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Voltemos ao exemplo do soco, só que, desta vez, vamos ngir que eu existo em um campo de força mágico que me protege de qualquer consequência. Você não pode me bater de volta. Não pode falar nada para mim. Não pode nem mesmo dizer algo a meu respeito para outras pessoas. Sou intocável — um babaca onipotente, onisciente e horrível.

A Primeira Lei Emocional de Newton estabelece que quando alguém (ou algo) nos causa dor, uma lacuna moral se abre, e o Cérebro Sensível evoca emoções ruins para nos motivar a equalizar a situação.

Mas e se essa equalização não acontecer? E se alguém (ou algo) nos faz mal, mas não temos como retaliar ou nos reconciliar com aquilo? E se formos impotentes, incapazes de tomar qualquer medida para equalizar ou “resolver as coisas”? E se meu campo de força for simplesmente forte demais para você ultrapassar?

Quando persistem por tempo su ciente, as lacunas morais acabam sendo normalizadas.16 Elas se tornam a expectativa-padrão, estabilizando-se em nossa hierarquia de valores. Se alguém nos dá um soco e nós não podemos revidar, mais cedo ou mais tarde nosso Cérebro Sensível vai chegar a uma conclusão assustadora:

“A gente merecia levar aquele soco.”

A nal, a gente conseguiria equalizar as coisas se não merecesse, certo? O fato de que não conseguimos igualar a situação signi ca que deve haver algo inerentemente inferior em nós, e/ou algo inerentemente superior na pessoa que nos bateu.

Isso também é parte da nossa resposta de esperança. Porque, se a equalização parece impossível, o Cérebro Sensível chega à segunda melhor estratégia disponível: desistir, aceitar a derrota e julgar-se inferior. Quando alguém nos maltrata, nossa reação imediata em geral é: “Ele é um idiota e eu estou certo.” Mas se não somos capazes de equalizar e agir de acordo com esse princípio, nosso Cérebro Sensível vai acreditar na única explicação alternativa possível: “Eu sou um idiota e ele está certo.”17

Essa desistência diante de lacunas morais reincidentes é parte fundamental da natureza do Cérebro Sensível. E essa é a Segunda Lei Emocional de Newton: o modo como estabelecemos o valor de tudo que nos diz respeito é in uenciado pela soma das nossas emoções ao longo do tempo.

Essa desistência e a ideia de que somos inerentemente inferiores são muitas vezes chamadas de vergonha ou baixa autoestima. Dê o nome que quiser, mas a conclusão é a mesma: a vida o maltrata um pouco, e você não tem forças para

impedir que isso aconteça. Logo, seu Cérebro Sensível conclui que você talvez mereça essas coisas.

É claro que a lacuna moral inversa também é verdade. Se recebemos uma porção de coisas sem merecer (troféus de participação e medalhas de ouro pelo nono lugar), acabamos com a crença (falsa) de que somos inerentemente superiores ao que somos de verdade. Por isso desenvolvemos uma versão iludida de uma

autoestima alta, ou, como é mais conhecido, viramos uns babacas.

Autoestima é uma questão de contexto. Se você sofreu bullying porque usava óculos e tinha um nariz engraçado quando criança, seu Cérebro Sensível vai “saber” que você é nerd, mesmo que você cresça e se transforme num poço de beleza e sensualidade. Pessoas que são criadas em ambientes religiosos rígidos e recebem punições severas por seus impulsos sexuais muitas vezes crescem com o Cérebro Sensível “sabendo” que sexo é errado, mesmo que o Cérebro Pensante já tenha concluído há muito tempo que sexo é uma coisa natural e maravilhosa.

Autoestima baixa e alta parecem diferentes à primeira vista, mas são dois lados da mesma moeda falsa. Não importa se você se sente melhor ou pior do que todas as pessoas, a verdade é uma só: você está imaginando que é especial, como um ser à parte do mundo.

Um indivíduo que acredita merecer tratamento especial por ser incrível não é tão diferente de alguém que acredita merecer tratamento especial por ser um bosta. Os dois são narcisistas. Ambos se acham especiais e acreditam que o mundo deveria tratá-los como exceções, dobrando-se, antes e acima de tudo, aos seus valores e sentimentos.

Narcisistas oscilam entre sentimentos de superioridade e inferioridade.18 Ou todos o amam ou todos o odeiam. Tudo é incrível, ou tudo é uma merda. Dado evento ou foi o melhor momento da vida deles, ou totalmente traumático. Com o narcisista, não existe meio-termo, porque reconhecer a realidade indecifrável e cheia de nuances exigiria que ele abrisse mão da sua ideia privilegiada de que é, de alguma maneira, especial. Em geral, narcisistas são pessoas insuportáveis, pois acham que tudo gira em torno deles, e exigem que as pessoas à volta façam o mesmo.

Se prestarmos atenção, podemos ver esse troca-troca entre baixa e alta autoestima em todo lugar: assassinos em série, ditadores, crianças mal-educadas, sua tia insuportável que sempre estraga o Natal. Hitler dizia que o mundo só havia tratado a Alemanha tão mal depois da Primeira Guerra Mundial porque os outros países tinham medo da superioridade germânica.19 E mais recentemente, em uma universidade na Califórnia, um atirador justi cou sua tentativa de ataque a uma irmandade com o argumento de que as mulheres transavam com homens “inferiores” enquanto ele era forçado a permanecer virgem.20

Talvez você até encontre esses traços na sua personalidade, se for honesto consigo mesmo. Quanto mais inseguro for sobre determinado assunto, mais você vai oscilar entre sentimentos delirantes de superioridade (“Eu sou foda!”) e sentimentos delirantes de inferioridade (“Eu sou um merda!”).

Autoestima é uma ilusão.21 É uma construção psicológica que o Cérebro Sensível tece para prever o que vai ser útil e o que vai atrapalhar. No m, temos que sentir

algo sobre nós mesmos para podermos sentir algo a respeito do mundo, e sem

esses sentimentos é impossível encontrar a esperança.

Todos nós temos algum grau de narcisismo. É inevitável, porque tudo que sabemos ou vivenciamos aconteceu conosco ou foi absorvido por nós. A natureza da nossa consciência exige que tudo aconteça através de nós. É natural, então, que nossa suposição imediata seja que estamos no centro de tudo — porque estamos de fato no centro de todas as nossas experiências.22

Todo mundo superestima as próprias habilidades e intenções, assim como subestima habilidades e intenções dos outros. A maioria das pessoas acredita que tem inteligência e habilidade acima da média em quase tudo, principalmente quando não é esse o caso.23 Todos tendemos a acreditar que somos mais honestos e éticos do que somos de verdade.24 Sempre que temos chance, nos iludimos e acreditamos que o que é bom para nós também é bom para todo mundo.25 Quando fazemos merda, tendemos a achar que foi só um acidente,26 mas, quando outras pessoas fazem, imediatamente corremos para julgá-las.27

Um narcisismo básico e persistente é natural, mas também é provavelmente a origem de muitos dos nossos problemas sociopolíticos. Não é uma questão de direita ou esquerda, de gerações mais velhas ou mais novas, de Ocidente e Oriente.

É uma questão humana.

Todas as instituições vão se deteriorar e se corromper. Todas as pessoas, se receberem mais poder e menos limites, vão se aproveitar desse poder em benefício próprio, como é de se esperar. Cada indivíduo vai deixar de enxergar os próprios defeitos e ao mesmo tempo buscar as falhas mais óbvias nos demais.

Bem-vindo ao planeta Terra. Aproveite sua estadia.

Nossos Cérebros Sensíveis deformam a realidade de tal maneira que acreditamos que nossos problemas e dores são especiais e únicos no mundo, apesar de todas as provas mostrando o contrário. Exigimos esse nível de narcisismo inato porque o narcisismo é nossa última linha de defesa contra a Verdade Desconfortável. Porque, convenhamos: as pessoas são péssimas e a vida é difícil e imprevisível demais. A maioria de nós vive na base do improviso, ou não faz a mínima ideia de para onde ir. E, se não tivéssemos alguma crença falsa em nossa superioridade (ou inferioridade), um credo ilusório de que somos extraordinários em algo, acabaríamos fazendo la para pular da ponte mais próxima. Sem um pouquinho desse autoengano narcisista, sem essa mentira perpétua que contamos a nós mesmos sobre a nossa excepcionalidade, provavelmente perderíamos a esperança.

Mas esse narcisismo inerente tem um preço. Seja acreditando que você é o melhor do mundo, seja acreditando que é o pior, uma coisa também é verdade: você está separado do mundo.

TERCEIRA LEI EMOCIONAL DE NEWTON

Sua identidade vai permanecer como sua