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Limites encontrados na formação profissional acadêmica, em relação à contribuição

3.3 Análise das entrevistas

3.3.2 Análise da incidência do feminismo socialista sobre o trabalho profissional

3.3.2.6 Limites encontrados na formação profissional acadêmica, em relação à contribuição

Nesse quesito, todas as participantes foram unânimes em dizer que não houve contribuições importantes da formação acadêmica, na graduação, quanto à apreensão dos temas relacionados às lutas feministas socialistas.

A Participante A, formada na PUC-SP, informa que não ocorreram muitas reflexões na graduação sobre o tema, apesar de considerar que teve aulas com professoras excelentes, quando o assunto era a luta social. Parte de sua reflexão a esse respeito revela o porquê da própria Participante A não conseguir aderir às aulas relacionadas às discussões de gênero: ela preferia não entrar em alguns debates com o recorte apenas de gênero, já que rejeita o feminismo burguês:

Posso objetivamente dizer, por exemplo, que tive professoras fantásticas, que enfrentavam, que lutavam. Tive professoras que eram tutoras de diversas discussões de classe e tudo o mais, assim, professoras que realmente faziam o enfrentamento nesse sentido. Agora, quando houve algumas aberturas para discutir questões de feminismo, fugi um pouco. Muito com ranço do feminismo liberal, que eu tinha uma esgueira disso [...] (Participante A).

Além disso, a Participante A conheceu um grupo feminista socialista na gestão do Centro Acadêmico de Serviço Social (Cass) da PUC-SP. Conta que, por haver divergências políticas entre esse grupo e outros de esquerda, algumas discussões sobre o feminismo tomaram caminhos tortuosos:

[...] Talvez no Centro Acadêmico aqui, com alguns coletivos feministas que tínhamos alguma rivalidade política, eles tocavam a discussão pelo feminismo e eu achava complicado, porque colocava... boa parte do grupo de meninas estudantes num processo mais de histeria coletiva do que num processo de organização coletiva e isso me irritava muito. [...]. Eu achava importantes, por exemplo, as discussões que as meninas tocavam sobre aborto e tal, eu falava: “Tem que discutir esse negócio, as mulheres precisam discutir esse negócio”. Agora, eu não conseguia entrar naquele hall porque estava sendo construída também a base política delas

naquilo. E as meninas, quando iam fazer o enfrentamento de volta, por vezes, em algumas falas minhas, falavam assim: “Você é machista, você nem parece mulher falando”. Eu falava assim,... era uma retaliação às avessas, entende? Porque, pelo fato de eu tentar pautar um pouco mais as falas, deixar elas organizadas e políticas, no enfrentamento, e sendo de mulher para mulher, elas acabavam me colocando num papel de homem. Essas inversões aconteciam muito constantemente. [...] (Participante A).

Assim, por causa de algumas rivalidades políticas, de acordo com a Participante A, ela era colocada, pelas militantes do outro grupo, como machista, o que fez com que evitasse

tais discussões. A Participante A também chegou a participar de algumas aulas sobre violência contra a mulher, o que lhe causou desconforto:

No núcleo de violência da qual fiz parte, discutimos muitos aspectos das mulheres que sofrem violência. [...] Mas aquilo me machucou bastante, assim,... o núcleo foi uma experiência de sofrimento (risos) para mim ... porque eu me aproximava muito das pessoas que sofreram de alguma violência. [...]. Tanto que uma coisa que não trabalho é com violência de gênero. Eu me distancio para preservar a integridade mental (risos), nesse sentido (Participante A).

Além disso, acredita que o movimento feminista, em si, deve ser mais estudado nos cursos de graduação em Serviço Social, uma vez que as conquistas do movimento foram importantes não apenas para que os direitos femininos se ampliassem, mas para que o Serviço Social mudasse sua concepção a respeito das demandas das mulheres. Quando estava na graduação, a Participante A conta que teve disciplina sobre movimentos sociais, mas em nenhum momento estudou o movimento feminista:

[...] É importante que os espaços de formação sejam permeados pelas questões do feminismo, de uma forma mais clara. Mas, tive uma disciplina de movimentos sociais e em nenhum momento as pautas dos movimentos sociais foram o feminismo, o movimento feminista. Faria uma grande diferença, né. Por mais que tenhamos grandes movimentos sociais nacionais, como, por exemplo, o MST, os movimentos de moradia; hoje, o Passe Livre também é um movimento muito significativo no cenário, dada a luta do ano passado, mas o movimento feminista, historicamente, foi transformador da relação das mulheres da sociedade, e do olhar da categoria sobre as temáticas sociais. Então, precisa ter um carinho maior pela coisa, antes que se perca [...] (Participante A).

A Participante B concorda com a Participante A de que há muitas lacunas relacionadas aos estudos sobre gênero e classe, tanto nos cursos de graduação, como nas próprias diretrizes curriculares do Serviço Social, como já discutido no segundo capítulo:

Teve lacunas, não tenho dúvidas. Porque, inclusive, tem dois trabalhos de TCC, de duas colegas da Unifesp, que uma [...] discute o feminismo e a matriz curricular do Serviço Social. [...]. Como base, ela usou aquele livro da Mirla [...] e [...] outras coisas [...]. Mas ela colocou em xeque a grade curricular do Serviço Social, porque ela fala: “Puxa vida, estamos numa profissão, numa categoria em que temos maioria de mulheres e não é discutido o feminismo dentro disso; a mulher negra, então, nem existe nessa discussão”. Porque aí, a junção do racismo, é óbvio que o racismo não atinge só as mulheres negras, mas atinge, com muito mais força, as mulheres negras, e a questão da homofobia, da lesbofobia [...]. E, na minha visão, existia e existe ainda essa lacuna (Participante B).

Ela menciona que teve acesso a poucas reflexões a esse respeito quando estava na faculdade, mais especificamente no terceiro semestre e por apenas um semestre:

Foi no terceiro, se não me engano, Lú. Terceiro semestre. Mas mesmo assim não dá conta, porque foi só um semestre. E... eu me lembro quase nada dessas oficinas. Muito do que eu aprendi sobre a discussão do feminismo, a questão étnico-racial, que, mesmo assim, ainda sou muito fraca, e falo:“Preciso ler mais, preciso me

aprofundar mais nessa questão étnico-racial”. Tenho ainda um discurso muito frágil. Na faculdade não deu conta, foi fora mesmo. Sobre o feminismo, sobre a questão da mulher, de gênero, de construção social do gênero, tudo isso foi fora. Foi na militância e aqui, na Casa Viviane. Na faculdade, eu me lembro pouquíssimo, mesmo. Então, étnico-racial, nem se fala. Sobre racismo, muito pouco, muito pouco mesmo. E, até hoje, considero ainda que tenho um discurso muito frágil, preciso me aprofundar mais, estudar mais. Até para compor com as companheiras, na luta aí(Participante B).

Nesse caso, a oficina de Gênero e Raça/Etnia - ministrada de maneira conjunta e vinculada a uma disciplina, e de participação obrigatória – não ofereceu, à Participante B, os elementos necessários para o trabalho com a população atendida, precisando recorrer aos estudos realizados pelo próprio movimento ou pela Casa Viviane, para atender de forma qualificada às usuárias.

Da mesma forma, a Participante C, que fez a Graduação na Unicastelo, assim como a Participante B, menciona que teve de recorrer aos estudos feministas socialistas propostos pelo movimento no qual se insere, não recebendo nenhum apoio teórico da faculdade. Para ela, essa ausência de suporte teórico na academia não se relacionou apenas à falta de discussões sobre a situação da mulher e, mais especificamente, sobre a mulher negra. Ela afirma que precisou recorrer aos espaços de militância para buscar uma formação mais crítica em relação a todas as expressões da questão social, com as quais já teve contato em seu trabalho profissional.

Para ser honesta, boa parte da minha formação, do ponto de vista de desenvolver a criticidade e uma visão de totalidade das relações sociais... não tive na graduação ou em espaços da categoria, mas sim nos espaços da militância, não só no movimento de mulheres, mas movimento estudantil, movimento da população em situação de rua, que já cheguei também a acompanhar alguns debates. Eu me formei muito mais nesses espaços do que no espaço de formação profissional [...]

(Participante C).

Ela aponta que a disciplina que vinculava a questão de Gênero, Raça e Etnia, era ministrada de forma muito superficial e sem relação com os estudos de classe social. Diz que teve tal disciplina no quinto semestre e acredita que a ausência de tal relação fez falta para sua formação profissional. Assim como a Participante B, obteve essa formação mais crítica apenas nos espaços sócio-ocupacionais que lidam com as questões femininas e, mais especificamente, nos movimentos sociais dos quais fez parte e não apenas naquele de corte feminista e socialista.

[...] Na faculdade, tivemos seis meses de estudo de Gênero, Raça e Etnia, mas de forma muito superficial. Não foi um estudo atrelado à questão da classe. [...]. Eu estava no quinto semestre. Foi muito superficial; para dizer que teve a disciplina, que teve o debate, mas não ocorreu de forma que despertasse nos alunos essa

análise maior, nessa perspectiva de totalidade mesmo, de entender que a questão de gênero está atrelada à opressão do capital, opressão capitalista. Enfim, não teve isso. E na própria universidade em que eu estudei, por ser uma faculdade que não teve iniciação científica, enfim, que não tinha espaço para fazer pesquisa... isso deixou muito a desejar, na minha formação. Senti que deixou muito a desejar mesmo. Fez falta. Se eu não tivesse ido estagiar com mulheres vítimas de violência doméstica. Se não tivesse participado desses espaços de militância, não teria a visão que tenho hoje, a percepção que tenho hoje, assim. No horizonte socialista, da luta das mulheres, não só contra a discriminação de gênero, pela igualdade de direitos, mas pelo socialismo. Não teria isso (Participante C).

As assertivas das participantes sobre a ausência de formação relacionada ao gênero, à classe e raça/etnia, ou a sua realização de forma superficial, corroboram com as análises de Lima (2014) 49, para quem a análise específica sobre os temas apontados devem se dar logo

nos semestres em que os/as estudantes ingressam no estágio obrigatório (ou seja, a partir do quinto semestre). A autora também considera importante que tais temáticas componham todas as disciplinas, perpassando, de maneira transversal, as matérias relacionadas ao estudo da sociedade e da profissão, desde os primeiros semestres, com vistas a proporcionar a articulação entre os diversos temas apresentados no curso.

3.3.2.7 Relação dos/as assistentes sociais com os movimentos sociais, em geral, e com os