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5 ANÁLISE DO CASO HATTRICK

5.2 EMPRESA

Quando o Hattrick começou, em 1997, a empresa se aventurava por águas muito pouco conhecidas até então. Era o começo da internet e as possibilidades apenas imaginadas. Em se tratando de uma empresa pioneira nesta frente, foi necessário que novas estratégias e táticas de marketing fossem desenvolvidas e empregadas (de maneira planejada ou emergente) para permitir que se chegasse ao patamar atual e assim, como mostrado por Vrontis, Thrassou e Lamprianou (2009), converter este desenvolvimento estratégico em uma vantagem competitiva internalizável dentro da empresa.

Além disso, visto que o Hattrick se aventurava não apenas rumo a países com os quais tinha pouca familiaridade mas também através de um meio incerto à época – a internet –, era importante compreender qual seria a extensão tanto da competição local quanto da global que a administração da empresa teria que enfrentar à medida que chegasse a novos mercados.

Outro desafio para o crescimento do Hattrick diz respeito à sua natureza mais colaborativa do que competitiva. Mesmo se tratando de um jogo no qual o objetivo primeiro é ganhar de seus adversários, o ambiente de apoio e suporte que se observa nos fóruns leva à melhoria da técnica dos jogadores com base nos comentários e sugestões de seus pares. Nesta mesma linha, os gestores do Hattrick dizem – e com orgulho – de que este não se trata de um jogo comercial. A oferta de vendas (especialmente de pacotes de sócio-HT) no site é discreta e, mais importante, não impacta a jogabilidade, fazendo com que todos os usuários tenham iguais condições de ganhar suas partidas.

Johan Gustafson: Quando eu digo que nós não somos um jogo comercial, é mais como a cultura do jogo. Em comparação com muitos outros jogos,, nós não empurramos tanto os produtos e serviços pagos.

Entrevistador: Então, os usuários que não são adeptos têm acesso completo ao jogo.

Johan Gustafson: Sim, é assim que nós gostamos que seja.

Unindo, portanto, estas duas condições a princípio prejudiciais – a baixa receita e a falta de familiaridade com mercados que surgem sem a possibilidade de controle por parte da administração da empresa – foi necessário que o Hattrick se estruturasse de uma maneira não convencional. Para atender ao crescimento orgânico que sempre impulsionou a empresa, a estratégia foi em linha com o que se observa e espera da região cultural da internet: com o apoio de membros mais envolvidos com o jogo nas regiões onde já existisse uma base significativa de

usuários, criava-se uma equipe de voluntários locais que se tornar responsável pela administração local do Hattrick. Esta equipe tem dentre suas responsabilidades e atribuições tanto atividades cotidianas (como gerir usuários e fóruns) quanto pontuais (como traduzir o jogo para a língua local).

Através desses parceiros o Hattrick foi capaz de desenvolver uma importante vantagem competitiva – a presença local – e pôde ainda manter sua gestão centralizada. A principal vantagem deste modelo organizacional é a maior facilidade de internalização de competências ao longo dos mercados, visto que todas as decisões estratégicas continuam concentradas na gestão da empresa na matriz.

Como proposto por Waheeduzzaman e Dube (2004), o grau de centralização, a visão estratégica e o modelo de relacionamento entre matriz e filiais resultantes desta configuração organizacional e de seus componentes foram em parte responsáveis pelos bons resultados atingidos pelo Hattrick até o momento e afetam ainda hoje o cotidiano de seu processo de internacionalização.

Ao mesmo tempo, como previsto por Hise e Choi (2004), a situação financeira do Hattrick desde seus primeiros anos, durante os quais muito pouca receita era gerada o que fazia com que não fosse possível arcar com grandes e custosas ações de adaptação, fez com que este modelo original que surgiu como estratégia emergente em resposta ao rápido crescimento de usuários locais e internacionais se replicasse ao longo das sucessivas empreitadas internacionais do Hattrick.

O uso de voluntários, no entanto, é uma atitude arriscada pois delega-se muito da operação para pessoas que não estão diretamente ligadas à empresa e que, portanto, não podem ser propriamente penalizadas ou responsabilizadas no caso de erros ou problemas. Para controlar este risco necessário, a administração do site conta com três principais métodos: o uso de direitos administrativos, o chamado círculo de confiança e a presença da comunidade.

Direitos administrativos consistem na listagem de permissões que cada voluntário têm, determinando em qual parte do site este pode atuar e quais suas atribuições ao fazê-lo. É um ferramenta muito comum mas incapaz de prevenir a maioria dos erros acidentais ou propositais que ocorrem. Um voluntário responsável pela tradução, por exemplo, não tem como banir usuários mas, ainda assim, pode errar ao traduzir parte do texto ou incluir algum tipo de conteúdo inapropriado a fim de prejudicar o Hattrick ou se beneficiar de alguma maneira.

Já o círculo de confiança, como posto pelo próprio entrevistado, consiste no fato de se convidar apenas usuários com longo tempo de jogo (e, portanto, já muito envolvidos) para serem voluntários. Além disso, para posições realmente relevantes, apenas são voluntários aqueles que têm a confiança pessoal da administração. Não que seja possível conhecer a todos, mas existe sempre uma cadeia de referências construída: ainda que a administração não conheça pessoalmente todos os voluntários envolvidos na operação do Hattrick, conhece os recrutadores e confia em seu julgamento.

Finalmente, o terceiro método de controle do trabalho dos voluntários do Hattrick – e o mais eficiente – é a supervisão da comunidade. Se por alguma razão algum erro ou alteração – intencional ou não – for de fato publicada no site, os usuários reportarão este erro à administração central e o mal será prontamente desfeito, com os status originais recuperados de um backup anterior à modificação. Fica óbvio que, quanto mais usuários existirem em determinado país, mais rapidamente qualquer erro será percebido e notificado – e visto que provavelmente mais usuários serão afetados.

Entrevistador: Você diz que confia nos voluntários. Você tem algum tipo de processo para verificar o seu trabalho, para ter certeza de que a intenção deles é realmente boa?

Johan Gustafson: Há várias etapas para garantir isso. Nós temos alguns requisitos anteriores e verificamos o histórico, porque eles estão em contato com dados dos usuários e temos também um contrato de privacidade de acordo com a legislação europeia... Mas mais importante, eu acho, é o círculo de confiança. Eu não conheço cada voluntário pessoalmente, mas conheço vários e confio em seu julgamento. Você escolhe as pessoas que se adequam a um determinado perfil de comportamento responsável. E depois, claro, também temos muitas checagens porque os voluntários poderiam prejudicar muito o jogo ou o sistema.

Entrevistador: Então, um trabalho voluntário é sempre supervisionado por alguém?

Johan Gustafson: Não é isso. Eu acho que tem a ver com o tipo de direitos administrativos que damos. Então, se você nos ajuda com as traduções, é claro que você pode entrar e apagar uma tradução ou traduzir em algo ruim, mas, então alguém iria perceber isso e que alteraríamos a partir de um back-up. Não há realmente nenhuma razão para esse tipo de comportamento. E, claro, há também uma avaliação feita pelos seus pares, no sentido de que, se alguém faz algo inadequado, outros membros da equipe, outros voluntários, vão reagir, porque isso faz o trabalho deles parecer ruim.

Neste ponto, cabe a questão de o quê motiva estes voluntários a dedicar seu tempo e conhecimento para ajudar o Hattrick a crescer em seu país. Além do reconhecimento recebido no mercado local, onde os voluntários assumem a posição

de representantes máximos do Hattrick, há também uma motivação de ordem comunitária. Em linha com o que a administração central do Hattrick propõe ser seu principal motivador, ajudar os outros usuários da comunidade a obter uma experiência melhor é, segundo o entrevistado, a principal fonte de motivação dos voluntários envolvidos com o Hattrick.

Johan Gustafson: Nós tivemos um progresso muito bom com os voluntários na comunidade. E, também, grande parte tem a ver com o fato de que isso não é algo que você faz para si mesmo. Essa é a motivação que você tem que ter, quero dizer, você faz um bom trabalho pelos outros, para os usuários ou até mesmo pelo ato de fazer, porque é uma comunidade muito boa em si. Estes voluntários, temos as festas e temos os fóruns e é possível fazer alguns amigos muito legais lá. É interessante, é uma maneira interessante de usar o Hattrick para criar alguns propósitos e tentar promover uma comunidade agradável.

Entrevistador: É verdade. Eu sentia isso quando eu estava jogando. Eu me sentia incluído em algo maior, e eu tenho certeza que os voluntários experimentam isso ainda mais profundamente.

Johan Gustafson: Com certeza. ...

Entrevistador: O envolvimento em fazer parte da criação de algo, deve ser uma honra ser um voluntário, e contribuir dessa maneira... Johan Gustafson: Sim, sim. Também é algo que vem de nós, porque damos status aos voluntários, deixamos clara a sua importância na comunidade. É como uma recompensa interna

Entrevistador: Sim, exatamente. Ter o prefixo de GM antes do seu login... Isso é uma grande recompensa.

Johan Gustafson: Sim, isso é para a clareza que as pessoas saibam quem você é. Mas eu tenho certeza que ele também é visto como um reconhecimento.

Entrevistador: Exatamente, ele demonstra respeito.

Atualmente é possível observar que o Hattrick é uma empresa que já tem a internacionalização de suas operações como parte essencial de seu modelo de negócios, se expandindo sempre que a oportunidade em um novo mercado interessante surge. Isto está em linha com o defendido por Cavusgil e Zou (1994) de que companhias devem institucionalizar sua atividade internacional, oferecendo constante comprometimento por parte da gestão e cultivando competências internacionais em seus funcionários e parceiros – no caso, nos voluntários.

Seguindo o estudo de Cavusgil e Zou (1994), cabe analisar a empresa e o ajuste das estratégias de marketing internacional a suas características internas de acordo com três construtos: competência internacional, experiência da firma com o produto e comprometimento da administração com a empreitada. No caso do Hattrick, observamos uma empresa que em poucos anos conseguiu uma posição de

líder em vários dos mercados nos quais atua, realizando a entrada em novos mercados de maneira padronizada e muito eficiente; que lida com uma gama reduzida de produtos mas que é toda gerida de maneira centralizada e, portanto, muito próxima à administração da empresa; e cujo crescimento é orgânico e em muito impulsionado pelas maiores oportunidades encontradas em novos mercados, através do emprego constante de uma estratégia de internacionalização reativa.

Existe ainda outra vantagem da padronização de estratégias de marketing observada no Hattrick. Como apontaram Hise e Choi (2004), tal padronização é devida à necessidade de manter a estrutura corporativa enxuta mas também pelo fato de as estratégias originalmente implementadas no site para seu crescimento local terem sido bem sucedidas ao impulsionar o crescimento internacional nos primeiros anos da empresa. Cabe observar que o benefício de se manter este modelo de negócio através do apoio de usuários voluntários e assim adquirir experiência internacional incremental ao longo dos anos, além de conseguir uma grande base de clientes e um bom market-share, fez com que o Hattrick se posicione em um ponto mais avançado da curva de aprendizado, facilitando ainda mais futuras empreitadas internacionais.

Enfim, a expansão da companhia rumo a mercados estrangeiros permitiu a criação e movimentação de conhecimentos adquiridos, de experiência corporativa e de vantagens competitivas entre os mercados locais e, assim, como disseram Alimiene e Kuvykaite (2008), influenciou fortemente a evolução da estratégia e das táticas da empresa como um todo, bem como os resultados positivos alcançados.