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Parte I – Enquadramento Teórico

Capítulo 2 – Educação / Escola

2.3. Em torno do conceito de cultura

Se questionássemos várias pessoas sobre o que significa a palavra cultura

encontraríamos muito provavelmente, um enorme conjunto de versões, que apontariam como denominador comum para uma forma concreta de expressar

o que o ser humano faz. A forma de sentar-se à mesa para almoçar, a forma como um pedreiro coloca tijolos num muro de uma casa, a forma como um professor expõe ou discute argumentos com os alunos na aula, o fazer um guisado de carne com batatas, seriam possíveis respostas à pergunta, e sem

dúvida que estariam certas.

Se consultarmos o dicionário no sentido de obter um significado relativamente a este termo verificamos que esta palavra deriva etimologicamente do latim (cultura, ae – cultura do espírito – em sentido figurado). Este vocábulo tem sido frequentemente usado para designar o trabalho da “natureza”, externa e interna ao homem. Segundo Machado, cultura é definida como: “acção, acto ou maneira de cultivar a terra ou certas plantas; utilização industrial de certos produtos naturais; criação de certos animais, sobretudo microscópicos; estudo, aplicação do espírito a uma coisa; exercício, aperfeiçoamento das faculdades intelectuais; conjunto dos conhecimentos de alguém; instrução; apuro, esmero, elegância” (cf. 1996:324). Inicialmente a filosofia distinguia “natureza” e “cultura”, estando a primeira próxima da “qualidade do que é inato” e a segunda relacionando-se de uma forma mais estreita com o “adquirido”. Desta forma, “a cultura implicaria necessariamente um trabalho de transmissão exercido sobre a ‘natureza’ dada. A transformação da ‘natureza’, graças, em particular, à acção educativa, teria por objectivo desenvolver qualidades virtuais e actualizá- las” (cf. Forquin e Paturet, 1999:109). Neste sentido, o termo cultura encontra- se associado a um conjunto de conhecimentos, convenientemente assimilados e dominados, a um “circulo de saberes fundamentais” (cf. Ibidem:110), com valor formador.

Atribui-se ao antropólogo inglês Tylor, na sua obra clássica da antropologia Primitive Culture (1871), a elaboração pela primeira vez do conceito de cultura referindo-se a esta como “a cultura ou civilização, entendida no seu sentido etnográfico amplo, é o conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume e toda a demais capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade”. Esta definição tem implícita uma concessão de cultura como um somatório de dados independentes (traços culturais) susceptíveis de registo num inventário por

listagens. “Este ponto de vista encontra-se em conexão com a crença, compartilhada por todos os colegas evolucionistas de Tylor, segundo a qual seria possível reconstruir culturas de épocas passadas, integrando de novo nos seus conjuntos de articulação originais os traços dispersos dos antigos costumes que, pelos acasos da história, tinham sobrevivido, fora do seu contexto, até aos tempos actuais” (cf. Leach, 1985:105). Entende-se assim a cultura como manifestação do ser humano enquanto membro da sociedade com toda a gama de comportamentos por ele aprendidos, isto é, como o conjunto de hábitos de vida, dos costumes, das representações, das emoções, das competências características de um determinado grupo social, num trabalho permanente de transmissão, socialização, iniciação ou educação. Mas não podemos esquecer que a cultura é algo vivo, dinâmico que se nutre do ambiente onde se desenvolve.

Podemos entender também cultura como promoção académica, sendo esta noção portadora de prestígio e estatuto social. É sensivelmente sinónimo do saber, saber lato associado a cultura geral ou saber especializado num sector particular. Desta forma será “culta” a pessoa que é muito instruída, que domina um amplo conjunto de conhecimentos.

Para Camilleri (cf. 1985:13):

“a cultura é o conjunto mais ou menos ligado de significações adquiridas, as mais persistentes e as mais partilhadas que os membros de um grupo, pela sua filiação nesse grupo, são levados a distribuir de maneira prevalente pelos estímulos provenientes do seu meio e de si mesmos, induzindo face a esses estímulos, atitudes, representações e comportamentos comuns valorizados e que tendem a assegurar a reprodução por vias não genéticas”.

Numa perspectiva sociológica, Giddens (1993), define cultura como os valores que os membros de um dado grupo mantêm, as normas que seguem e os bens materiais que criam. Segundo o autor, os valores são ideais abstractos, as normas são princípios e regras que representam o que é permitido ou não na vida social. Assim, a cultura reporta-se aos modos de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da mesma, incluindo não só hábitos de casamento e vida familiar, padrões de trabalho, cerimónias religiosas… mas

também os bens que são criados pelo grupo e que se tornam relevantes para o mesmo.

Assim, a cultura é de tal forma abrangente, uma vez que “Sem cultura, não seríamos completamente ‘humanos’, no sentido em que habitualmente compreendemos o termo. Não teríamos linguagem/língua em que nos expressarmos, nenhum sentido de auto-consciência, e a nossa aptidão para pensar ou raciocinar seria severamente limitada” (cf. Giddens, 1993:32).

Então cultura expressa-se como algo que é elaborado e construído pelos seres humanos em interacção e que é transmitida, através de gerações, pelos vários intervenientes da sociedade.

Portanto, somos da opinião que quando uma criança nasce embrenha-se num meio composto de significantes e significados que lhe serão transmitidos pelos membros da comunidade à qual pertence, dando, desta forma, sentido ao seu mundo físico, pessoal e social e formando assim a sua identidade. Se tomarmos como exemplo os ciganos podemos verificar que estes não têm território, nem sequer a pretensão de tê-lo, mas mantêm a sua cultura, o seu "sentir-se povo", e assim têm permanecido ao longo de vários séculos.

Todos sabemos que cada indivíduo é um ser único, e a Genética confirma-nos esta hipótese: o código genético é, por assim dizer, uma impressão única que simboliza o modelo de cada ser humano. No entanto, não devemos descurar a ideia de que somos produto de uma construção cultural e que existem diferenças alicerçadas, digamos assim, num concentrado cultural: costumes, mentalidades, que traduzem a mesma visão do mundo, a mesma tradição tribal ou grupal e se distinguem das demais.

Por conseguinte, os problemas entre as culturas emergem quando as pessoas se deparam com diferenças com as quais não estão familiarizadas e são incapazes de se relacionarem reagindo muitas vezes emocionalmente ficando frustradas ou fazendo juízos negativos sobre os outros e pondo fim ao fundamental interrelacionamento. Com efeito, o modo como as culturas reagem

ao uso do tempo pelas pessoas, à orientação espacial, ao regime hierárquico rígido é diferente, levando a que se origine deficiente comunicação e fraco relacionamento entre culturas.