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o encontro entre a escola e os pais

No documento Volta ao mundo em 13 escolas (páginas 58-63)

Na Politeia, as pesquisas representam o pontapé inicial dos estudos. Na Amorim Lima, encontramos como essência do dia a dia os roteiros de pesquisa, realizados em salões nos quais os alunos se distribuem em grupos de cinco integrantes.

No caderno de pesquisa do 8º ano da Amorim Lima, os sete roteiros apresentados são: comunicação e memória, consumismo, digestão, o po- ema e o tempo, respiração, ritmos da vida e energia, e sangue e excreção. Em cada um dos roteiros, há uma série de objetivos a cumprir, como “conhecer um exemplo de epopeia” ou “entender a importância da saliva e dos dentes na digestão”, com indicações de textos e tarefas diversas.

Os alunos escolhem por onde começar. Mais da metade do tempo na escola é dedicado aos roteiros - é um estímulo perene à pesquisa. Para alguns alunos, é difícil se adaptar à proposta, pois ela exige um exercício consciente e ativo da capacidade de escolha. Para outros, a hora do salão é o ponto alto da escola, um momento de exercício de liberdade de esco- lha que lapida a autonomia. Afinal, os alunos não precisam se prender ao que está no roteiro. Há quem decida criar grupos de estudos sobre certos temas, quem invente atividades a partir do que é sugerido.

“O bom desta escola é que sempre tem novidades”, conta Sofia, 11 anos. Além do tempo no salão, os alunos frequentam oficinas de artes, matemática, português, educação física, latim, grego, violão, trabalho de conclusão de curso (TCC), entre outras. O latim e o grego, por exemplo, entraram recentemente na rotina do 4º e 5º anos, por meio de uma par- ceria com a Universidade de São Paulo (USP). As novidades menciona- das por Sofia dizem respeito às aproximações que a escola constrói com

diversos atores sociais, de universidades a organizações não governa- mentais, de empresas a pessoas físicas.

Em pleno sábado de manhã, encontramos na Amorim Lima o se- nhor Alcides de Lima, um mestre de capoeira que desenvolve oficinas para crianças, adolescentes e pais. Os participantes escrevem as letras de músicas da capoeira, leem textos de literatura e criam versos, desen- volvendo um olhar poético sobre essa arte. “As escolas não entendem a cultura tradicional. Já está na hora de a cultura tradicional ter o mesmo peso da acadêmica”, diz mestre Alcides, que é também professor da USP e fundador do Centro de Estudos e Aplicação de Capoeira (Ceaca). Um dos resultados das oficinas o livro Cultura e educação, lançado na pró- pria escola. “A capoeira é um disparador para entender a nossa cultura”, ressalta Alcides.

Dias antes, presenciamos uma reunião entre cinco mulheres no refei- tório da escola. Esse encontro simboliza uma das principais caracterís- ticas da Amorim Lima: a parceria com os pais. Sentamos ao lado delas, sem saber que se tratava de uma reunião da comissão de alimentação. Elas estavam provando a merenda da escola para verificar a qualidade. Discutiam quais os pontos positivos e negativos da refeição, que naque- le dia era composta por arroz, feijão, purê de batatas e carne de soja, servida às 9h30. Não gostaram muito da carne de soja e achavam que, por ser um almoço, devia ser servido mais tarde. “A diretora disse que há possibilidade de mudar o horário do lanche. Então, minhas amigas, insistam”, disse uma mãe a suas parceiras voluntárias. O grupo tem dois anos e nasceu com a motivação de diminuir o desperdício de alimentos na escola. “A gente já pensou em algumas ações, como passar um filme sobre obesidade infantil para os pais”, disse uma das mães.

Há comissão para alimentação, festas, formatura, entre outras. O grupo de trabalho que se dedica ao tema da autonomia da escola, por exemplo, existe para discutir as diferentes modalidades de autonomia previstas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que rege a educação no Brasil – autonomia pedagógica, administrativa e financeira. “As autono- mias estão interligadas, precisamos distinguir o que é cada uma”, refletiu o pai Ederon Marques no início de uma reunião da comissão. “Por que a escola quer ser autônoma? Precisamos nos questionar profundamente

#cultur

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adicional #c

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a #autonomias

sobre nossos objetivos. É para criar um estudante autônomo?”, interro- gou uma educadora. “Até aonde a gente pode ir? Até aonde a gente quer ir?”, completou Cleide Portis, outra professora, que trabalha na Amorim Lima desde a época inicial das mudanças no projeto. “Em uma rede de escolas, não precisa ser todo mundo igual”, reflete Ana Elisa.

“Nossa escola se inspirou na Escola da Ponte, mas não havia receita pronta. O que existe hoje foi construído a partir do que acontece aqui”, ressalta Cleide. Cada comissão acontece com uma periodicidade parti- cular, ora com um número maior de participantes, ora em grupos meno- res. A conversa sobre a autonomia, por exemplo, envolveu dez pessoas.

Se nas comissões todos podem ser ouvidos, nos encontros de me- diação de conflitos – organizados mensalmente –, todos podem ser mediadores. O mote deste outro grupo é incentivar diálogos produ- tivos, trazer problemas da escola para discussões. É quase como um curso de formação para pais, para que eles se percebam aprendizes também. “Os encontros de mediação promovem mais um momento na escola no qual todos são convidados a se escutar”, ressalta Ana Lu- cia Catão, profissional da área de mediação de conflitos responsável por esse projeto.

No dia em que participamos da roda de mediação, a discussão gira- va em torno das dificuldades para desenvolver o diálogo no grupo de trabalho focado no tema da autonomia da escola. Como certos partici- pantes emperravam o fluxo da conversa, o desafio era abordar o assunto por outros olhares, buscar um ponto em comum que os unisse. Uma das perguntas em pauta nos marcou: “A escola existe para o professor, para o aluno ou para a sociedade?”.

a descoberta

Depois de conhecer duas escolas com abordagens democráticas, gos- taríamos de levar a discussão para uma questão prática: se outras es- colas públicas brasileiras quiserem repensar seus projetos pedagógicos, como fez a Amorim Lima, e replicar práticas como a Trilha Educativa da

Politeia, elas continuariam inseridas dentro do sistema formal. Um dos pontos-chave a ser entendido é que os limites da educação brasileira, oficializados na LDB, são mais amplos do que se imagina.

A lei dá autonomia para que as escolas experimentem processos mais significativos para as suas realidades, com liberdade para que outros for- matos sejam colocados em prática. Separamos dois artigos da LDB que ilustram o potencial de inovação a ser explorado:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão de-

mocrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos es- colares ou equivalentes.

Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares

públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.

“De acordo com suas peculiaridades” é uma expressão sutil, porém valiosa. A lei possibilita que as escolas sejam planejadas de acordo com suas demandas locais, que não é obrigatório seguir um modelo único e massificado. Ou seja, qualquer escola pública tem abertura para criar um projeto pedagógico diferente. “Existem enormes possibilidades de mudança que as escolas podem colocar em prática agora”, ressalta Ana Elisa. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o educador José Pa- checo chegou a provocar as pessoas sobre o assunto: “Quem tem medo da autonomia dos colégios?”. Para Pacheco, quando uma escola exerce sua autonomia, a educação se torna mais barata e a pedagogia se sobre- põe à burocracia.

Em conversa com ex-alunas da Amorim, que hoje estudam rádio e TV, educomunicação e direito, ouvimos uma defesa enfática: “Temos orgulho de dizer que viemos de uma escola pública”. Mesmo depois de anos sem provas, elas se acostumaram com a dinâmica de avaliações

#mediaç

ão #

ldb

#mudanç

a

quando seguiram para outras escolas no ensino médio e, agora, na fa- culdade. Claro que nem todos se adaptam tão rápido, cada um tem um perfil. O que há de mais substancial nessas abordagens democráticas reside ainda em um questionamento maior: “Quem disse que é preci- so se adaptar ao mundo que está aí? Precisamos de pessoas dispostas a construir o novo”, lembra a educadora Helena.

Em meio a tantos desafios, Ana Elisa compartilha o grande acha- do da sua carreira: “A maior descoberta é caminhar com o outro”. Um achado que envolve tanto o contato com as contradições que cada um carrega quanto o frescor e a energia da liberdade compartilhada.

No documento Volta ao mundo em 13 escolas (páginas 58-63)