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Endocrinopatias e o coração no tratamento do câncer infanto-juvenil

da criança oncológica

C Bloqueadores de canal de cálcio B

10. Endocrinopatias e o coração no tratamento do câncer infanto-juvenil

10.1. Efeitos endócrinos do tratamento do câncer na infância

Nos últimos 20 anos, com os avanços no tratamento de crianças e adolescentes com câncer, as taxas de sobrevida aumentaram satisfatoriamente e muitos desses pacientes tornaram-se adultos, com risco potencial para desenvolver precocemente doenças na vida adulta174. Mais recentemente,

entende-se que os efeitos endócrinos do tratamento do câncer dependem de uma interação entre diversos fatores: doença

per si, fatores inerentes ao hospedeiro (sexo e genética), versus

a terapia, cirurgia, quimioterapia (QT) ou radioterapia (RT). Particularmente, o atraso de crescimento, a obesidade e a síndrome metabólica (SM) configuram as complicações mais comuns após o tratamento para o câncer175-177.

10.2. Deiciência de hormônio do crescimento, crescimento linear e metabolismo

adulta nesse grupo de pacientes, resultando em deficiência do hormônio do crescimento (GH), frequentemente permanente, sendo dose e tempo-dependente178. Além do

crescimento linear, o GH também está implicado na regulação do metabolismo. A deficiência de GH induz geralmente distúrbios que lembram requerimentos da SM178.O aumento

da espessura íntima-média (EIM), um marcador intermediário para doença cardiovascular (DCV), tem sido descrito nas artérias carótida comum de crianças não tratadas e adultos com deficiência de GH, sendo inversamente correlacionada com os níveis de fator de crescimento insulina-like tipo 1 (IGF- 1), que por sua vez reflete o estado de secreção de GH179,180.

Em relação aos pacientes oncológicos, sobreviventes de LLA não demonstraram aumento da EIM e nem uma relação entre ela e a dose de RT cranial181. Por outro lado, pacientes

adultos tratados por tumores cerebrais na infância que receberam altas doses de RT cranial (>45Gy), apresentaram aumento da EIM no bulbo carotídeo181. Em estudo recente,

adolescentes e adultos jovens tratados por meduloblastoma com RT cranioespinhal ≥54Gy, portanto mais jovens e com menos tempo fora de terapia, não apresentaram aumento da EIM, nem associação com o estado de secreção de GH180.

10.3. Adiposidade e síndrome metabólica

A obesidade é uma complicação endócrina bem reconhecida, considerada tanto um efeito precoce quanto tardio do tratamento do câncer na infância, e relacionada a outras desordens endócrino-metabólicas, associada ao aumento da morbimortalidade por DCV176. Alguns tumores

são importantes no que se refere a adiposidade e alterações metabólicas, sejam eles a LLA e os tumores cerebrais, especialmente os craniofaringiomas e os submetidos a altas doses de RT cranial. Entretanto, outros tipos de tumores pediátricos também têm sido associados à ocorrência de obesidade (especialmente a obesidade visceral), bem como a outras características da SM, sejam elas aumento de triglicérides, diminuição da lipoproteína de alta densidade (HDL) colesterol, hipertensão arterial e hiperglicemia/ resistência à insulina (RI). Esse tumores incluem: sarcomas, linfomas, câncer de testículo disseminado, neuroblastomas, tumor de Wilms, e transplante de medula óssea (TMO), especialmente os submetidos à irradiação de corpo total (TBI)176-182.De acordo com a recomendação da Associação

de Cardiologia Americana, em colaboração com o Conselho para Doença Cardiovascular no Jovem, os pacientes tratados por câncer na infância são classificados como classe III, o que significa aumento do risco para DCV após os 30 anos de idade, o que tem por base evidências epidemiológicas179,181,182.

Diversos mecanismos têm sido assinalados como causa de ganho de peso e fatores de risco para SM nesse grupo de pacientes, tais como o efeito direto da QT e da RT no sistema nervoso central (SNC), resultando em modificações na sensibilidade à insulina e deficiências hormonais (deficiência de GH) e na regulação do apetite, alterações no metabolismo lipídico, insensibilidade à leptina, menor gasto energético (causado pela inatividade física), problemas psicossociais, alterações em sistemas não hormonais (metabolismo de magnésio), disfunção endotelial, do tecido adiposo e hiperhomocistinemia176,177 (Quadros 8 e 9).

Quadro 8 – Causas de ganho de peso nos pacientes tratados por câncer na infância

• Deficiência de hormônio do crescimento ou lesão hipotalâmica (causado por):

• Radiação cranial (12-24Gy) • Quimioterapia (menos frequente) • Rebote precoce de adiposidade

• Desregulação da leptina • Outros mecanismos

• História familiar positiva • Dieta inadequada

• Sedentarismo • Atividade física reduzida Fonte: modiicado de Siviero-Miachon et cols., 2009.

Quadro 9 – Principais alterações hormonais e não hormonais, decorrentes do tratamento do câncer na infância, e consequentes alterações metabólicas

Deficiências Hormonais Alterações Metabólicas • Deficiência de GH • Hipotireoidismo • Hipogonadismo • Ganho de peso • Obesidade visceral • Resistência à insulina • Hipertensão arterial • Dislipidemia • Alteração de adipocinas e citoquinas inflamatórias • Disfunção endothelial Sistemas Não Hormonais

• Deficiência de magnésio • Resistência à insulina • Hipertensão arterial • Disfunção endotelial Outros

• Atividade física diminuída • Síndrome da criança vulnerável • Alterações de comportamento e sono • Estresse • Obesidade • Resistência à insulina

Fonte: Siviero-Miachon et cols., 2008.

Por outro lado, trabalhos recentes não encontraram obesidade nos sobreviventes de LLA, apesar do emprego da RT e independentemente das suas doses, sugerindo que outros fatores (dentre eles, uma característica genética individual), além da RT cranial e do dimorfismo sexual, interagindo em conjunto com a doença e a terapia, possam modular o ganho de peso (e alterações metabólicas) nesses indivíduos176.

10.4. Hipotireoidismo

A disfunção da tireoide é um importante efeito tardio da terapia do câncer, especialmente após RT cervical (linfomas ou tumores cervicais), RT cranioespinhal (meduloblastomas) ou TBI (total body irradiation)175. O hipotireoidismo afeta

o sistema cardiovascular, seja através da influência sobre o coração ou dos efeitos adversos sobre os lipídios séricos,

aumentando o risco de desenvolvimento de DCV. O hipotireoidismo subclínico, um estado com níveis normais de tiroxina (T4), mas aumento do hormônio estimulante da tireoide (TSH) em concentrações acima de 5mUI/L, em indivíduos assintomáticos, está comumente presente em sobreviventes de câncer submetidos à RT cervical. Entretanto, esta condição não foi associada a maior risco para DCV na população pediátrica179.

10.5. Hipogonadismo

No geral, a deficiência de hormônio sexual, em ambos os sexos, está relacionada ao risco de desenvolver características de SM. Pode ocorrer como consequência de gonadectomia, dano direto da RT nas gônadas e/ou QT compreendendo drogas alquilantes ou compostos de platina. Até agora, os estrogênios e a testosterona são conhecidos por influenciar a composição corporal, metabolismo lipídico, tônus vascular e a pressão arterial181. Nas gônadas masculinas, a produção de

testosterona pelas células de Leydig é relativamente resistente a danos, mas a função reprodutiva pode ser prejudicada após RT ou QT alquilante. Por outro lado, nas mulheres, a RT e o tratamento citotóxico pode (parcial ou definitivamente) afetar tanto a função reprodutiva quanto a produção hormo- nal, resultando em falência ovariana prematura (FOP), com amenorreia ou menstruação irregular. No sexo feminino, a QT parece ser mais destrutiva para os ovários durante a pu- berdade, quando comparada com a mesma terapia durante a infância182.

10.6. Intervenções para redução do risco cardiovascular

As recomendações para evitar a SM e a aterosclerose precoce em sobreviventes de câncer são a reposição hormonal e a prevenção primária (ou secundária) da disfunção endotelial. A prevenção primária compreende a prevenção de deficiências hormonais e/ou lesão endotelial direta com medidas, tais como: cirurgias mais limitadas, redução da dose da QT, evitar QT gonadotóxica, além da administração de medicamentos alternativos. A prevenção secundária abrange a reposição das deficiências hormonais, o tratamento da disfunção endotelial relacionada com a terapia (RI, dislipidemia, suplementação de Mg+2) e, finalmente, a triagem para SM, além do tratamento específico da condição alterada183,184.

11. Nefropatias e o coração no tratamento