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Ementas e diretrizes curriculares

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 57-61)

3 CATEGORIZAÇÃO DE TEXTOS DA LICENCIATURA: GÊNEROS E

3.2 Ementas e diretrizes curriculares

Consideramos importante verificar em que medida a seleção dos textos de análise e acadêmicos realizada pelos professores formadores condiz com as orientações presentes não apenas nas ementas das diversas disciplinas de língua espanhola e de literaturas hispânicas, mas também com as determinações de documentos que regulam a reforma das licenciaturas. Esse cotejo parte da concepção de que as ementas se configuram como “enunciados assumidos por um enunciador autorizado, direcionada a interlocutores como professores e alunos de uma IES, materializada na forma de documento normativo e situada em contextos específicos” (SOUZA, 2013, p. 114), fundamentando-se a partir de relações de poder que constituem o âmbito acadêmico.

Como mencionado na seção anterior, não foi possível coletar os textos referentes a todas as disciplinas da habilitação em língua estrangeira, embora seja pertinente ressaltar que uma quantidade maior de textos coletados nos permitiria ter uma visão mais global do currículo da licenciatura em Letras Espanhol na universidade pesquisada. Dessa maneira, abordaremos apenas as disciplinas que concernem aos textos catalogados, procurando

perceber pontos de convergência e divergência entre a seleção dos docentes formadores e as ementas. Dentre os pontos divergentes podemos apontar a ênfase na produção literária canônica, no que se refere aos cursos de literaturas hispânicas, e a falta de interesse em relação aos procedimentos de ensino dos conteúdos específicos de cada disciplina, perceptível tanto nos cursos de literatura quanto nos de língua, além do foco na escrita em detrimento da oralidade no que diz respeito aos cursos de língua espanhola.

Encontramos alguns pontos de divergência primeiramente no curso de Literatura Espanhola I, cujo foco, segundo a ementa, é o teatro espanhol desde a idade média até a contemporaneidade. Percebe-se, entretanto, que os textos categorizados referentes a essa disciplina dão relevância ou à tradição do teatro na Espanha, ou à configuração do texto dramático de um modo geral, sem abordar o contexto do teatro contemporâneo. Os textos de análise selecionados, ou seja, os literários, corroboram essa ênfase na tradição, pois fazem parte do cânone (são peças de autores como Lope de Vega, Calderón de la Barca e Tirso de Molina).

O mesmo ocorre na disciplina de Literatura Hispano-americana I, que, de acordo com a ementa, contempla a poesia hispano-americana modernista, as vanguardas e a poesia contemporânea. A partir da categorização, no entanto, observamos uma ênfase no Modernismo e nas vanguardas hispano-americanas. Novamente, relega-se a produção estética contemporânea a segundo plano.

Dentre os cursos que compõem a formação literária dos licenciandos em Letras Espanhol, a seleção de textos que parece fugir, ainda que parcialmente, à “regra” do foco no cânone refere-se à disciplina de Literatura Espanhola II, que, segundo a ementa, deve contemplar os sistemas literários e os modelos narrativos da pré-modernidade, da modernidade e da pós-modernidade. Verificamos na categorização dos textos referentes a essa disciplina a presença de um romance contemporâneo, intitulado Soldados de Salamina, escrito por Javier Cercas. Os demais textos selecionados, porém, pertencem à tradição literária canônica.

Outra divergência entre a seleção de textos realizada pelos professores formadores e as ementas diz respeito ao trabalho com determinados autores, obras e gêneros. A categorização dos textos referentes à disciplina de Cultura e Civilização da América Hispânica11 nos mostra que alguns autores e obras indicados na ementa não foram contemplados, tais como o poeta Caviedes, a poesia gauchesca e o romance Facundo, embora tenha sido selecionado um

11 Embora a disciplina em questão apresente um caráter cultural, percebe-se uma tendência a que funcione como base para a literatura Hispano-americana.

ensaio crítico sobre o autor desta obra.

Percebemos uma discrepância semelhante em relação aos textos categorizados referentes ao curso de Literatura Hispano-americana III, cujo foco, segundo a ementa, é o ensaio e gêneros como cartas, relatos de viagem, entre outros. Os textos escolhidos para essa disciplina, no entanto, pertencem majoritariamente ao gênero ensaio e têm por finalidade a crítica, a teoria, a historiografia e a análise da própria tradição ensaística hispano-americana. Entretanto percebe-se a ausência de outros textos de análise pertencentes a outros gêneros, além da ênfase na adoção de textos que abordam os ensaios clássicos, sem disponibilizá-los à leitura do aluno. Isso reforça nossa discussão a respeito do espaço insuficiente que se dá à formação do leitor literário nas disciplinas de literaturas hispânicas.

Convém ainda ressaltar a discrepância entre os textos categorizados e a orientação de algumas ementas em torno do trabalho de transposição didática dos conhecimentos específicos trabalhados na formação em língua e literaturas estrangeiras para a Educação Básica e de preparação de material didático para esse nível de ensino. Percebemos, a partir da categorização, uma falta de preocupação no que diz respeito ao trabalho com a linguagem (seja literária ou não literária) no ensino fundamental e médio, visto que em nenhum dos textos selecionados pelos professores formadores (tanto de língua quanto de literatura) há um comprometimento sólido em relação à formação docente. As ementas das disciplinas de Literatura Espanhola II, III, IV e V, por exemplo, apresentam a diretriz de trabalho com transposição didática e com preparação de materiais didáticos, modificando-se apenas o foco de cada uma dessas disciplinas, que dão ênfase, respectivamente, à narrativa, aos estudos sobre Cervantes, à poesia medieval até o século XVII e à poesia do Romantismo até a contemporaneidade. Em relação à formação em língua, as disciplinas de Língua Espanhola IV, V e VIII também expressam a importância de se transpor os distintos conteúdos específicos para a Educação Básica. Apesar disso, o trabalho de preparação de material didático parece não ser realizado pelos professores formadores, tendo em vista a ausência de textos que abordem esse aspecto da prática docente.

Tais questões são abordadas no Parecer CNE/CP nº 9 de 2001, que apresenta diretrizes curriculares para a formação de professores da Educação Básica. Segundo esse documento, “os currículos de formação de professores devem contemplar espaços, tempos e atividades adequadas que facilitem a seus alunos fazer permanentemente a transposição didática12, isto é,

12 A respeito do conceito em questão, Dolz & Schneuwly (1999, p. 10) afirmam que os gêneros devem ser

trabalhados na escola a partir de modelos didáticos, uma vez que “toda introdução de um gênero na escola é o

a transformação dos objetos de conhecimento em objetos de ensino” (BRASIL, Parecer CNE/CP 9/2001, p. 56). Isso implica, de acordo com o Parecer, o envolvimento do conjunto de docentes formadores a fim de que sejam integrados os conhecimentos práticos e pedagógicos e os conhecimentos específicos, uma vez que

Todas as disciplinas que constituem o currículo de formação e não apenas as disciplinas pedagógicas têm sua dimensão prática. É essa dimensão prática que deve estar sendo permanentemente trabalhada tanto na perspectiva da sua aplicação no mundo social e natural quanto na perspectiva da sua didática. (BRASIL, Parecer CNE/CP 9/2001, p. 57)

No documento de apresentação do projeto pedagógico da licenciatura em Letras da universidade pesquisada, intitulado “Projeto Pedagógico e Organização Curricular do Curso de Licenciatura em Letras”, é igualmente possível perceber um interesse em relação às questões anteriormente apontadas. Na seção do documento intitulada “A proposta curricular”, por exemplo, advoga-se pelo envolvimento dos licenciandos em ações educativas que lhes possibilitem transformar objetos específicos de pesquisa em objetos de ensino. Convém perceber também a defesa da formação “científico-pedagógica” do futuro docente, o que é corroborado pela expressão “professor-pesquisador”13 em mais de um momento do texto.

Retomando os pontos de divergência entre a seleção de textos realizada pelos docentes formadores e as orientações presentes nas ementas, podemos perceber que o curso de Produção de Texto em Espanhol tem como foco a produção de diferentes gêneros, tanto orais quanto escritos. A categorização dos textos referentes a essa disciplina revela, entretanto, a presença de gêneros estritamente escritos, o que indicia que, mesmo na habilitação em língua estrangeira, a oralidade é por vezes desconsiderada em detrimento da escrita na medida em que os professores formadores parecem trabalhar majoritariamente a produção e a compreensão de textos escritos.

trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela e, em segundo lugar, para desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes. Isso implica uma transformação, pelo menos parcial, do gênero para que estes objetivos sejam atingidos e atingíveis com o máximo de eficácia: simplificação do gênero, ênfase em certas dimensões etc.”. Dessa maneira, temos, no contexto escolar, uma redução dos gêneros, que não são produzidos nem circulam da mesma forma como ocorre em outros espaços.

13Tal conceito é discutido por Pimenta (1996), para quem o professor-pesquisador ou professor reflexivo é um

profissional em um processo contínuo de formação intelectual. A autora ainda afirma que a “formação passa

sempre pela mobilização de vários tipos de saberes: saberes de uma prática reflexiva, saberes de uma teoria

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 57-61)

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