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Enfrentamento ao machismo nos espaços sócio-ocupacionais

3.3 Análise das entrevistas

3.3.2 Análise da incidência do feminismo socialista sobre o trabalho profissional

3.3.2.5 Enfrentamento ao machismo nos espaços sócio-ocupacionais

Nesse quesito, indaga-se, às participantes, como tem ocorrido o enfrentamento das expressões do machismo em seus espaços de trabalho.

A Participante A, que trabalha como coordenadora de um serviço de inserção produtiva, por meio da reciclagem, menciona que, por trabalhar com alguns comerciantes desse ramo, precisa, cotidianamente, quebrar paradigmas machistas em seu trabalho profissional:

[...] No meu trabalho, pelo fato de a gente articular muitas cooperativas e articular, por exemplo, comerciantes de material reciclável, coisas afins, então, sempre tenho uma situação, das pessoas desviarem de falar comigo para ir falar com o administrativo... “Não, eu quero isso, isso e isso e tal, com quem eu negocio?”, aí o administrativo vira e fala assim: “É com ela” (risos). Sempre tem uma quebra, assim, de paradigmas e aí as pessoas sempre tentam: “Não, então, é...” - como é que é? – “É lindíssima, gatinha, e que sei lá o que...”. E eu falo assim: “Meu nome é [...], sou coordenadora aqui do serviço e vamos começar a conversar a partir de agora”. Então, sempre tem uma coisa de tentar tratar a mulher pelos eufemismos, ou então pelos xavecos chavões, [...], para conquistar algumas coisas. E, isso, eu já quebro de pronto. [...] (Participante A).

Por seu posicionamento de classe, a Participante A acredita que precisa de mulheres e homens trabalhando juntos pelos/as usuários/as do serviço. Assim, ela rechaça a postura de profissionais que creem que o atendimento tem que ser feito apenas por mulheres (ou mesmo, apenas por homens):

[...] A minha equipe é mista, assim, a coordenadoria anterior tendia a montar uma equipe basicamente de mulheres. Isso também é prejudicial, então, a minha leitura de classe não permite achar que um mundo feito só de mulheres também seja um mundo bom... temos que conseguir nos relacionar e nos relacionar dentro das ações que temos e tudo mais..., por exemplo, eu tenho um educador social homem e outro mulher, eu tenho um técnico homem e outro mulher, ... eu tenho uma pessoa que está nos serviços básicos, uma mulher, e um homem. Então, eu sempre tenho... a equipe está muito dividida. E eu tenho um respeito muito bacana da equipe. [...]

Já no que tange ao atendimento, a Participante A menciona que, em alguns momentos, acredita ter recebido usuários que já haviam cometido abuso sexual no passado, por exemplo. Quando, nesses casos, há alguma insinuação, por parte de tais usuários, ela conta com o apoio emocional recebido desde a graduação em Serviço Social, visto que, por meio de uma disciplina sobre violência, aprendeu a se comportar ante algum tipo de tentativa de assédio:

[...] Já no atendimento dos participantes, algumas vezes, eu tenho aquelas coisas assim de vir, por exemplo, participante que, em algum momento, eu tenha acreditado que ele já possa ter sido um abusador, alguma coisa nesse sentido,... e que vai e começa a falar com você desenhando na mesa e se colocando que... aqui, temos uma formação bacana, eu fiz parte do núcleo de violência. Então, saber se posicionar quando uma pessoa quer se utilizar dos mecanismos de dominação numa conversa, de não levar o atendimento dele, por se sentir constrangida em algum aspecto, mas de colocar os padrões de que: “Olha, os limites dessas questões são estes”. “Eu sou, aqui, técnica, eu sou aqui coordenadora, eu sou aqui assistente social, então, entenda um pouco dessa limitação” e tal. E, de alguma forma: “Você está me constrangendo”... “Ah não, não queria te constranger, só porque eu falei que você está bonita hoje... e tal”. Eu falei: “Nananão, você está me constrangendo, vou pedir pra não fazer mais isso”. Então, eu sempre fui muito franca nas coisas que eu preciso ser. Sem entrar nos melindres da coisa[...] (Participante A).

A Participante A, por mais que tome parte das lutas feministas e socialistas, acredita que, em alguns momentos, é preciso não levar adiante uma crítica tão contundente aos propósitos institucionais, ainda que, por vezes, eles possam parecer machistas. Essa “segurada”, conforme a própria expressão utilizada por ela, se dá dentro da articulação de estratégias para que o trabalho profissional consiga avançar em algumas circunstâncias:

[...] Eu consigo separar bem, tenho conseguido lidar bem, a não ser quando acaba sendo uma articulação que o mais essencial é eu conseguir a articulação do que eu mostrar para a pessoa, que ela está sendo machista e babaca, então, eu deixo as coisas de lado e vou avançando até onde eu preciso ir e em dados momentos eu situaciono o que preciso situacionar. Porque é muito. Quando começamos a enxergar tudo o que é machista, tudo o que se posiciona, todos os documentos, toda a estrutura, até mesmo porque eu estou numa organização que é da igreja católica. Então, toda a estrutura política dela também é machista. A estrutura social comercial é machista, as pessoas... como vamos fazer uma leitura se também não damos uma segurada; não conseguimos dialogar com mais ninguém, assim. E aí acaba ficando muito, o termo é misândrica48

, né? [...] (Participante A).

Já a Participante B, apesar de não vivenciar nenhuma situação de machismo em seu trabalho, acredita que o machismo está implícito em algumas práticas coletivas da própria categoria, como congressos e encontros. Neles, de acordo com a Participante B, os homens,

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apesar de ser minoria no Serviço Social, sempre realizam a abertura dos eventos, sobretudo daqueles de maior expressão.

Vemos nos espaços de militância, você pode perceber, na própria categoria profissional: quem senta nas mesas para falar? [...] se chegar num evento, na mesa, tem três, quatro caras falando; meu, coloca uma mulher ali para falar: “Nossa, tem uma mulher ali”. Numa categoria que tem muitas pessoas, muitas mulheres que formulam para caramba, que são ínteligentíssimas, mas aí ficam sempre naquelas mesmas pessoas, naqueles mesmos homens referência que falam. Então, reproduzimos na própria categoria. Eu me questiono. Quando cheguei no CBAS, tinha uma mesa só de homem, e falei: “E aí, galera, o congresso, de assistente social, tem que ter mulher” [...] (Participante B).

Apesar disso, a Participante B acredita que, dentro da categoria, há um movimento de resistência levado adiante pelas assistentes sociais feministas, o qual reafirma a luta contra o patriarcado e pelo fortalecimento da voz das mulheres. Nesse sentido, ela menciona de que forma conseguiu compreender o motivo das mulheres se sentirem tão “tímidas”, ou tão “nervosas”, quando falam em público:

[...] Apresentei meu artigo, na sala da Mirla Cisne [...]. E ela falou, que matou uma charada que eu falei: “Eu não pensei nisso antes”. Porque todas nós, que íamos lá na frente, “ai, tô super nervosa”. [...] Aí, quando foi esplanar sobre os artigos, ela falou assim: “Gente, antes de tudo, eu queria dizer que todas vocês apresentaram muito bem”. E eu fui uma delas, que fui lá na frente, eu estava falando, daqui a pouco, parei e falei: “Ah, gente, eu estou nervosa!” [...]. Aí ela falou: [...] “Nem percebi que você estava nervosa. Mas sabe porquê? Porque, para nós, mulheres, o mundo público é novo. Não é que seja novo. Sempre estivemos nos espaços públicos. Mas, aqui, segurando o microfone, falando, isso, para nós... não fomos educadas para fazer isso. Então, é muito comum que a gente se sinta envergonhada, tímida, estranhada, quando estamos nesses espaços falando. E isso só vamos quebrar, falando”. Aí, eu falei: “É verdade”. Uma coisa que pensamos que é timidez, que é nervosismo nosso, comum, normal. Mas nada é normal, tudo é construído. Assim, nosso meio constrói isso para nós, a vergonha, a timidez. [...] Achei fantástica a fala dela e hoje, toda vez que vou pegar o microfone pra fazer alguma fala, alguma palestra, em algum lugar, por mais que eu esteja nervosa, fico pensando: “Isso não é para mim. Eu posso fazer isso, eu posso fazer. Eu já fiz uma vez, posso fazer de novo” (Participante B).

Desta forma, a Participante B tem se fortalecido nos espaços de militância e de discussão da categoria, por meio da própria prática feminista socialista, a qual recusa qualquer forma de imposição de limites às mulheres.

3.3.2.6 Limites encontrados na formação profissional acadêmica, em relação à