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Imagine que eu lhe desse um soco na cara. Sem motivo. Sem justi cativa. Só pela violência pura e simples.

Sua resposta instintiva seria algum tipo de retaliação. Poderia ser física, retribuindo o soco. Poderia ser verbal, me xingando com todo tipo de palavrão. Ou sua retaliação poderia ser social, chamando a polícia ou alguma outra autoridade que tivesse o poder de me punir por ter atacado você.

Independentemente de qual fosse a sua escolha, você sentiria uma onda de emoções negativas dirigidas a mim, e com razão — porque eu claramente sou uma péssima pessoa. A nal, a ideia de que eu possa lhe in igir dor sem qualquer justi cativa, sem que você mereça, provoca uma sensação de injustiça. Um tipo de

lacuna moral se abre entre a gente: a sensação de que um de nós está

inerentemente correto, e o outro não passa de um merdinha.6

A dor cria lacunas morais, e não só entre pessoas. Se um cachorro morde você, seu instinto é puni-lo. Se você bate com o dedinho na quina da mesa, o que faz? Grita com a porcaria da mesa. Se sua casa é derrubada por uma tempestade, você é dominado pela tristeza e ca furioso com Deus, com o universo, com a vida.

Todos esses são exemplos de lacunas morais. São a sensação de que algo de errado aconteceu, e você (ou alguém) merece ser recompensado. Sempre que há dor, cria-se um senso inerente de superioridade e inferioridade. E sempre há dor.

Quando confrontados com lacunas morais, nós desenvolvemos emoções esmagadoras em direção à equalização, ou seja, um retorno à equidade moral. Esse desejo ganha a forma de merecimento. Como lhe dei um soco, você sente que eu

mereço levar um também, ou ser punido de alguma forma. Essa sensação (de eu

merecer sentir dor) vai fazer com que você tenha emoções fortes em relação a mim (provavelmente, raiva). Você também terá emoções fortes a partir da conclusão de que não merecia levar um soco, que não fez nada de errado, e que merecia ser mais bem tratado por mim e por todas as outras pessoas ao redor. Esses sentimentos podem assumir a forma de tristeza, autopiedade ou confusão.

Todo esse conceito de “merecer” algo é um juízo de valor que fazemos ao encararmos uma lacuna moral. Concluímos que uma coisa é melhor do que outra, que alguma pessoa é mais correta ou justa que outra, que um acontecimento é menos vantajoso que outro. Lacunas morais são onde se criam nossos valores.

Agora, vamos ngir que eu peça desculpas pelo soco. Eu digo: “Putz, cara, aquilo foi muito injusto e, nossa, perdi totalmente a linha. Isso nunca mais vai acontecer, é sério. E, para demonstrar meu profundo arrependimento, toma, z esse bolo para você. Ah, e que com esses cem dólares. Divirta-se.”

Vamos ngir também que isso esteja de bom tamanho para você. Você aceita minhas desculpas, meu bolo e os cem dólares e realmente sente que cou tudo bem. Agora estamos “equalizados”. A lacuna moral entre nós sumiu. Você foi “compensado” e talvez até diga que estamos “quites”: ninguém é melhor ou pior do que o outro, ninguém merece tratamento melhor ou pior. Estamos operando no mesmo plano moral.

Essa equalização restaura a esperança. Signi ca que não há nada necessariamente errado com você ou com o mundo, que você pode seguir em frente com uma sensação de autocontrole, cem dólares e um bolo delicioso.

Vamos imaginar outro cenário. Agora, em vez de dar um soco em você, digamos que eu tenha lhe dado uma casa de presente.

Sim, leitor, eu acabei de comprar a porra de uma casa para você.

Isso vai abrir outra lacuna moral entre nós. Mas, em vez de uma sensação esmagadora de querer igualar a dor que lhe causei, você vai sentir um desejo imenso de equalizar a alegria que proporcionei. Você pode me abraçar, agradecer mil vezes, me dar um presente em troca, ou prometer cuidar do meu gato de hoje até o m dos tempos.

Ou, se for particularmente bem-educado (e tiver algum autocontrole), você pode até tentar recusar minha oferta, porque reconhece que isso vai abrir uma lacuna moral entre nós que você nunca seria capaz de superar. Você pode expressar isso dizendo para mim: “Eu agradeço, mas não posso aceitar, de jeito nenhum. Eu jamais conseguiria recompensá-lo.”

Com a lacuna moral positiva, você se sentirá em débito comigo, sentirá que “me deve” alguma coisa, que eu mereço algo bom, ou que você tem que “retribuir” de alguma forma o que z. Você terá sentimentos intensos de gratidão e apreço dirigidos a mim. Talvez até chore de alegria (que fofo!).

É nossa inclinação psicológica natural equalizar as lacunas morais, retribuir ações: positiva com positiva, negativa com negativa. As forças que nos impelem a realizar tais movimentos são as nossas emoções. Nesse sentido, cada ação demanda uma

reação emocional oposta e de igual intensidade. Essa é a Primeira Lei Emocional de

Newton.

Essa primeira lei está constantemente ditando o uxo da nossa vida, porque é o algoritmo pelo qual nosso Cérebro Sensível interpreta o mundo.7 Se um lme mais provoca do que alivia dor, você ca entediado, ou talvez até irritado. (Pode ser que você tente equalizar isso exigindo o dinheiro do ingresso de volta.) Se sua mãe esquece seu aniversário, você pode equalizar isso ignorando-a pelos próximos seis meses. Ou, se você for uma pessoa mais madura, pode comunicar sua decepção a ela.8 Se seu time sofre uma derrota humilhante, você pode se sentir impelido a ir a menos partidas, ou a torcer com menos a nco. Se descobre que tem talento para desenhar, a admiração e a satisfação que obtém da sua competência vão inspirá-lo a investir tempo, energia, emoção e dinheiro na arte.9 Se o seu país elege um palhaço que você é incapaz de suportar, você vai sentir uma desconexão com o governo, e até com os outros cidadãos. Também vai sentir que merece algo em troca por aguentar as medidas que estão lhe impondo.

A equalização está presente em todas as experiências porque o impulso de

equalizar é a própria emoção. A tristeza é um sentimento de impotência para

compensar o que percebemos como perda. A raiva é o desejo de equalizar por meio da força e da agressão. A felicidade é a sensação de estar livre de dor, enquanto a culpa é a sensação de que você merecia uma dor que nunca chegou.10

Esse desejo de equalização está na base do nosso senso de justiça. Ele tem sido sistematizado no curso da história em regras e leis, como no clássico do rei babilônio Hamurabi, “olho por olho, dente por dente”, ou na Regra de Ouro bíblica: “Tratem os outros como gostariam de ser tratados.” Na biologia evolutiva, isso é conhecido como “altruísmo recíproco”,11 e na teoria de jogos, chamado de estratégia “tit for

tat”.12

A Primeira Lei Emocional de Newton cria nosso senso de moralidade, baseia nossa percepção de justiça. É a essência de todas as culturas humanas. E…

É o sistema operacional do Cérebro Sensível.

Enquanto nosso Cérebro Pensante cria conhecimento factual com base em lógica e observação, sua contraparte elabora valores com base em experiências dolorosas. Experiências que nos causam dor criam uma lacuna moral em nossa mente, e o Cérebro Sensível considera essas experiências inferiores e indesejáveis. Experiências que aliviam a dor criam uma lacuna moral na direção oposta, e o Cérebro Sensível as considera superiores e desejáveis.

Uma forma de compreender isso é considerar que o Cérebro Pensante cria conexões laterais entre eventos (igualdade, contraste, causa/consequência etc.), enquanto o Cérebro Sensível estabelece conexões hierárquicas (melhor/pior, mais desejável/menos desejável, moralmente superior/moralmente inferior).13 Nosso Cérebro Pensante raciocina de maneira horizontal (como essas coisas estão

relacionadas?), enquanto o Cérebro Sensível pensa verticalmente (qual dessas coisas

é melhor ou pior?). Nosso Cérebro Pensante decide como as coisas são, e nosso Cérebro Sensível decide como elas deveriam ser.

O Cérebro Sensível cria um tipo de hierarquia de valores para as nossas experiências.14 É como se tivéssemos uma imensa estante em nosso inconsciente onde as melhores e mais importantes experiências da vida — com familiares, amigos, burritos — estão na prateleira de cima e as menos desejáveis — morte, impostos, indigestão —, na prateleira de baixo. Nosso Cérebro Sensível então toma decisões simplesmente buscando experiências que estejam na prateleira mais alta possível.

Os dois cérebros têm acesso à hierarquia de valores. Enquanto o Cérebro Sensível determina em que prateleira ca cada coisa, o Cérebro Pensante consegue avaliar como certas experiências estão conectadas e sugerir como essa hierarquia de valores poderia ser organizada. Isso basicamente é “crescer”: priorizar da melhor maneira sua hierarquia de valores.15

Por exemplo, já tive uma amiga que provavelmente era a maior festeira que já conheci. Ela cava acordada a noite toda nas baladas, e depois ia direto das festas para o trabalho de manhã, sem dormir nem um minuto. Ela achava muito sem graça

acordar cedo ou car em casa numa sexta à noite. Sua hierarquia de valores era mais ou menos assim: • DJs maravilhosos • Drogas maravilhosas • Trabalhar • Dormir

Dá para prever o comportamento dela baseando-se somente nessa hierarquia. Ela preferia trabalhar a dormir. Preferia sair e car doidona a trabalhar. E tudo girava em torno da música.

Até que um dia ela foi fazer uma dessas viagens internacionais de voluntariado, em que os jovens passam alguns meses trabalhando com órfãos em um país em desenvolvimento e, bem… isso mudou tudo. A experiência teve um impacto emocional tão contundente nela que alterou por completo sua hierarquia de valores. A hierarquia dela agora é mais ou menos assim:

• Evitar que crianças sofram • Trabalhar

• Dormir • Sair à noite

De repente, como num passe de mágica, ela parou de viver nas noitadas. Por quê? Porque sair à noite interferia no seu novo valor principal: ajudar crianças que passavam por necessidade. Ela mudou de carreira e passou a se dedicar somente ao trabalho. Passa quase todas as noites em casa, não bebe nem usa drogas. E dorme bem — a nal, precisa de muita energia para salvar o mundo.

Os amigos dos tempos de noitada olharam para ela com pena; julgaram a minha amiga segundo os valores deles, que eram os que ela cultivava antigamente. Pobre garota festeira que precisa dormir cedo e trabalhar de manhã. Coitada, não pode mais sair e tomar ecstasy todo m de semana.

Só que o engraçado sobre hierarquias de valores é o seguinte: quando elas mudam, você não perde nada, na verdade. Minha amiga não decidiu abrir mão das saídas por causa da carreira, mas porque já não achava as festas tão divertidas assim. O conceito de “diversão” é um produto da nossa hierarquia de valores. Quando paramos de dar valor a determinada coisa, ela deixa de ser divertida ou interessante para nós. Portanto, não há uma sensação de perda quando deixamos de fazê-la. Ao contrário: a gente olha para trás e se pergunta como conseguiu passar tanto tempo se importando com uma coisa tão boba e trivial, por que gastamos tanta energia em questões e causas que não importavam. Essas pontadas de arrependimento ou vergonha são um bom sinal: signi cam que estamos crescendo. São o resultado de alcançar nossas esperanças.

SEGUNDA LEI EMOCIONAL DE NEWTON

Nossa autoestima é igual à soma das nossas