tese, sendo que tal escolha, levou em consideração suas “posições institucionais, portanto públicas” (L’ABBATE, 2009, p. 32). Alguns foram selecionados pelo próprio pesquisador e outros foram indicados por

entrevistados, que os consideraram relevantes na complementação da história do programa por eles relatada. Desta maneira, foram resgatadas não apenas a história dos programas em questão, mas “a opinião e a interpretação” da mesma, bem como, “[...] aspectos importantes da vida do seu grupo social mais próximo, do segmento e classe a que pertence e, no caso desse trabalho, da entidade onde desenvolveu suas atividades, e à qual dedicou, muitas vezes, grande parte da sua vida. Ao mesmo tempo estará revelando sua forma particular de perceber todos esses processos e de atuar em relação a eles” (L’ABBATE, 2009, p. 33).

Ressalte-se que segundo Haguette (2007, p. 86) a entrevista é “[...] um processo de interação social entre duas pessoas, na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”. Considerando os limites de qualquer técnica, a da entrevista incluída, e seguindo as orientações dessa mesma autora, procurou-se entrevistar, dentro de cada caso, mais de uma pessoa, com o intuito de dar consistência e validar as informações colhidas.

Inicialmente, foi encaminhada por email, uma questionário semi-estruturada (ANEXO F) a duas ex-residentes de Mariana, com o intuito de constituir um “piloto”. Após meses e vários emails solicitando resposta, apenas uma respondeu e com a opinião de que achou o roteiro cansativo, daí a demora na resposta.

Assim, optou-se por entrevistas semi-estruturadas (ANEXOS A-B) orais. Foram realizadas entrevistas com sujeitos relevantes dentro do processo de implantação/implementação (gestores, (ex-) coordenadores de programa, (ex-) preceptores de programas, ex-residentes), buscando compreender suas inserções e motivações neste processo. Foi utilizado um roteiro semi-aberto, contendo as questões pertinentes assim como realizar uma investigação de campo de caráter eminentemente qualitativo (MINAYO, 2007).

Os relatos orais utilizados para a obtenção de informações ainda não disponíveis na literatura sobre o tema foram transformados em dados relevantes sobre o conhecimento das trajetórias dos programas em questão. Para tanto, foram obedecidas algumas condições necessárias, segundo L’Abbate (2009, p. 30), entre as quais a anuência dos entrevistados em ter suas memórias e opiniões gravadas e publicizadas nesta tese, a seleção de pessoas relevantes e com representatividade na história dos referidos programas e o respeito incondicional ao relato destes informantes, não referenciando apenas o que o

entrevistador/pesquisador “desejava” ouvir, mas, e talvez sobretudo, o que não “esperava” ouvir. Os relatos dos entrevistados, sempre que possível, foram complementados ou confrontados com a documentação acessada.

Inicialmente solicitou-se aos entrevistados relatarem sua participação no programa em questão e a partir de então foram feitas perguntas para esclarecer ou abordar um tema não presente na primeira parte da entrevista. Assim, além do relato referente à sua inserção profissional, as entrevistas são atravessadas por histórias pessoais que permitiram a ampliação da análise da implicação dos entrevistados.

Do Centro de Saúde Escola Murialdo em Porto Alegre/RS foram entrevistadas cinco pessoas, do Grupo Hospitalar Conceição em Porto Alegre/RS, duas e do Hospital Monsenhor Horta em Mariana/MG, três pessoas.

Através destas entrevistas (ver o Quadro 1 abaixo) pôde-se aumentar a aproximação sobre as motivações, os objetivos explícitos (e não explícitos), a percepção dos entrevistados sobre as relações institucionais (políticas, sociais, conjunturais), os conflitos internos e externos ao programa/projeto em questão, “[...] numa observação que, distanciada no tempo, teve menos o objetivo de reconstituir fatos, e mais o de obter avaliações e análises que não ficaram registradas” (ANDRADE, 1995, p. 7).

QUADRO 1 - Características dos entrevistados

Entrevistado Programa Característica do entrevistado Local da realização

B Murialdo Fundador, ex-professor, ex-gestor Consultório particular em Porto Alegre/RS

F Murialdo

Ex-residente, ex-professor, ex- gestor. Ex-presidente da SBMGC e da SBMFC

Hotel em Uberaba/MG M Murialdo Ex-residente, atualmente professora

e gestora

K Murialdo Ex-residente, atual professora S Murialdo Ex-residente, atual professora

Sede do Murialdo em Porto Alegre/RS

N Conceição Ex-residente (do Murialdo), ex- professor, atual gestor

W Conceição Ex-residente e atual professora

Unidade de saúde do Serviço de Saúde Comunitária do Conceição em Porto Alegre/RS ML Mariana Ex-residente da primeira turma e

ex-professora

Secretaria de Estado da

Saúde em Belo

Horizonte/MG

T Mariana Ex-professor Residência em Belo

Horizonte/MG

As entrevistas foram previamente agendadas por telefone ou correio eletrônico, nos locais e horários de disponibilidade dos entrevistados.

Em Porto Alegre, além das entrevistas, foi realizada uma visita a unidades de atendimento dos programas de residência do Murialdo e do Conceição.

As entrevistas transcritas e a versão da tese para a defesa foram encaminhadas por email aos entrevistados, respectivamente, dois meses e um mês antes da defesa, com a solicitação de parecer sobre as mesmas.