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Factores relativos à família e teoria do handicap

Parte I – Enquadramento Teórico

Capítulo 1 – O (In) Sucesso Escolar

1.4. Factores e teorias explicativas do insucesso escolar

1.4.2. Factores relativos à família e teoria do handicap

Considerando que a escola não detém o monopólio da instrução e da aquisição de valores e atitudes democráticas inscritas numa participação activa e consciente na sociedade, a família surge como participante poderoso e activo na aquisição dos saberes e do “saber fazer” aparentemente mais "escolares", pois estes são parcialmente construídos fora da escola, no seio familiar, começando pelo “saber ler”,

Desta forma, o estrato social familiar, a falta de estruturas sociais e escolares, o baixo nível cultural e social das famílias, quando não proporcionam meios, estímulos, motivações, condições de estudo e aprendizagem aos seus educandos, são entraves para o normal funcionamento do processo de aprendizagem e estão na base do insucesso escolar.

Após o 25 de Abril de 1974, surgiram no campo educacional, diversas investigações, sobretudo de natureza sociológica, que concorreram para o aparecimento de uma nova teoria explicativa do insucesso escolar – a teoria do handicap sociocultural, em que o “sucesso/insucesso dos alunos é explicado

pela sua pertença social, pela maior ou menor bagagem cultural de que dispõem à entrada na escola” (cf. Benavente, 1990:6).

Estes estudos foram amplamente influenciados pela corrente francesa sustentada por Bourdieu e Passeron (1976, 1978), Baudelot e Establet (1975) e desenvolvidos em Portugal, particularmente, por Grácio e Miranda (1977), Miranda (1978), Grácio e Stoer (1982) e Grácio et al. (1982) e Benavente (1988).

Os estudiosos do problema do insucesso estabelecem uma ligação estreita entre este fenómeno e a origem social do aluno. Advogando então, uma teoria que observa o insucesso escolar como um fenómeno social e que resulta de desigualdades sociais (cf. Benavente, 1988).

Na mesma linha de pensamento encontramos, ainda, Pires, Fernandes e Formosinho (cf. 1991:189) que destacam os “factores socioculturais como as principais causas das carências do aluno que acede à educação escolar numa situação de desvantagem”, relacionando a causa do insucesso escolar com factores como “a cultura informal da família e do meio ambiente, habitat do aluno (cidade/campo), nível económico da família”.

De acordo com Pereira e Martins (cf. 1987:43) os alunos com insucesso escolar manifestavam primordialmente um deficit “(…) cultural, educativo, linguístico e mesmo perceptivo”.

Tendo em conta que as crianças são herdeiras da dimensão cultural da sua família, Bourdieu e Passeron (1985) consideram que se estas são procedentes de meios sociais desfavorecidos, onde o capital social e económico é baixo, têm menos possibilidades de êxito na escola e são aquelas que mais insucesso apresentam. Afirmam ainda que encontram na escola uma verdadeira barreira entre a sua cultura de origem e os critérios culturais do sucesso escolar. (cf. idem, 1976, 1978).

Os alunos das classes sócias baixas, que acedem ao patamar do sucesso, legitimado pela escola apenas para os alunos das classes ditas socialmente privilegiadas, é explicado por uma árdua aculturação escolar que pressupõe, em muitos casos, o enfraquecimento dos laços com o meio social de origem.

Rangel (1994), também sustenta que a abordagem ao problema do insucesso escolar tem um núcleo central na família e na sua herança ou cultura. Deste modo, esta teoria alega que as práticas e as vivências são diferentes comparando crianças dos meios rurais com as crianças dos meios urbanos. Salientando que as distintas formas de linguagem são condicionantes responsáveis pela maior ou menor dificuldade das crianças em adquirir competências/conhecimentos que lhes possibilite o sucesso escolar e profissional.

A linguagem, veículo indispensável para a criança aceder à comunicação, trata-se de um processo privilegiado de enriquecimento de experiências que influenciam a aprendizagem. Sujeitas a obstáculos, tais como: um espaço físico pouco desenvolvido e uma pobre herança social e cultural, as crianças não irão ampliar a linguagem e todo um conjunto de experiências, tornando-se deficitárias de uma linguagem promovida na escola e, consequentemente, pouco aptas para obter sucesso escolar.

Assim, a criança desfavorecida ou com handicap sociocultural e linguístico é aquela que advém de um meio diferente e que ao entrar na educação formal é confrontada com a linguagem escolar, diferente da que é usada no meio (habitacional ou familiar) onde até à altura, esteve imersa, como podemos referir ser o caso dos alunos ciganos.

Pereira e Martins (cf. 1987:50), referem ainda que se a escola não tiver em consideração e respeitar as suas ideias, opiniões e vivências, então “a criança deixa de se sentir à vontade no universo escolar, aparecendo-lhe este, inevitavelmente, como estranho”.

A uma dimensão cultural, Martins (1991) acrescenta que a origem económica das famílias dos alunos e o nível escolar das mesmas constituem causas dominantes de insucesso escolar. Menciona aspectos como a distância entre a casa e a escola e a zona de residência como elementos que potenciam o insucesso.

O primeiro aspecto, remete-nos para o facto de não ser vantajoso impor aos alunos, longas ou cansativas deslocações, uma vez que estas reduzem o tempo e a disposição para se dedicarem ao estudo e a actividades recreativas; relativamente ao segundo, residir em zonas degradadas pode ter também consequências negativas para o aproveitamento escolar.

Uma família, com um nível socioeconómico baixo terá provavelmente um acesso reduzido a uma boa e saudável alimentação, vestuário, habitação, bem como, a um escasso poder de compra de bens de cultura. O rendimento económico familiar fraco pode ainda conduzir ao abandono escolar na medida em que se torna necessário reduzir as despesas e aumentar o rendimento per capita. Vendo a escola como um gasto desnecessário levará os jovens com um historial de insucesso a iniciarem mais cedo o mundo profissional.

Na óptica de Avanzini (s.d.) a importância do ambiente cultural familiar no aproveitamento escolar, é mais relevante que o próprio ambiente económico familiar. Nas famílias em que a cultura (o saber) não é valorizada, não são estabelecidas as condições ideais para um bom desempenho escolar dos alunos, já que o económico é mais relevante que o social. Porém, as famílias que valorizam a cultura (saber escolar) promovem condições que facilitam aos seus educandos melhores resultados escolares, independentemente do estatuto económico familiar. É importante relembrar que quanto maior é o nível socioeconómico mais facilidade existe no acesso a bens de cultura, o que poderá influenciar positivamente o aproveitamento escolar.

Na perspectiva de Martins, os estímulos que advêm de ambientes socioculturais e económicos diferentes, promovem nos alunos “aspirações e atitudes diferenciadas” (cf. 1991:14), que de certa forma actuam, quer ao nível

do desenvolvimento cognitivo, quer das opções escolares e profissionais, bem como, do próprio sucesso escolar. Avanzini (s.d.) refere ainda, que as famílias com baixas expectativas, quanto ao nível socioeconómico associado à profissão futura dos filhos, vêem o ensino como pouco interessante comparando-o com um ensino de carácter preparatório para o exercício de uma profissão.

As classes mais altas têm, por norma, expectativas mais elevadas para os seus educandos tendendo a encaminhá-los para profissões mais prestigiadas, enquanto que as classes mais baixas procuram que estes atinjam objectivos a curto prazo em profissões pior remuneradas e com menos prestígio social. Deste modo, é fundamental que o currículo estabeleça correctamente a proporcionalidade entre o teórico e o prático para que não ocorram casos de desinteresse que poderão originar situações de insucesso escolar devido à não correspondência entre a realidade escolar e as expectativas quanto ao futuro profissional.

A afectividade familiar em equilíbrio constitui também para Avanzini (s.d.) um factor relevante para um bom aproveitamento escolar. Os problemas familiares como desentendimentos conjugais, ciúmes, comportamento de agressividade e de infantilidade, potenciam situações de insucesso escolar. A este respeito, Muñiz (cf. 1993:76) refere que “quando o casal não funciona adequadamente, os interesses da criança são reabsorvidos pelos conflitos familiares, pelos receios deles derivados e, portanto, a capacidade de se interessar e de enfrentar problemas e dificuldades escolares fica diminuída e imbuída da problemática familiar”.