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Massachusetts, Estados Unidos

No documento Volta ao mundo em 13 escolas (páginas 116-120)

L

ogo que entramos no North Star, vimos de longe um garoto com cerca de 14 anos, passando pela recepção com uma camiseta que estampava a seguinte frase em suas costas: “Aprendizagem é natural. Es- cola é opcional”. Não estamos em uma escola. O lugar que visitamos se autodenomina um centro de aprendizagem autodirecionada, uma opção para famílias que escolhem conduzir a formação de seus filhos com mais autonomia, pautada em seus próprios interesses. “O objetivo principal do centro é estimular os adolescentes a viverem uma vida com mais sentido. Convidamos as pessoas a repensarem seus preconceitos sobre aprender, e queremos auxiliar os pais a lidarem com seus filhos nesta maneira de aprendizagem”, comenta Ken Danford, cofundador do North Star.

Chegamos na semana de inauguração do 17o ano, que juntou deze-

nas de pessoas na pequena cidade de Hadley, em Massachusetts, Estados Unidos. É um belo dia de verão no início de setembro. Os cômodos de uma simpática casa de madeira se enchem de pais, adolescentes, crian- ças, professores, voluntários, ex-participantes e interessados pelo come- ço da nova etapa. Do lado de fora, um jardim recém-plantado chama a atenção de todos por sua beleza, repleto de enormes margaridas e outras flores vibrantes, além de uma horta lateral.

Ao subirmos a escada que leva à parte interna do centro, encontra- mos Isabel, 13 anos, aguardando sentada pelo início do dia. “Amo o fato de este lugar parecer uma casa, e não uma escola. Hoje é meu primeiro dia aqui, e já me sinto bem-vinda”. A casa, repleta de pessoas, parece um espaço para atividades de férias. O North Star é como um clube de aprendizagem para adolescentes de 12 a 18 anos que optam por apren- der fora do ensino formal. Trata-se de um espaço que proporciona inú- meras experiências enriquecedoras e encontros cujo propósito é expan-

Espero que a educação cada vez mais tenha

menos a ver com os educadores, e mais a ver

com viver a vida. A educação não pode ser

separada da vida, ela é a própria vida.

JONAH MEYER, 18 ANOS, EX-ALUNO E ATUAL PARTICIPANTE DO CONSELHO DO NORTH STAR

#e

stilode

vida #autonomia #ensinoinf

ormal

dir o repertório de vida de seus participantes, convidando-os para um estilo de vida mais livre.

Ainda no período da manhã, fomos surpreendidos pela melodia de uma flauta tocada por John Sprague, professor e especialista em cultura da paz. Tocando uma música simpática ao caminhar por diferentes cô- modos, John chama as pessoas para dentro. O primeiro cômodo depois do salão de entrada é uma sala ampla, de madeira, com um ar acolhedor. Sofás e poltronas confortáveis misturam-se a cadeiras. Em uma das pa- redes, há uma janela com vista para o jardim e um mural ocupado por fotos, papéis e avisos. Os pais, estudantes, voluntários e a equipe de fun- cionários do North Star atravessam o cômodo – conhecido como sala de convívio –, e pouco a pouco ocupam os assentos do salão ao lado, a sala de música.

A presença de um novo participante na reunião inaugural torna o momento ainda mais singular. O membro recém-chegado é Noah, 12 anos, filho do cofundador Josh Hornick, com idade para integrar as ati- vidades do centro, sinalizando o amadurecimento do espaço, concebido em uma época em que Noah nem sequer havia nascido.

A cerimônia foi tomada por uma série de falas emocionadas. “Sei o quanto a decisão de sair de uma escola pode ser assustadora, como se você estivesse entrando em um lugar escuro. Dar um passo neste outro

Manhã na sala de convívio do centro, onde adolescentes ocupam o tempo da maneira que escolherem

paradigma é muito grandioso. É escolher um estilo de vida em que re- aprendemos a interagir com a nossa família”, disse Catherine Gobron, diretora de programação do centro. Aquela celebração pontilhada de de- clarações espontâneas deu o tom do encontro: um espaço aberto, cons- truído com afeto e envolvimento coletivo.

Um pai desabafou: “Eu não teria ideia do ‘primeiro passo’ para fa- zer sozinho esta mudança com o meu filho. Então, agradeço bastante ao North Star”.

Inquietações

A dupla Ken e Josh Hornick se conheceu em 1994, quando os dois eram professores em uma escola pública nos Estados Unidos. Josh cos- tumava comentar: “Parece até que estou ensinando os alunos a odiarem ciências”, referindo-se ao formato padronizado de suas aulas. O descon- forto era compartilhado por Ken, que também incomodava-se com o desinteresse dos estudantes em sua aula de matemática. “Não me sentia no direito de dizer a meus alunos que suas vidas estariam arruinadas caso não fossem à escola, especialmente porque eu mesmo questionava se isso era uma verdade absoluta”, diz Ken.

A carreira de Ken como funcionário público parecia promissora, mas ele não acreditava que conseguiria alterar as estruturas da escola na qual era professor. A resposta ainda não era clara, mas sabia que havia outras possibilidades para ensinar aqueles jovens descontentes e desmo- tivados. A vontade de mudar ganhou mais força depois da leitura de um livro indicado por Josh: The Teenage Liberation Handbook: How to Quit School and Get a Real Life and Education (“Guia da libertação adoles- cente: como largar a escola e ter uma vida e educação reais”, sem tra- dução em português), da educadora norte-americana Grace Llewellyn. Lançado em 1991, o livro encoraja os adolescentes a saírem da escola para se dedicar a atividades pelas quais se interessem. É um livro que toca nos pontos principais de uma prática e filosofia pautadas na de- sescolarização (unschooling) e ensino domiciliar (homeschooling) – que

#de

se

sc

olariz

ão #ensinodomiciliar #supor

te

envolvem percursos de aprendizagem informais, não ligados a escolas. “Confesso que, no começo, o livro e o tema me causaram estranha- mento. Estava chocado e ficava me perguntando: ‘Como os jovens vão estudar sem a minha ajuda? Sem pessoas como eu, sem professores e colégios?’ Acabei acreditando que isso era possível”, afirma Ken. Inspi- rados pelo livro de Llewellyn, e ainda com muitas inquietações, Josh e Ken despediram-se da escola na qual lecionavam e deram forma a um sonho: a criação de um programa que oferece suporte a estudantes que desejam uma opção ao ensino tradicional.

Em junho de 1996, os dois educadores convocaram uma primeira reunião na pequena cidade de Amherst, no estado de Massachussets – com a presença de 80 pessoas, entre pais, estudantes, educadores e curiosos –, para escutar a proposta dos dois empreendedores que beira- vam os 30 anos. “Não veio gente só da comunidade local, mas de todos os lugares”, conta Ken. No dia, apresentaram o centro de aprendizagem que inaugurariam em setembro. John, atual professor de matemática e meditação, foi um dos pais que se interessaram pelo convite. Na época, seu filho Tibet, 15 anos, era um dos alunos desmotivados de Ken. Pai e filho optaram por acompanhar o professor em seu novo projeto, como membros desde o o nascedouro da iniciativa.

O centro abriu as portas com 25 participantes inscritos. Hoje, pas- sados 17 anos, conta com a presença de 60 jovens. Preserva desde a sua origem a intenção de ajudar adolescentes a se autodirecionarem, para que descubram seu caminho de vida, sua “estrela-guia”.

No documento Volta ao mundo em 13 escolas (páginas 116-120)