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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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Academic year: 2018

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol:

discursos e concepções teórico-práticas

Elíria Quaresma Fugazza

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Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol: discursos e

concepções teórico-práticas

Elíria Quaresma Fugazza

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos)

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

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Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol: discursos e concepções teórico-práticas

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos).

Examinada por:

_______________________________________________________

Presidente, Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior – PPGLEN, UFRJ

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Danielle de Almeida Menezes – UFRJ

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Dayala Paiva de Medeiros Vargens – UFF

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Crelia Penha Dias – UFRJ, Suplente

______________________________________________________ Prof. Dr. William Soares dos Santos – UFRJ, Suplente

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Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu?

Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Antonio Andrade, cuja dedicação incansável à formação de professores tem me inspirado, desde a graduação, a seguir a carreira docente, contribuindo, cada dia mais, para o meu crescimento profissional e acadêmico.

Além disso, agradeço aos professores Marcos Pasche, Wilma Dexheimer, Mercedes Sebold e Silvia Cárcamo, por me acompanharem em diferentes momentos da minha trajetória como aprendiz e como profissional da área de Letras.

Quero agradecer à Priscila, amiga com quem dividi boa parte das experiências da graduação, pela sua valiosa amizade.

Não posso deixar de agradecer às minhas queridas amigas Carolina Gandra, Renata Rocha e Carolina Ecard, com quem tenho dividido momentos de alegria e de dificuldade desde o nosso ingresso como monitoras do projeto CLAC.

Sou grata também aos monitores, funcionários e alunos do projeto CLAC, que sempre me acolheram com carinho e generosidade.

Agradeço aos companheiros de Mestrado, Priscila Marinho, Júlia Pelajo, Jorge Luís Rocha, Imara Silva, Cristina Lopes e Patricia Araujo, com quem pude compartilhar aprendizagens e aflições no decorrer das disciplinas que cursamos juntos. Agradeço ainda à Anne Katherine, que vem acompanhando minha atuação profissional e acadêmica desde o nosso ingresso como instrutoras do Pré-vestibular Social do CEDERJ, e ao Felipe Diogo, pelo espírito alegre e pelo convívio desde o primeiro período da graduação.

Agradeço aos professores Roberto Dias, Cinara Cortez e Alessandra González, por contribuírem para o meu crescimento na profissão docente, e a Valquíria Maciel, pela amizade sincera.

Agradeço aos professores e licenciandos que compartilharam suas visões de mundo, suas esperanças e suas angústias nas entrevistas que fazem parte do corpus desta pesquisa.

Quero agradecer também aos professores Mário Martelotta, Luís Palladino, Marta Alckmin, Jorge Fernandes, Vera Paredes, Ary Pimentel, Eline Rezende, Juliana Marins, Consuelo Alfaro, Maria Lúcia Leitão e Elena Palmero, por fazerem a diferença na minha formação acadêmica e profissional.

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ainda às professoras Danielle de Almeida Menezes, Dayala Vargens, Ana Crelia Dias e ao professor William dos Santos Soares, que aceitaram gentilmente o convite para participar da minha defesa.

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RESUMO

FORMAÇÕES LINGUÍSTICA E LITERÁRIA NA LICENCIATURA EM LETRAS ESPANHOL: DISCURSOS E CONCEPÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

O nosso objetivo principal é demonstrar de que maneira se produzem movimentos de separação, e/ou diálogo, entre as formações em língua e em literatura oferecidas aos graduandos do curso de licenciatura em Letras Português/Espanhol de uma universidade pública do Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, analisamos o seguinte corpus: a) quatro dos textos teóricos que compõem a bibliografia das disciplinas de Literatura Espanhola II e de Produção de Texto em Espanhol; e b) entrevistas semiestruturadas com duas professoras universitárias (uma de língua espanhola e uma de literaturas hispânicas), dois professores de Espanhol como Língua Estrangeira atuantes na Educação Básica (um com formação em nível de pós-graduação na área de estudos linguísticos e um na de estudos literários) e dois licenciandos (um que se aproxima mais a projetos desenvolvidos na área de língua e a outra, a projetos desenvolvidos na área de literatura). Além disso, catalogamos os textos disponibilizados aos alunos da licenciatura nas disciplinas de língua espanhola e de literaturas hispânicas através de pastas em fotocopiadoras ou pela Internet, chegando a um total de 122 textos, dentre os quais 96 correspondem às disciplinas de literaturas e 26, às disciplinas de língua. Com referencial teórico advindo da Análise do Discurso (BAKHTIN, 2003; AUTHIER-REVUZ, 2004; MAINGUENEAU, 2013; FOUCAULT, 2014; DAHER et al., 2004; ARFUCH, 2010), examinamos as marcas da enunciação e da heterogeneidade presentes nos discursos dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. As análises das entrevistas e dos textos teóricos indiciam tensões e imbricações entre formações discursivas cientificistas e formações discursivas não cientificistas, percebendo-se assim, na licenciatura em Letras Espanhol, um movimento simultâneo de reprodução da cisão língua vs. literatura e de diálogo entre esses campos epistemológicos.

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RESUMEN

FORMACIONES LINGÜÍSTICA Y LITERARIA EN EL PROFESORADO EN LETRAS ESPAÑOL: DISCURSOS Y CONCEPCIONES TEÓRICO-PRÁCTICAS

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Nuestro objetivo principal es demostrar de qué manera se producen movimientos de separación, y/o diálogo, entre las formaciones en lengua y en literatura ofrecidas a los alumnos del curso de profesorado en Letras Portugués/Español de una universidad pública del Estado de Río de Janeiro. Para tanto, analizamos el siguiente corpus: a) cuatro de los textos teóricos que componen la bibliografía de las disciplinas de “Literatura Espanhola II” y de “Produção de Texto em Espanhol”; y b) entrevistas semiestructuradas con dos profesoras universitarias (una de lengua española y una de literaturas hispánicas), dos professores de Español como Lengua Extranjera que actúan en la Enseñanza Básica (uno con formación a nível de postgrado en el área de estudios lingüísticos y uno en el área de estudios literarios) y dos alunos del profesorado (uno que se acerca más a proyectos desarrollados en el área de lengua y la otra, a proyectos desarrollados en el área de literatura). Además, catalogamos los textos disponibles a los alumnos del profesorado en las disciplinas de lengua española y de literaturas hispánicas a través de carpetas en fotocopiadoras o por Internet, llegando a un total de 122 textos, de los que 96 corresponden a las asignaturas de literaturas y 26, a las de lengua. Con el aporte teórico del Análisis del Discurso (BAKHTIN, 2003; AUTHIER-REVUZ, 2004; MAINGUENEAU, 2013; FOUCAULT, 2014; DAHER et al., 2004; ARFUCH, 2010), examinamos las marcas de la enunciación y de la heterogeneidad presentes en los discursos de los sujetos involucrados en esta investigación. Los análisis de las entrevistas y de los textos teóricos indician tensiones e imbricaciones entre formaciones discursivas cientificistas y formaciones discursivas no cientificistas, percibiéndose así, en el profesorado en Letras Español, un movimiento simultáneo de reproducción de la cisión lengua vs. literatura y de diálogo entre estos campos epistemológicos.

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ABSTRACT

LINGUISTIC AND LITERARY TEACHER TRAINING IN BACHELOR IN EDUCATION DEGREE (SPANISH LANGUAGE): SPEECHES AND

THEORETICAL-PRACTICAL CONCEPTIONS

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Our main goal is to demonstrate the movements of separation, and/or dialogue, between the academic training in language and literature offered to the students of Language courses of Portuguese/Spanish at a public university in the State of Rio de Janeiro. Therefore, we analyze the following data: a) four of the theoretical texts that compose the bibliography of the disciplines of “Literatura Espanhola II” and “Produção de Texto em Espanhol”; and b) semi-structured interviews with two university professors (one of Spanish language and one of Hispanic literature), two Spanish as foreign language teachers (one postgraduated in the field of linguistic studies and one postgraduated in the field of literary studies) and two university students (one who approaches projects developed in the field of language and one who approaches projects developed in the field of literature). In addition, we catalogued the texts offered to the university students in the disciplines of Spanish language and Hispanic literature through folders at phocopier’s shops or via Internet, getting to the whole of 122 texts, of which 96 correspond to the disciplines of literature and 26 to the disciplines of language. With theoretical basis provided by Discourse Analysis (BAKHTIN, 2003; AUTHIER-REVUZ, 2004; MAINGUENEAU, 2013; FOUCAULT, 2014; DAHER et al., 2004; ARFUCH, 2010), we examined the cues of enunciation and the heterogeneity in the speech of the subjects involved in this research. The analysis of the interviews and the theoretical texts indicates tensions and interdependence between scientific discursive formations and non scientific discursive formations, so that we perceive, in the graduation in Spanish (foreign language), a simultaneous movement of reproduction of the dichotomy language vs. literature and dialogue between these epistemological fields.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……….. 14

1 LÍNGUA E LITERATURA: DISPUTAS DISCURSIVAS NOS CONTEXTOS DE FORMAÇÃO DOCENTE……… 18 1.1 Concepções de língua e sujeito……….. 18

1.2 Relação língua/literatura...……….. 22

1.3 Currículo e interdisciplinaridade………. 32

2 GÊNEROS ACADÊMICOS E ENTREVISTAS: ASPECTOS METODOLÓGICOS………. 40 2.1 Sobre as instituições e os sujeitos ………... 42

2.2 Gênero e interdiscurso...………. 43

2.3 Os textos teóricos, as entrevistas e as formações discursivas... 45

2.3.1 O ensaio e o artigo acadêmico………. 45

2.3.2 Uma perspectiva discursiva do gênero entrevista……… 47

3 CATEGORIZAÇÃO DE TEXTOS DA LICENCIATURA: GÊNEROS E FINALIDADES………...………... 52 3.1 Textos de língua e de literatura……...………. 52

3.2 Ementas e diretrizes curriculares………. 57

4 TEXTOS TEÓRICOS: HETEROGENEIDADE E DISPUTAS DISCURSIVAS………... 61 4.1 Textos de literatura: confluência entre o campo literário e outras esferas.. 61

4.2 Textos de língua: políticas linguísticas, pan-hispanismo e línguas vernáculas……… 67 5 ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS FORMADORAS: CONTROLE E POLISSEMIA………. 73 6 ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: TESTAGEM E ETHOS PROFISSIONAL……….. 85 7 ENTREVISTAS COM OS LICENCIANDOS: ESPAÇOS DE PRESCRIÇÃO E PENSAMENTO ORGÂNICO………... 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS……… 102

REFERÊNCIAS………... 107

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ANEXO 1……… 115

ANEXO 2……… 116

ANEXO 3……… 122

ANEXO 4……… 126

ANEXO 5……… 139

ANEXO 6……… 149

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INTRODUÇÃO

Ao longo da licenciatura em Letras Espanhol, pude perceber a falta de diálogo entre os saberes referentes à língua e à literatura que pode levar os licenciandos a reproduzirem a falsa dicotomia1 que tradicionalmente se estabelece entre ambos os campos epistemológicos. Nesse

sentido, investigo, na presente pesquisa, o modo como se estabelecem as relações entre as formações linguística e literária de licenciandos de Espanhol em uma instituição pública de Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro.

O interesse pela problemática em questão me levou a desenvolver, como bolsista de Iniciação Científica, um trabalho a respeito do processo de letramento literário no contexto da formação docente, pesquisa esta realizada ao longo de 2012 e 2013.

Partindo do levantamento de dados realizado no PIBIC, considerou-se que existe uma relação insuficiente entre os saberes e áreas do conhecimento que constituem as licenciaturas em Letras de duas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro. No mencionado levantamento, pesquisei a formação literária dos licenciandos em Letras e, a partir das entrevistas analisadas (realizadas com uma professora universitária, uma licencianda e um professor da Educação Básica), foi possível perceber discursos que apontavam para a falta de diálogo entre os estudos de linguagem e de literatura na formação de professores de Espanhol.

O corpus gerado e coletado no PIBIC, portanto, constitui-se como um ponto de partida para este trabalho acerca da relação entre as formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol. É relevante explicitar, a respeito da nomenclatura que utilizo para o curso de licenciatura em questão, que a universidade pesquisada oferece habilitação dupla, ou seja, tanto em língua materna quanto em língua estrangeira (Espanhol, especificamente). Entretanto, meu foco aqui é a formação em língua espanhola e em literaturas hispânicas, por isso opto pelo termo Letras Espanhol, e não por Letras – Português/Espanhol.

A partir das discussões fomentadas anteriormente, levanto o seguinte questionamento, o qual norteará nossa pesquisa: em que medida é possível associar aos discursos em torno da formação linguística uma formação discursiva cientificista e aos discursos em torno da formação literária uma formação discursiva não cientificista?

Tomo como hipótese a premissa de que é possível associar diferentes processos históricos aos discursos em torno das formações linguística e literária na medida em que estudos de Linguística e de Literatura na licenciatura em Letras Espanhol implicam, na

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maioria das vezes, concepções diferenciadas de sujeito e de linguagem.

É importante ressaltar que a noção de formação discursiva cientificista aqui discutida parte de determinados pressupostos hegemônicos em torno da concepção de ciência. Hilton Japiassu, na obra O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia, advoga pela aproximação entre os dois grandes territórios do saber, isto é, as ciências naturais e as ciências humanas. Segundo o autor, o que é verdadeiro destas

também se verifica nas ciências da vida ou nas da matéria, onde os progressos da observação e da experiência deslocam e renovam incessantemente o campo da pesquisa. Evoquemos apenas o inventário das ciências biológicas (fisiologia, sociobiologia, bioenergética, psicobiologia etc.) ou o das ciências físicas (geofísica, biofísica, física dos sólidos etc.). Tudo se passa como se, no interior de seu ferrenho fechamento tradicional, o domínio da pesquisa se revelasse bastante móvel, extremamente complexo e estranhamente descontínuo. (JAPIASSU, 2006, p. 51)

Podemos perceber, a partir das considerações de Japiassu, que mobilidade, complexidade e descontinuidade não são características apenas das ciências humanas, mas atravessam igualmente as ciências naturais. O que diferenciaria ambos os territórios, a nosso ver, seria o trabalho realizado pelas humanidades no que diz respeito à formação intelectual humanística dos sujeitos, o que se liga, por sua vez, ao que denominamos nesta pesquisa como não cientificismo. Nesse sentido, Marcuschi (2004, p. 13) afirma que “intelectual não é mais aquele que apenas domina um conhecimento, mas aquele que também constrói e até subverteo conhecimento”. O autor advoga, assim, por uma relação mais intensa entre teoria e ética e entre o racional e o emocional, o que poderia se constituir a partir da imbricação de diferentes formações discursivas.

Assumimos como objetivo geral deste trabalho demonstrar de que maneira se produzem movimentos de separação, e/ou diálogo, no âmbito das instituições acadêmicas, entre as formações em língua e literatura oferecidas aos licenciandos de Língua Espanhola da universidade investigada.

Tais questões ligam-se aos seguintes objetivos específicos:

- revisar fontes teóricas da Análise do Discurso de linha francesa com vistas a delimitar e aprofundar conceitos produtivos para o exame das relações entre discurso, letramento acadêmico e formação de professores;

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atualidade;

- examinar pressupostos relacionados à concepção da entrevista enquanto gênero discursivo, com o propósito de analisar a heterogeneidade e as disputas discursivas que atravessam as falas dos sujeitos entrevistados.

Para tal, baseio-me no quadro teórico da Análise do Discurso (BAKHTIN, 2003, 2006[1929]; AUTHIER-REVUZ, 2004, 2011; MAINGUENEAU, 2000, 2012, 2013; FOUCAULT, 2012[1971], 2013[1975], 2014[1969], 2014b[1976]), a fim de encontrar as marcas da enunciação e da heterogeneidade enunciativa presentes nos discursos dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. Apoiamo-nos também na teoria dos campos de Bourdieu (1976, 2002[1966], 2007[1974], 2011[1984]), na concepção de letramento acadêmico de Lillis (2003), nas concepções de correntes teórico-literárias de Eagleton (2006), no compêndio de correntes e linhas da Linguístia de Martelotta (2008) e nas teorias do currículo de Gimeno Sacristán (2000) e de Lopes (2008). Além dos pressupostos já mencionados, acrescente-se a concepção da entrevista como um gênero que se constrói na interação entre sujeitos situados e atravessados por diferentes memórias discursivas (DAHER et al., 2004; ARFUCH, 2010; CAMPOS, 2013).

Apresento, no primeiro capítulo, conceitos importantes referentes à Análise do Discurso, tais como as concepções de enunciado, de dialogismo e de formação discursiva. Ainda nesse capítulo, traço um breve histórico da cisão entre os campos epistemológicos relacionados à língua e à literatura. Por fim, discuto determinados preceitos acerca da questão do currículo, além de refletir sobre os discursos em torno da interdisciplinaridade, considerando, a partir dessa abordagem, a possibilidade de aproximação dos saberes linguísticos e literários.

No segundo capítulo, explicito os procedimentos metodológicos adotados para a análise do corpus, além de apresentar os meios de geração e coleta dos dados a serem analisados. Apresento, por fim, uma discussão acerca dos gêneros a que pertencem os textos que analiso, isto é, ensaio, artigo acadêmico e entrevista.

Abordo, no terceiro capítulo, a categorização que realizei dos textos oferecidos aos licenciandos em Letras Espanhol por meio de pastas em fotocopiadoras ou pela Internet. Inicialmente, apresento um quantitativo dos textos coletados e, por fim, verifico em que medida a seleção de tais textos realizada pelos professores formadores dialoga com as orientações presentes nas ementas das disciplinas em questão e em determinados documentos que legislam sobre a reforma das licenciaturas.

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analiso, no capítulo 4, textos teóricos que compõem a bibliografia de cursos ministrados pelas professoras universitárias entrevistadas, buscando compreender as concepções de linguagem e de sujeito que os atravessam; nos capítulos 5, 6 e 7, respectivamente, analiso entrevistas realizadas com duas professoras formadoras (uma de língua espanhola e uma de literaturas hispânicas), com dois professores da Educação Básica (um com formação em nível de pós-graduação na área de estudos linguísticos e um na de estudos literários) e com dois licenciandos (um que se aproxima mais a projetos desenvolvidos na área de língua e a outra, a projetos desenvolvidos na área de literatura), a fim de verificar as tensões e/ou imbricações entre as formações discursivas cientificista e não cientificista. É importante ressaltar ainda que a escolha dos sujeitos entrevistados foi motivada pela noção de que os espaços de formação dos futuros docentes de língua espanhola não se resumem à Universidade, mas se estendem ao campo de estágio, lugar em que se tem um contato direto com a prática profissional.

Considero, desse modo, que a compreensão das práticas e discursividades relacionadas aos cursos de licenciatura em Letras Espanhol é imprescindível para o estabelecimento de um diálogo mais profundo entre os saberes acadêmicos e a Educação Básica, tal como proposto por Candau & Moreira (2007, p. 37), que advogam pela relação entre os conteúdos curriculares, as experiências dos(as) estudantes e o mundo concreto, de modo a “desafiar a suposta neutralidade cultural da ciência”, visibilizando assim os processos de construção histórica do conhecimento. Com isso, faz-se necessária a desconstrução de diferentes dicotomias que ainda têm espaço no âmbito acadêmico e, consequentemente, em outros espaços educacionais.

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1 LÍNGUA E LITERATURA: DISPUTAS DISCURSIVAS NOS CONTEXTOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

Neste capítulo abordaremos o caráter dialógico e heterogêneo da língua e do discurso, bem como a natureza fragmentada e contraditória dos sujeitos e sentidos. Além disso, contemplaremos os movimentos de aproximação e/ou cisão entre os campos epistemológicos relacionados à língua e à literatura, considerando a história dos processos de separação de ambos os saberes nos contextos de formação docente. Por fim, refletiremos acerca dos discursos em torno da interdisciplinaridade – que pode propiciar a produção e a aproximação de conhecimentos relacionados aos estudos linguísticos e literários –, procurando compreender as condições de produção e de circulação de tais discursos.

1.1Concepções de língua e sujeito

De acordo com Mikhail Bakhtin (2006, p. 130), “a língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores”. O autor ainda afirma que o espaço semiótico e o “papel contínuo da comunicação social como fator condicionante não aparecem em nenhum lugar de maneira mais clara e completa do que na linguagem” (idem, p. 34) e considera, dentro do enfoque discursivo, a palavra enquanto signo social que acompanha toda criação ideológica.

Em seu clássico ensaio sobre os gêneros discursivos, Bakhtin (2003, p. 298) defende que o enunciado é constituído por tonalidades dialógicas, já que “nasce e se forma no processo de interação e luta com os pensamentos dos outros, e isso não pode deixar de encontrar o seu reflexo também nas formas de expressão verbalizada do nosso pensamento”. Dessa maneira, o próprio objeto do discurso dos sujeitos torna-se um palco de encontro com opiniões de coenunciadores (imediatos ou não) ou com pontos de vista, visões de mundo, teorias etc. Isso refere-se à atitude responsiva que o sujeito assume diante de outro(s) discurso(s), visto que todo enunciado responde “de uma forma ou de outra aos enunciados do outro que o antecederam” (idem, p. 300).

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outros enunciados, seja corroborando-os ou opondo-se a eles.

A autora ainda retoma as ideias de Bakhtin para defender que “o dialogismo é dado como condiçãode constituição do sentido” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 36), o que significa dizer que o sentido e a compreensão se formam necessariamente no e pelo entrecruzamento de discursos. Nesse sentido, compreender é posicionar-se ativamente em relação a um determinado discurso, pois a compreensão é concebida como um contradiscurso.

Para a autora, todo discurso é constitutivamente heterogêneo e esta heterogeneidade pode ser mostrada ou não-mostrada. Em seu artigo “Dizer ao outro no já-dito: interferências de alteridades – interlocutiva e interdiscursiva – no coração do dizer”, Authier-Revuz (2011, p. 7) define a heterogeneidade mostrada como o plano no qual o dizer, pelas formas observáveis, dá lugar nele mesmo ao interdiscurso e à interlocução. Já a heterogeneidade não-mostrada refere-se ao modo como a produção do dizer é constitutivamente formada na relação com o outro.

Na obra Bakhtin: outros conceitos-chave, Fiorin (2006, p. 191) define o interdiscurso como “qualquer relação dialógica entre enunciados”, e tal relação determina o próprio funcionamento discursivo na medida em que todo enunciado se dá no bojo de um interdiscurso, pois mobiliza outros enunciados. O sujeito, portanto, produz seu dizer no e pelo entrecruzamento de discursos prévios, embora não tenha consciência desse processo enunciativo.

De modo semelhante, Dominique Maingueneau (2013, p. 60) afirma que toda enunciação é perpassada por uma interatividade constitutiva, ou seja, é dialógica, pois “é uma troca, explícita ou implícita, com outros enunciadores, virtuais ou reais, e supõe sempre a presença de uma outra instância de enunciação à qual se dirige o enunciador e com relação à qual constrói seu próprio discurso”.

O pensamento de Bakhtin é relevante na medida em que o autor reflete principalmente acerca do nível do enunciado, levando em conta as condições de produção na abordagem de um determinado texto. Para ele, “cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 272). Desse modo, é preciso considerar, no tratamento dos textos, as estruturas linguísticas enquanto elementos dependentes do contexto extratextual que se coadunam para formar os enunciados. Estes, por sua vez, têm uma relação direta com a realidade de que são produto e produtores, simultaneamente.

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discurso – todos os discursos – na sociedade e, consequentemente, a ação humana”, o que significa dizer que é no fio do discurso que as atividades humanas são construídas e transformadas.

Partindo igualmente de uma perspectiva discursiva, Roxane Rojo (2005) revê o pensamento do Círculo de Bakhtin acerca dos gêneros. A autora afirma que as teorias de gênero – de textos/do discurso – têm recebido grande atenção no Brasil, especialmente no campo da linguística aplicada ao ensino de línguas. No entanto, a autora defende que os estudos sobre gênero e enunciação deveriam receber um tratamento mais dialógico, “de tal maneira que a noção bakhtiniana de gênero do discurso seja colocada, de uma vez por todas, como um objeto discursivo ou enunciativo” (idem, p. 196), o que está relacionado à importância de se considerar os gêneros como produtores e transformadores das diversas atividades sociais, bem como o discurso como uma arena de lutas e disputas em torno da hegemonia. É imprescindível nesta pesquisa, portanto, que se analisem dialogicamente as marcas da enunciação e da heterogeneidade enunciativa presentes na formação dos futuros docentes de Espanhol como língua estrangeira.

Rojo (2004) ainda aponta para a importância da interdiscursividade nas práticas de letramento. A autora afirma que ler na vida, e como uma atividade cidadã, significa colocar o texto em relação com outros textos e discursos que podem ser anteriores a ele, podem estar emaranhados nele ou até mesmo ser posteriores a ele.

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deve ser anulada pela legitimidade dos saberes acadêmicos.

Considerando-se tais questões, é interessante abordar a noção de conhecimento pluriversitário, postulada por Boaventura Santos (2008), que se constitui como um saber

contextual na medida em que o princípio organizador da sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada. Como essa aplicação ocorre extra-muros, a iniciativa da formulação dos problemas que se pretende resolver e a determinação dos critérios da relevância destes é o resultado de uma partilha entre pesquisadores e utilizadores. É um conhecimento transdisciplinar que, pela sua própria contextualização, obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais heterogéneo e mais adequado a ser produzido em sistemas abertos menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica. Todas as distinções em que assenta o conhecimento universitário são postas em causa pelo conhecimento pluriversitário e, no fundo, é a própria relação entre ciência e sociedade que está em causa. A sociedade deixa de ser um objecto das interpelações da ciência para ser ela própria sujeita de interpelações à ciência. (BOAVENTURA SANTOS, op. cit., p. 41-42)

O saber pluriversitário, na visão do autor, seria assim mais amplo que o conhecimento estritamente universitário, que é predominantemente disciplinar, homogêneo e hierarquicamente organizado, uma vez que a cultura científica é compartilhada pelos pesquisadores “segundo hierarquias organizacionais bem definidas” (idem, p. 40).

Contudo, retomando a temática do letramento, consideramos que as diretrizem que orientam os processos formativos fundamenta os mais diversos contextos institucionais, inclusive o acadêmico, mantendo uma relação intrínseca com o poder e com a autoridade. Por isso, consideramos que a questão central que está em jogo na formação docente é a configuração da licenciatura enquanto espaço que propicia ao licenciando a sua própria constituição como sujeito do discurso. Além disso, tal produção da identidade do professor, entendida como processo de subjetivação, se dá não apenas pela relação com os discursos humanísticos e pela relação com a prática docente, mas também pela relação com os discursos científicos.

Nesse sentido, Maria José Coracini (1990) problematiza a relação com a linguagem que se estabelece a partir da leitura ao afirmar que todo recurso de expressão linguística é constituído por uma subjetividade discursiva, inclusive o discurso científico. A autora, portanto, defende que é preciso

criar condições para que o aluno não faça uma leitura ingênua do texto científico, isto é, que não se deixe envolver pelas estratégias manipulatórias da linguagem, que conferem ao texto a aparência de objetividade e imparcialidade, a serviço de uma

concepção igualmente objetiva das “descobertas” científicas, mas seja capaz de

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Percebe-se, desse modo, a importância de se complexificar as concepções de língua e de sujeito para que se tenha um olhar mais crítico em relação às condições de produção dos diversos discursos e textos, de caráter cientificista ou não cientificista, que circulam no ambiente universitário. Adotamos na presente pesquisa, portanto, uma concepção dialógica da linguagem e do discurso, o que implica uma contemplação das disputas discursivas, tensões e lutas entre os participantes da enunciação, abordagem esta que contribui para a compreensão do processo de hegemonização dos significados, uma vez que os discursos que circulam nos contextos em que se dá a formação docente implicam concepções diferentes de sujeito e de linguagem.

1.2Relação língua/literatura

O processo de inserção na esfera acadêmica, que constitui o nosso objeto de pesquisa – além do mais, mediado por uma língua estrangeira –, produz deslocamentos discursivos e subjetivos. No artigo “Formações discursivas e processos identificatórios na aquisição de línguas”, Silvana Serrani (1997) indica a importância do estudo do desafio subjetivo que a aquisição de uma língua estrangeira representa para o enunciador. Tal desafio se apresenta também na necessidade que os sujeitos têm de articular os diversos domínios discursivos em uma língua estrangeira. Segundo a autora, o sujeito da enunciação deve inscrever-se em discursividades da L2, bem como lidar com o estranhamento, principalmente de si mesmo, estabelecido no ensino/aprendizagem formal de uma língua estrangeira, e com as novas possibilidades de atribuição de sentido. Serrani afirma, portanto, que questões como objetivos de cursos (inclusive de formação de professores), motivações e interesses explícitos dos alunos estão subordinadas às noções de formação discursiva (doravante FD) e de interdiscurso. Para a autora, tais formações determinam o que pode ou não ser dito, configurando-se como condensações de regularidades enunciativas da produção de sentidos no e pelo discurso.

O conceito de formação discursiva tem, portanto, relevância para a compreensão do processo de produção dos enunciados e dos sentidos. No pensamento foucaultiano, tal conceito relaciona-se às “condições de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva” (FOUCAULT, 2014a, p. 47).

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desejante no contexto atual, em que ainda se sustentam formações ideológicas em relação à ilusão de completude, considerando que o processo de enunciar significativamente em língua estrangeira está “estreitamente ligado a inscrições identificatórias na discursividade da língua alvo”, além de criticar a visão segundo a qual a língua preexiste ao discurso.

De modo semelhante, Eni Orlandi (2000, p. 52) afirma que “a condição da linguagem é a incompletude”, já que os sujeitos e os sentidos funcionam e se constituem a partir da falta, da contradição e da imbricação. É importante ressaltar que essa incompletude deveria levar à abertura do campo acadêmico a diferentes relações e não ao seu engessamento.

A respeito das relações de imbricação em que se constitui o sentido, Orlandi (2000, p. 36) afirma que toda construção do significado se dá a partir da tensão entre processos parafrásticos e processos polissêmicos: a paráfrase representa “o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco”. Nesse sentido, a autora faz a distinção entre três modos de funcionamento do discurso: a) o discurso autoritário, no qual a polissemia é contida; b) o discurso polêmico, em que a polissemia é controlada; e c) o discurso lúdico, no qual a polissemia está aberta. Orlandi ainda afirma que em nossa sociedade o discurso autoritário tende a predominar, o lúdico se dá nas margens das práticas sociais e o discurso polêmico configura-se como um enfretamento.

Na obra Discurso e leitura, em que se discute a respeito da leitura como a condição básica do trabalho intelectual, a autora afirma que a Universidade estaria inserida em um circuito no qual se tomaria a leitura em seu caráter técnico imediato, “apenas em termos de estratégias, e de relações pedagógicas marcadas por um exagerado imediatismo” (ORLANDI, 2012, p. 38), o que corrobora a rigidez das relações acadêmicas. A partir das considerações de Orlandi, portanto, acreditamos que as instituições de Ensino Superior devem se constituir como espaços fomentadores do discurso polêmico, a partir do qual se consolidam práticas de resistência e de abertura dos sentidos.

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conhecimento consistente de teorias importantes dos estudos da linguagem, tais como os conceitos de letramento, gêneros discursivos, teorias da leitura, entre tantas outras.

O trabalho com as literaturas nos cursos de Letras, por sua vez, parece, de maneira semelhante, não ser realizado de modo significativo. Costa et al. (2011), a partir da análise de ementas de disciplinas de teoria literária e literaturas brasileira e portuguesa de uma universidade estadual situada no Norte do Brasil, verificam, por exemplo, um tradicionalismo da periodização literária ao longo de toda a grade curricular, o que indiciaria a falta de reconhecimento da relação entre literatura e cultura.

Tais questões se ligam, de certo modo, à maneira como se dá a formação intelectual dos futuros docentes de língua estrangeira. Nesse sentido, Marcuschi (2004), a partir da análise de textos produzidos por pós-graduandos da área de Letras, aponta para a legitimação atribuída por esses sujeitos aos conteúdos, que nem sempre dialogam com as reais demandas do professor de línguas, em detrimento da reflexão crítica. O autor defende, em contrapartida, uma formação que gere modelos de análise e interpretação crítica, isto é, pautada na “autonomia para a busca de caminhos e na percepção do que é relevante” (idem, p. 15) ao invés de propiciar a mera apropriação de conteúdos. Além disso, concordamos com o preceito de que a formação intelectual dos futuros professores de línguas “deveria ser dotada de sensibilidade para as manifestações linguísticas em todas as suas extensões – artística, estética, científica, filosófica etc. (...)” (idem, p. 13).

No que concerne ao contexto europeu, de cujo modelo a formação em Letras no Brasil é herdeira, Bourdieu (2011a) situa a faculdade de Letras ao mesmo tempo no campo científico e no campo intelectual. O sociólogo a caracteriza como o lugar de poderes propriamente sociais que participam das estruturas mais fundamentais da ordem social e afirma que

ela se divide segundo o próprio princípio por meio do qual se organiza o espaço das faculdades em seu conjunto: a oposição entre os agentes e as instituições voltados principalmente para a pesquisa e as apostas científicas ou para o campo intelectual e as apostas propriamente culturais, e os que são orientados mais para a reprodução da ordem cultural e do corpo dos reprodutores e para os interesses associados ao exercício de um poder temporal na ordem cultural. (BOURDIEU, op. cit., p. 104)

Nesse sentido, o sociólogo situa a faculdade de Letras tanto no campo científico quanto no campo intelectual em razão de, por um lado, ela ser o lugar de poderes que participam das estruturas mais essenciais da ordem social e, por outro, ter a notoriedade intelectual como a única espécie de capital que verdadeiramente lhe pertence.

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interior de um macrocosmo social”. Um campo, portanto, é autônomo por ter sua própria lei e por ter em si mesmo a regra e o princípio de seu funcionamento, pressupondo uma competência específica, bem como uma espécie particular de capital. Além disso, o sociólogo afirma que “um campo é um campo de forças, e um campo de lutas para transformar as relações de forças” (idem, p. 9). Por conseguinte, as condutas dos agentes de um determinado campo são definidas por sua posição na estrutura da relação de forças e de lutas característica desse campo num certo momento.

É importante, a partir de tais considerações, explicitar os desdobramentos que os conceitos de campo científico e de campo intelectual possuem no pensamento de Bourdieu, para quem o campo intelectual “constituye un sistema de líneas de fuerza: esto es, los agentes o sistemas de agentes que forman parte de él pueden describirse como fuerzas que, al surgir se oponen y se agregan, confiriéndole su estructura específica en un momento dado del tiempo” (BOURDIEU, 2002, p. 9). O autor defende que o movimento romântico do século XIX, decorrente da industrialização das sociedades europeias, propiciou o fortalecimento de um mercado artístico, cuja produção específica passou a ser submetida às mesmas condições que a produção em geral.

Em relação ao campo científico, Bourdieu (1976) o define como o lugar de uma

lutte de concurrence qui a pour enjeu spécifique le monopole de l'autorité

scientifique inséparablement définie comme capacité technique et comme pouvoir social, ou si l'on préfère, le monopole de la compétence scientifique, entendue au sens de capacité de parler et d'agir légitimement (c'est-à-dire de manière autorisée et avec autorité) en matière de science, qui est socialement reconnue à un agent déterminé.2 (BOURDIEU, op.cit., p. 89)

Caracterizar o campo científico como um lugar de lutas, portanto, implica a ruptura da imagem pacífica de “comunidade científica”. Além disso, o sociólogo defende que cada um dos agentes se compromete com a imposição do valor de seus produtos e da sua própria autoridade enquanto um produtor legitimado, o que leva ao desafio de se impor a definição de ciência.

A tensão que se verifica no contexto da formação docente em Letras Espanhol não se dá apenas entre os campos linguístico e literário. Em relação à linguística, que adquiriu status científico com a publicação do Curso de linguística geral de Saussure em 1916 (cf.

2 “(...) luta competitiva que tem por desafio específico o monopólio da autoridade científica, inseparavelmente definida como capacidade técnica e como poder social, ou se se preferir, o monopólio da competência científica, entendida no sentido de falar e intervir legitimamente (ou seja, de maneira autorizada

e com autoridade) em matéria de ciência, que é socialmente atribuída a um agente determinado.” (Tradução

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MARTELOTTA et al., 2008, p. 22), Bourdieu (2011a, p. 163) afirma que “as tomadas de posição em matéria de teoria, de método, de técnica e até mesmo de estilo são sempre estratégias sociais em que os poderes se afirmam e são reivindicados”. As linhas da linguística, portanto, divergem entre si por deterem técnicas e métodos específicos, que, por sua vez, encetam diferentes concepções de língua. O estruturalismo norte-americano, vigente na primeira década do século XX, por exemplo, restringia-se “à classificação dos segmentos que aparecem nos enunciados do corpus e à identificação das leis de combinação de tais segmentos” (MARTELOTTA et al., op. cit., p. 125). Já a linguística gerativa “propõe-se a analisar a linguagem humana de uma forma matemática e abstrata (formal), que se afasta bastante do trabalho empírico da gramática tradicional, da linguística estrutural e da sociolinguística, e se aproxima da linha interdisciplinar de estudos da mente humana conhecida como ciências cognitivas” (idem, p. 130). Como mais um exemplo, podemos mencionar a sociolinguística, que “estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística” (idem, p. 141).

Por outro lado, no campo literário, ao invés de disputas discursivas entre as diversas linhas teóricas, percebe-se um maior apagamento nas fronteiras entre as diferentes perspectivas teórico-críticas, o que o estudioso da literatura Terry Eagleton (2006, p. 299) constata ao afirmar que “os críticos que se ufanam de seu pluralismo geralmente podem fazê -lo porque os diferentes métodos que usam não são, afinal, tão diferentes assim”. Para o autor, tal pluralismo teórico muitas vezes pretende revelar uma posição intermediária de determinados sujeitos, que tentam harmonizar pontos de vista conflitantes em um consenso, ignorando que isto “implica uma rejeição da verdade de que certos conflitos só podem ser resolvidos unilateralmente” (idem, p. 300). Isso se liga à necessidade de que se assumam os diferentes posicionamentos teóricos, admitindo-se assim as tensões e disputas entre as distintas concepções que atravessam os estudos literários.

No que diz respeito à relação histórica entre estudos literários e linguísticos, Maingueneau (2012, p. 16) afirma que a filologia, cujo corpus de referência era/é constituído por textos literários, foi perdendo espaço em detrimento da autonomização crescente da linguística, que não considerava os textos de literatura como mostras autênticas da língua e, portanto, “tendia a isolar as obras literárias do resto da produção verbal”, privilegiando os intercâmbios verbais cotidianos ao se constituir como uma disciplina científica.

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desvalorização das disciplinas literárias.

Em relação ao contexto brasileiro, Brait (2000) afirma que a tendência maior aos estudos das línguas ou a disciplinas voltadas para o estudo da língua tem a ver com as mudanças na visão acerca desses estudos introduzidas no Brasil a partir da segunda metade do século XIX pelos estudos comparativos, inaugurando-se assim o período científico da filologia. Tal tendência, de acordo com a autora, liga-se a paradigmas cientificistas que vigoram, tanto nas ciências gerais quanto nas ditas humanidades, entre o final do século XIX e o começo do XX.

De acordo com Fiorin (2008), até por volta da década de 60 do século XX os estudos linguísticos e literários não mantinham relações entre si, já que não se considerava necessário recorrer a qualquer categoria linguística para a análise do texto literário. O estruturalismo dos anos 60, porém, propiciou uma aproximação entre a literatura e as aquisições da linguística e, mais especificamente, da semiologia para o desenvolvimento de uma teoria do texto literário. Entre o final da década de 70 e o início dos anos 80, a linguística e a literatura novamente rompem laços: os estudiosos de literatura, de um lado, voltam a utilizar a gramática tradicional para justificar algum fato da língua que servisse de apoio a suas conclusões; os linguistas, por sua vez, abandonam a perspectiva semiológica e voltam-se para os fatos de língua. Em relação ao momento atual, Fiorin aponta para a necessidade de que os conceitos linguísticos sejam um instrumento de investigação do texto literário, que, a partir de uma concepção discursiva, seria estudado como processo enunciativo e totalidade textual. O autor defende, além disso, que, a partir dos estudos literários, se pense “a natureza da linguagem humana como um mecanismo que contém as regras de sua própria subversão” (idem, ibid, p. 50), a fim de se ampliar a compreensão da linguagem e dos recursos linguísticos. Nesse sentido, as teorias do discurso são importantes na medida em que concebem toda e qualquer manifestação da linguagem como uma prática discursiva e, portanto, questionam a dicotomização que tradicionalmente se faz entre língua e literatura.

A partir dessa trajetória da relação entre os estudos linguísticos e literários, podemos afirmar que os cursos de Letras e, consequentemente, a formação dos professores de línguas são historicamente constituídos por lutas discursivas entre os distintos saberes que constituem as licenciaturas. Isso significa que os campos epistemológicos ligados à língua e à literatura que compõem os currículos das faculdades de Letras estão em constante tensão para ocupar um lugar de poder nos âmbitos da formação docente.

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“pensar na literatura menos como uma qualidade inerente, ou como um conjunto de qualidades evidenciadas por certos tipos de escritos (…) do que como as várias maneiras pelas quais as pessoas se relacionamcom a escrita”.

De acordo com Eagleton (op. cit., p. 304), os teóricos, críticos e professores de literatura se colocam na posição de “guardiões de um discurso” que deve ser preservado, ampliado, desenvolvido e defendido de outras formas de discurso. Esses “guardiões” também teriam a função social de determinar aqueles que seriam capazes ou não de dominar o “discurso literário” com êxito.

Para o autor, os julgamentos de valor contribuem muito para se decidir o que é e o que não é considerado como literatura, fato que se relaciona aos interesses dos diversos grupos sociais. Tais interesses são constitutivos do conhecimento humano e estão diretamente ligados às diferentes ideologias, ou seja, “modos de sentir, avaliar, perceber e acreditar, que se relacionam de alguma forma com a manutenção e reprodução do poder social” (EAGLETON, op. cit., p. 23). Sendo assim, julga-se um discurso como literário ou como não literário não pela “natureza” ou pelas características “intrínsecas” a esse discurso, e sim pelos juízos de valor e pelas ideologias que estão em jogo para que se realize essa decisão. Desse modo, o autor lança mão dos seguintes argumentos para defender a ideia de que não há uma linguagem que seja intrinsecamente literária: a) pode-se pensar que o discurso literário torna estranha a fala comum, mas deve-se levar em consideração o pressuposto de que não existe uma linguagem “normal” que seria usada por todos os membros de uma sociedade; b) apesar de o texto de literatura ser constituído por figuras de linguagem, não há nenhum artifício “literário” que não seja empregado com frequência no discurso cotidiano; e c) pode-se considerar que o discurso corrente é pragmático, diferentemente da literatura, mas na verdade não é possível fazer uma distinção nítida entre as maneiras “práticas” e “não práticas” de nos relacionarmos com as diversas linguagens.

Podemos corroborar a discussão levantada por Eagleton a partir das considerações de Maingueneau (2012, p. 8), que afirma que a constituição do “objeto literário” sofre variações “de acordo com o estatuto dos agentes, bem como dos lugares que estes ocupam na produção e na circulação dos discursos”.

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formas do conhecimento são determinadas pela relação poder-saber, pelos processos e lutas que a atravessam e que a constituem.

É importante ressaltar que, para Foucault (2014c, p. 101), as relações de poder são também produtivas, uma vez que ele não as entende como um sistema de dominação que um grupo exerce sobre outro, mas sim como “o suporte móvel das correlações de força”. Segundo o filósofo, o poder é produzido a cada instante e “se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis” (idem, p. 102) ao invés de ser considerado como uma potência que alguns grupos detêm. O princípio das relações de poder, portanto, não implica uma oposição binária entre dominadores e dominados e, embora existam pontos de resistência, estes representam não só o papel de adversário, mas também de apoio, estando distribuídos de modo irregular.

Foucault (2012, p. 17) ainda afirma que a vontade de saber apoia-se sobre um suporte e uma distribuição institucional e é reconduzida “pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído”, além de exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão e um poder de coerção. Dessa maneira, vemos que os discursos relacionados aos diversos campos epistemológicos que embasam a formação docente têm um poder coercitivo uns em relação aos outros, tendo em vista que a questão da valorização de um certo conhecimento é essencial no processo de interação de determinados posicionamentos discursivos. Tal relação de poder entre os discursos, no entanto, é também produtiva na medida em que propicia o desenvolvimento de diferentes disciplinas e áreas do saber.

Considerar tais questões, no entanto, não significa desconsiderar o valor da literatura na sociedade. Para Rildo Cosson (2014, p. 16), por exemplo, “é no exercício da leitura e da escrita dos textos literários que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos padronizados da sociedade letrada”. Não obstante, é notório que o valor atribuído à literatura vem sendo cada vez mais questionado. Nesse sentido, Regina Zilberman (1991) afirma que a prática do ensino de literatura em sala de aula reage a transformações ocorridas no Brasil, tais como a necessidade de escolarizar a população com rapidez, como maneira de acelerar a modernização da sociedade. A autora defende que o ensino se converte em mercado de trabalho, o que “coloca sob suspeita a inclinação democrática que a educação hipoteticamente contém” (idem, p. 140).

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espanhol no Brasil por algumas décadas, ou seja, de uma discursividade de “urgência” advinda do comunicativismo assimilado de maneira superficial. De acordo com Fanjul, isso leva à desconsideração do lugar da subjetividade no aprendizado de segundas línguas.

Nas OCEM (2006, p. 132) de Língua Espanhola, faz-se igualmente uma crítica ao comunicativismo por reduzir a língua à mera função da comunicação, o que levou à completa desconsideração do papel da linguagem na vida humana e do “lugar da subjetividade na aprendizagem de segundas línguas”. De acordo com as OCEM de Língua Espanhola deve-se abordar e integrar as quatro habilidades (leitura, escrita, compreensão oral e produção oral), mas com vistas ao desenvolvimento da consciência intercultural do aluno.

A disputa pela hegemonização de um determinado campo epistemológico, que se manifesta tanto na organização curricular em vigor quanto nos próprios discursos que circulam no contexto acadêmico, corrobora igualmente a dicotomização que tradicionalmente se faz entre língua e literatura. A respeito das tensões discursivas entre as áreas do saber que constituem a formação docente, é interessante refletir acerca da concepção de Maingueneau (2012) a respeito dos discursos constituintes, tais como a literatura, a ciência, a filosofia e a religião, que têm em comum propriedades relacionadas às suas condições de emergência, circulação e funcionamento. Para o autor, cada discurso constituinte é ao mesmo tempo interno e externo aos outros, ou seja, atravessa os outros discursos e é por eles atravessado. Um exemplo disso é o modo como o jornalismo bebe das fontes literárias, o que provoca uma interseção entre ambos os discursos.

No artigo “Analisando discursos constituintes”, Maingueneau (2000) afirma que um discurso constituinte estabelece interações com outros discursos constituintes e também com discursos não constituintes, mas faz parte de sua natureza pretender submetê-las a seus princípios, e nisso consistem os processos de tensão e de luta pela hegemonia num determinado contexto. No que concerne à questão da formação docente, o âmbito dos cursos de licenciatura desvela igualmente essas tensões, na medida em que os saberes linguísticos e literários vinculam-se a discursos constituintes distintos, mantendo entre si relações de conflito e disputa.

O distanciamento entre a linguística e a literatura é também discutido por Fiorin (2008), que denuncia a separação entre os estudos linguísticos e literários, afirmando que

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Ao final de seu artigo, Fiorin apresenta uma visão pessimista em relação à possibilidade de uma renovação do diálogo entre a linguística e a literatura. Consideramos, no entanto, que é preciso compreender os discursos que perpetuam tal cisão no âmbito da formação de professores de línguas a fim de promover um agenciamento que propicie nos meios acadêmicos uma interação maior entre os campos do conhecimento referentes aos estudos linguísticos e literários.

As críticas de Fiorin se relacionam à reflexão de Foucault (2012, p. 34) a respeito da noção de disciplina, que, para o filósofo, constitui “um princípio de controle da produção do discurso”, um princípio de coerção dotado de uma função restritiva. Tal princípio faz com que o sujeito, para encontrar-se dentro de um certo regime de verdade, obedeça às regras de uma “polícia” discursiva que devem ser reativadas em cada discurso produzido.

A noção de disciplina, em Foucault, ganha a acepção dúplice de norma e de campo epistemológico, evidenciando-se como mecanismo de controle dos corpos e do conhecimento. Ambas as concepções que a palavra “disciplina” adquire estão relacionadas às tecnologias de controle e ao conceito de biopoder (FOUCAULT, 2014c). Segundo o filósofo, os diferentes modos de disciplina – enquanto técnicas de controle –, tais como o sistema escolar, tiveram rápido desenvolvimento na era moderna, período de explosão de mecanismos diversos que tinham como função a sujeição e o controle dos corpos das populações. O biopoder, portanto, é um processo político de controle da vida através da disciplina, das normas e das instituições, tornando os corpos produtivos e distribuindo-os em um domínio de valor e utilidade. Sendo assim, Foucault (op. cit., p. 153-154) afirma que “os processos da vida são levados em conta por procedimentos de poder e de saber que tentam controlá-los e modificá-los” e que a relação poder-saber é um agente de transformação da vida.

Também é importante considerar as reflexões de Foucault (2014a) em relação ao conceito de arquivo. Segundo o autor, o arquivo “faz aparecerem as regras de uma prática que permite aos enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se modificarem regularmente” (idem, ibid, p. 159). O arquivo, portanto, é o sistema da formação e da transformação dos enunciados e também o próprio conjunto de enunciados a partir dos quais não se tenta estabelecer uma cronologia nem uma continuidade, mas sim uma regra de formação que tende à dispersão, ao auto-ocultamento, mascarando assim as relações de poder. Tais relações, como já mencionamos, não implicam somente processos coercitivos, como também produtivos, já que é no interior das regras do arquivo que se produzem os discursos.

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modifiquem, que alguns dizeres, longínquos no tempo, permaneçam e outros, mais recentes, se esfumem e até desapareçam”. A partir de tal afirmação podemos compreender que as disputas discursivas que se dão não apenas entre os diversos campos epistemológicos, mas também entre os diferentes posicionamentos assumidos dentro de uma mesma área do saber, seguem a lógica do arquivo, que é “a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares” (FOUCAULT, 2014a, p. 158). A autora ainda considera que o lugar ou função discursiva do sujeito (constitutivamente heterogêneo) é também alteridade, uma construção discursiva e social em constante elaboração e mutação, carregando em si o outro, que o transforma e é transformado por ele.

Nesse sentido, os discursos que são produzidos a partir das relações interpessoais entre licenciandos e professores (universitários e da Educação Básica) deixam rastros no (in)consciente dos sujeitos, que, mesmo sem saber, incorporam fragmentos que farão parte de sua constituição subjetiva. Tais discursos são, nos dizeres de Coracini (2007, p. 23), “imagens que constituem o imaginário do sujeito – como ele se vê e acredita ser visto –, construindo, assim, a sua identidade, ou melhor, os momentos de identificação que permitem a ilusão da permanência de uma certa identidade”. Desse modo, a relação entre arquivo e processos de subjetivação pode ser produtiva na medida em que nos dá aportes para a compreensão e análise das regras de formação dos enunciados dos sujeitos da pesquisa, bem como dos modos de representação dos mesmos.

Além disso, os conceitos abordados nesta seção nos possibilitarão refletir acerca dos movimentos de cisão e de diálogo entre os campos epistemológicos referentes aos estudos linguísticos e aos estudos literários, de modo a que se analise a relação entre as diferentes formações discursivas que atravessam os discursos que circulam nos contextos em que se dá a licenciatura em língua estrangeira, seja a partir dos textos trabalhados nas disciplinas de língua e de literatura, seja a partir dos dizeres dos sujeitos envolvidos na formação docente, tais como os licenciandos, os professores atuantes na Educação Básica que os orientam e os recebem como estagiários e os professores universitários.

1.3Currículo e interdisciplinaridade

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sociedade e a escola, o projeto educativo, a expressão formal e material desse projeto e o campo prático pedagógico.

Para o autor, é preciso tratar o currículo no seu relativismo e provisoriedade, já que este constitui “um processo no qual podemos realizar cortes transversais e ver como está configurado num dado momento” (GIMENO SACRISTÁN, op. cit., p. 16). Dessa forma, o educador espanhol critica o estabelecimento dos fins de um determinado projeto educativo como algo dado, já que isso consiste na ocultação por parte das classes dominantes do verdadeiro significado do ensino, que deve ser mais profundamente discutido pelos estudiosos do currículo.

Gimeno Sacristán (2000, p. 21) aponta para a importância de se conceber o currículo como uma práxis, ou seja, como um processo desencadeado a partir de operações diversas, tais como as práticas políticas e administrativas, as condições estruturais, organizativas, materiais, a dotação de professorado e a bagagem de ideias e significados que dão forma ao currículo e que o “modelam em sucessivos passos de transformação”. Além disso, o autor critica a perspectiva tecnológica ou eficientista, segundo a qual se considera o currículo como um objeto gestionável. Para ele, a burocracia moderna e a tecnocracia dominante priorizam o tratamento que evita em suas coordenadas o discurso filosófico, político, social e até pedagógico sobre o currículo. O autor ainda afirma que o que define o currículo como terreno político e não meramente pedagógico é o subsistema de participação e de controle, que determina que todo currículo se insere num equilíbrio específico de “divisão de poderes de decisão e determinação de seus conteúdos e formas” (idem, p. 24).

Giroux e McLaren (1995, p. 128) afirmam, a partir de uma vertente marxista, que a formação docente “tem servido para reproduzir as ideologias tecnocráticas e corporativistas características das sociedades dominantes”, o que tem contribuído para a falta de consciência e de sensibilização social. Dessa maneira, as escolas de formação de professores devem ser reconcebidas como espaços de contraesfera pública em que se ratifique e se pratique o discurso da liberdade e da democracia.

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espaço do estágio, mas que esteja presente desde o início do curso, levando o futuro professor a uma reflexão também menos tecnocrática e reprodutivista sobre sua atividade profissional. Portanto, deve ser considerado na construção do projeto pedagógico de cursos de formação de professores o comprometimento com valores vigentes na sociedade democrática, bem como competências referentes à importância do papel social da escola.

Cabe mencionar também a resolução CNE/CP nº 2 de 1º de julho de 2015, que apresenta as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de professores da educação básica. Nesse documento enfatiza-se, entre outras questões, a necessidade de se articular a formação docente às políticas e diretrizes do ensino básico, como por exemplo no parágrafo 6º do artigo 3º, que decreta que “o projeto de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o sistema de Educação Básica, envolvendo a consolidação de fóruns estaduais e distrital permanentes de apoio à formação docente, em regime de colaboração” (BRASIL. Resolução nº 2/2015, p. 5). Dessa maneira, dá-se relevância ao diálogo que deve ser estabelecido entre o âmbito do ensino superior e da escola básica com vistas a fomentar cursos de licenciatura que incentivem a construção “do respeito ao bem comum e à democracia” (idem, p. 2).

Com base na reflexão de Bourdieu (2007) sobre reprodução cultural e reprodução social, podemos considerar o reprodutivismo como a lógica segundo a qual o capital cultural concentra-se continuamente nas mãos das classes dominantes, que detêm os códigos necessários para decifrar os bens simbólicos. O sistema de ensino em seus diferentes níveis, por sua vez, corrobora a reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural entre as classes sociais. A partir da discussão de tais noções e do desenvolvimento de percepções que permitam o reconhecimento dos diferentes modos de funcionamento de questões educacionais, acreditamos ser um papel ético e político do intelectual assumir uma postura crítica a fim de contribuir com uma distribuição mais igualitária dos bens simbólicos na sociedade.

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também se deve ao fato de todo currículo ser “síntese de uma série de posições filosóficas, epistemológicas, científicas, pedagógicas e de valores sociais” (idem, p. 35), o que o torna um campo de lutas e tensões.

É importante considerar a distinção entre as duas vertentes da teoria do currículo, ou seja, os estudos críticos e os pós-críticos. Ambas as linhas se diferenciam a partir das distintas concepções que apresentam acerca das relações de poder: os estudiosos da abordagem crítica, por sua filiação à teoria marxista, concebem o currículo como um espaço em que as relações de poder são verticalizadas; os estudiosos da vertente pós-crítica, por sua vez, por se aproximarem a uma abordagem discursiva, postulam que o currículo é atravessado por relações horizontais de poder, levando em consideração os efeitos de sentido que se dão a partir da proliferação discursiva e do modo como o currículo se recontextualiza no dizer dos sujeitos.

A partir da vertente pós-crítica dos estudos sobre currículo, Alice Casimiro Lopes (2008) afirma que muitas reformas educacionais privilegiam mudanças na organização curricular em detrimento de uma problematização em torno dos conteúdos. Desse modo, dá-se mais importância às formas de organizar os conteúdos de ensino do que ao debate sobre a seleção dos mesmos. Segundo a autora, os discursos em torno da integração curricular vêm ganhando ênfase na atualidade, e isso se deve ao “entendimento de que, no contexto do paradigma pós-fordista, há necessidade de formação de habilidades e competências mais complexas e superiores, as quais seriam mais facilmente desenvolvidas em uma perspectiva integrada” (idem, p. 33).

Lopes, citando do trabalho de Bernstein (1996, 1998), afirma que tal orientação de se integrar os conhecimentos escolares parte das agências multilaterais e é posteriormente incorporada pelas propostas curriculares dos diversos países, sofrendo diferentes recontextualizações. De acordo com a autora, o foco na integração curricular, no Brasil, está presente nos níveis fundamental, por meio dos temas transversais, e médio, por meio da interdisciplinaridade. Uma análise de documentos norteadores de cursos de licenciatura no Ensino Superior, no entanto, revela que a questão da interdisciplinaridade também perpassa a formação universitária. A resolução do CNE/CP de 2002/1, por exemplo, contempla tal questão em diversos momentos:

Art. 6º Na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes, serão consideradas:

(...)

Referências

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