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No Hospital Monsenhor Horta em Mariana havia um espaço bastante adequado para o desenvolvimento de uma experiência de formação, visto que um grupo62 de médicos que trabalhavam lá tinham sido residentes do Célio de Castro e tinham a intenção de fazer uma prática mais integrada, com uma visão mais ampla e mais integral da medicina. Visão que associava aspectos sociais ao exercício mais geral da prática médica a partir da compreensão do indivíduo como um todo.

Outra característica facilitadora era a presença do estágio em Clínica Médica dos estudantes de Medicina da UFMG iniciado em 1975. A residência médica começou em 1978 junto com estágio de acadêmicos de Enfermagem.

Quando então ia montar a residência do ano de 1978, no Semper, aí eles falaram - nós vamos fazer um estágio, um ano, no interior. [...] A turma estava na Associação Médica. Teve uma jornada médica lá em Mariana. Então já foi um contato com Mariana e tudo mais. E havia uma circulação boa, uma boa aceitação disso lá e a Cúria Metropolitana também apoiando isso. A figura do Célio também era muito incensada. [...] Aí para 78 já propuseram fazer dois focos. Então foi definido que um seria Monlevade, que seria dentro do Hospital Margarida em Monlevade63 e o Hospital Monsenhor Horta em Mariana. Você poderia

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Em função do regime militar, os militantes da esquerda tinham se dividido: “[...] o PCdoB tinha ido para a guerrilha e o partidão [PCB] estava aqui na cidade [Belo Horizonte]” (ML). Simpatizantes destes grupos foram os responsáveis pela estruturação da Residência.

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Município de João Monlevade, MG, distante 115 km de Belo Horizonte. O município de Mariana dista 110 km de Belo Horizonte.

optar se você iria para lá no segundo ano da residência ou no primeiro (JT).

Assim, inicialmente, a residência de Mariana ficou vinculada à residência do Semper – os residentes passavam um ano no Semper e um ano em Mariana -, e tinha a característica de uma residência com formação nas disciplinas básicas. O residente faria clínica médica, ginecologia, obstetrícia, pediatria e teria a formação em clínicas básicas para poder atuar com o foco na questão da interiorização da prática médica, utilizando da melhor forma possível os conhecimentos adquiridos na residência.

Diferentemente do que ocorreu em João Monlevade, em Mariana a residência visava à medicina da comunidade, com seus vários distritos, onde os residentes passaram a atuar junto às comunidades, em função do apoio que tinham da prefeitura. No início da residência, o programa era bem médico. Depois, ele se amplia, se modifica, incorpora a saúde da comunidade e se consolida, deixa de ser um projeto, se transforma na residência.

E a partir de, no ano seguinte, 1979, eu acabei a residência aqui [Semper] e fiquei mais voltada para lá e a gente começou a atuar na área rural e aí levamos os residentes para a área rural. Em 79, 80 ocorreu essa transformação [...] (ME).

Com o processo de credenciamento das residências pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) do Ministério da Educação e Cultura - MEC, o Semper decide oficializar a sua residência como clínica médica, iniciando-se o processo de cisão do programa Semper/Mariana.

[...] temos que nos desligar do Semper. Fazer o nosso caminho aqui em MGC. Casava perfeitamente com nossas coisas. [...] O Polignano64 entrou, sendo professor lá da UFOP. Nós vamos pegar os marcos conceituais. Fizemos várias reuniões. O marco que se pegou, tinha muito

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Marcus Vinícius Polignano, médico, professor adjunto da UFMG, doutor em Saúde Pública, coordenador do Projeto Manuelzão e de ações junto ao internato em saúde coletiva.

assim /// na época tinha um camarada do sul, Santa Maria aliás, o Kurt Kloetzel65, ele tinha umas discussões interessantes [...] o tratamento ser uma coisa integrada, tudo o que você poderia fazer pelo indivíduo. Aquele trem de conhecer a comunidade em que você está trabalhando, Tinha a questão também de ajudar a comunidade a fazer sua evolução na área da saúde. A gente lia muita coisa. Lia aquele pessoal que está hoje lá na Abrasco (JT).

Devido ao interesse (e à necessidade) em credenciar o Programa de Residência junto à Comissão Nacional de Residência Médica, em 1983 inicia-se o processo de credenciamento da residência de Mariana como Residência em Medicina Geral Comunitária. Para tal, o grupo se mobilizou para ajustar o programa teórico-prático às exigências do perfil do médico geral comunitário a ser formado pois, neste momento, ainda havia o predomínio da formação hospitalar - faltava a parte de Saúde Pública.

Quando entrei (julho de 1983) a Residência era uma proposta inovadora de formação médica em medicina geral, basicamente hospitalar. [...] Foi nesta época que se fez um convênio entre o Hospital e a Prefeitura Municipal de Mariana para viabilizar “estágios” em ambulatórios da cidade e posteriormente em ambulatórios de área rural nos diversos distritos da cidade (NM66).

Inicia-se, então, a implantação dos ambulatórios nos distritos e ampliou-se o grupo de preceptores através da vinda de um profissional para desenvolver a área de Saúde Pública. Este profissional, o Prof. Polignano, era vinculado ao Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto, um dos responsáveis pela implantação e supervisão do internato rural da Nutrição.

65 Kurt Kloetzel (1923: Hamburgo, Alemanha – 2007: Pelotas, RS). Engenheiro, médico, exilado nos Estados

Unidos na ditadura militar, consultor da Organização Mundial de Saúde e Ministério da Saúde brasileiro. Montou o Depto de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Publicou vários livros: “Raciocínio Clínico”, “ABC do Charlatão”, “O que é Meio Ambiente”, “O que é Medicina Preventiva”, “O que é Superstição” e “O que é Contracepção e Controle de Natalidade”, e “As bases da Medicina Preventiva”, sendo reconhecido como o primeiro a escrever sobre o assunto no Brasil.

Após algum tempo, os coordenadores da Residência perceberam que faltava suporte para o credenciamento do programa, representado, principalmente, pelo apoio de uma faculdade de Medicina.

Porém, mesmo sem este apoio, o Programa crescia em qualidade e se estruturava, obtendo a aprovação da Comissão Nacional de Residência Médica. Todo o processo de credenciamento, efetivado em 1984 inclusive com bolsas do INAMPS, contou com a participação direta de preceptores e residentes que foram a Brasília e se mobilizaram para este fim.