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Na primeira vez que levou uma porrada na cara, Isaac Newton estava de pé em uma plantação. O tio dele estava explicando por que o trigo tinha que ser organizado em fileiras diagonais, mas Isaac não prestou muita atenção. Ele estava olhando para o sol, se perguntando do que a luz era feita.

Ele tinha sete anos na época.1

O tio então deu um tabefe tão forte na bochecha de Isaac que seu senso de realidade se desfez temporariamente assim que ele caiu. O garoto perdeu toda a sensação de coesão pessoal. E, à medida que partes da sua psique voltavam a se reunir, algum pedacinho secreto dele permaneceu no chão, deixado para trás em um lugar de onde jamais seria recuperado.

* * *

O pai de Isaac morreu antes de ele nascer, e a mãe o abandonou quando ainda era pequeno para se casar com um velho rico do vilarejo vizinho. Por isso, Isaac passou seus anos de formação sendo empurrado entre tios, primos e avós. Na verdade, ninguém o queria. Ninguém sabia o que fazer com o garoto, que se tornara um fardo. O amor vinha a duras penas, mas em geral ele não recebia amor algum.

O tio de Isaac era um bêbado sem instrução, mas sabia contar as fileiras plantadas nos campos. Era sua única habilidade intelectual, e, portanto, ele provavelmente fazia isso mais do que o necessário. Isaac muitas vezes o acompanhava nessas sessões de contagem porque era o único momento em que o tio prestava atenção nele. E, como água num

deserto, qualquer atenção que o menino recebesse era absorvida avidamente.

Acontece que Isaac era uma espécie de prodígio. Aos oito anos, ele já conseguia prever a quantidade de ração necessária para alimentar as ovelhas e os porcos na estação seguinte. Aos nove, era capaz de fazer de cabeça os cálculos de hectares de trigo, cevada e batatas.

Aos dez anos, Isaac concluiu que agricultura era uma coisa idiota e voltou suas atenções para o cálculo da trajetória exata do Sol durante as estações do ano. O tio dele não se importava com a trajetória exata do Sol porque isso não colocaria comida na mesa — pelo menos não diretamente —, por isso, bateu em Isaac mais uma vez.

A escola não ajudava. Isaac era uma criança magrela, pálida e distraída. Não tinha qualquer habilidade social. Gostava dessas porcarias nerds, como relógios de sol, planos cartesianos e cálculos para determinar se a Lua era mesmo uma esfera. Enquanto as outras crianças jogavam críquete ou brincavam de pega-pega na floresta, Isaac ficava parado, encarando os riachos por horas, se perguntando como o olho humano era capaz de ver a luz.

Os primeiros anos de vida de Isaac Newton foram uma porrada atrás da outra. E, a cada golpe, seu Cérebro Sensível aprendia a sentir uma verdade imutável: tinha que haver algo de inerentemente errado com ele. Por que os pais o abandonaram? Por que os colegas o ridicularizavam? Que outra explicação poderia dar para sua solidão quase constante? Enquanto seu Cérebro Pensante se ocupava desenhando gráficos caprichados e monitorando eclipses lunares, seu Cérebro Sensível internalizava em silêncio a ideia de que havia algo muito errado com aquele garotinho inglês de Lincolnshire.

Um dia, ele escreveu no seu caderno da escola: “Sou um rapaz pequeno. Pálido e fraco. Não existe lugar para mim. Nem em casa, nem no fundo do inferno. O que posso fazer? Eu sirvo para quê? Só consigo chorar.”2

Até aqui, tudo que você leu sobre Newton é verdade — ou pelo menos altamente plausível. Mas vamos fingir por um momento que exista um universo paralelo. E digamos que nesse universo paralelo exista outro Isaac Newton, bem parecido com o nosso. Ele ainda vem de uma

família abusiva e disfuncional. Ainda tem uma vida de isolamento e raiva. Ainda calcula e mensura de forma prodigiosa tudo o que encontra pela frente.

Mas digamos que, em vez de medir e calcular obsessivamente o mundo externo, físico, esse Newton do Universo Paralelo decide direcionar sua obsessão para medir e calcular o mundo interior, psicológico, o mundo da mente e do coração humano.

Isso não é tão difícil de imaginar, pois vítimas de abuso muitas vezes são grandes observadoras da natureza humana. Para pessoas como eu ou você, observar os outros pode ser uma atividade divertida para se fazer num domingo qualquer no parque. Mas, para quem sofre abusos, é uma estratégia de sobrevivência. Para essas pessoas, a violência pode surgir a qualquer momento, e por isso elas desenvolvem um senso de observação agudo, quase sobre-humano, para se proteger. Um tom de voz mais alterado, uma sobrancelha arqueada, a profundidade de um suspiro: tudo isso pode disparar seus alarmes internos.

Então, vamos imaginar que esse Newton do Universo Paralelo, esse “Newton Emo”, tenha voltado sua obsessão às pessoas ao redor. Ele fazia anotações, catalogando todos os comportamentos observáveis dos colegas e familiares. Anotava sem parar, documentando cada ação, cada palavra. Encheu centenas de páginas com observações sem importância sobre o tipo de coisa que as pessoas nem percebem que fazem. O Newton Emo torcia para que, se cálculos pudessem ser usados para prever e controlar o mundo natural, como as formas e configurações do Sol, da Lua e das estrelas, então também deveriam ser capazes de prever e controlar o mundo interior, emocional.

Com suas observações, o Newton Emo descobriu algo doloroso que todos nós meio que já sabemos, mas que poucos querem admitir: que todas as pessoas mentem. É um hábito nosso mentir constantemente.3 Mentimos tanto sobre coisas importantes quanto fúteis. E em geral não fazemos isso por malícia — na verdade, mentimos para os outros porque temos o hábito de mentir para nós mesmos.4

Newton percebeu que a luz se refratava no coração das pessoas de formas que elas pareciam não perceber; que as pessoas diziam amar aqueles que, pelo visto, odiavam; que declaravam acreditar em algo

enquanto agiam de outra forma; que se imaginavam corretas embora cometessem atos de grande desonestidade e crueldade. Ainda assim, na própria mente, elas de alguma forma acreditavam que suas ações eram consistentes e verdadeiras.

Ele concluiu que não deveria confiar em ninguém. Nunca. E calculou que sua dor era inversamente proporcional ao quadrado da distância entre ele e o mundo. Portanto, ele se mantinha à margem, sem entrar na órbita de ninguém, afastando-se da atração gravitacional de qualquer outro coração. Ele não tinha amigos; na verdade, não queria amigos. Isaac compreendeu que o mundo era um lugar sombrio e miserável, e o único valor na sua vida patética era a habilidade de documentar e calcular essa miséria.

Apesar de tanta rabugice, não faltava ambição a Newton. Ele queria saber a trajetória do coração humano, a velocidade de sua dor. Queria saber a força dos seus valores e a massa de suas esperanças. Mais importante, ele queria entender as relações entre todos esses elementos.

PRIMEIRA LEI EMOCIONAL DE NEWTON

Para cada ação há uma reação emocional oposta e