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Enquadramento geral: Aquisição de uma L2

CAPÍTULO IV AQUISIÇÃO/APRENDIZAGEM DE L2: CONCEITOS NUCLEARES

4.2 Enquadramento geral: Aquisição de uma L2

De acordo com Doughty e Long (2003a: 3-4), o escopo da área de investigação designada como Aquisição de L2 (Second Language Acquisition, SLA) é bastante amplo e poderá envolver os seguintes conhecimentos teóricos, metodológicos e heurísticos:

i) Conhecimentos teóricos sobre a aquisição de segunda, terceira línguas e dialetos, tanto por adultos quanto por crianças que se encontram em contextos naturais ou com instrução, quer por indivíduos quer por grupos em contextos de língua estrangeira/segunda;

ii) Uma variedade de métodos de recolha e análise de dados que incluem a observação nos contextos de aquisição (naturais ou com instrução), o uso de diferentes métodos experimentais de pesquisa, a análise do comportamento dos aprendentes nas tarefas diferentes, o tratamento qualitativo/quantitativo dos dados;

iii) Um grande leque de áreas de investigação, tais como a Linguística, a Linguística Aplicada, a Psicologia Cognitiva, a Comunicação, a Psicologia Educacional, a Educação e a Antropologia.

Embora seja uma área bastante abrangente e muito frutífera, a Aquisição de uma L2 é considerada uma área científica relativamente nova, porque vários autores (i.e., Gass & Selinker, 2008; Ellis, 2008) concordaram que o desenvolvimento e expansão dos estudos sobre a aquisição de L2 têm como início a segunda metade da década de 1960.

Desde que a Aquisição de uma L2 foi estabelecida como uma disciplina intelectual, têm surgido múltiplas teorias que incluem, do ponto de vista cronológico, as seguintes escolas principais: inatista (i.e., Modelo Monitor, de Krashen, 1978; 1982), generalista (i.e., Gramática Universal, de Chomsky, 1981; 1986) e cognitivista (i.e., Modelo Declarativo/Procedimental, de Ullman, 2001; 2004; 2005).

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Modelo Monitor (Krashen, 1978; 1982; 1985)

O Modelo Monitor, proposto por Krashen (1978, 1982, 1985), é uma das primeiras propostas de aquisição de uma L2 e a que provocou mais discussão até ao presente. Este modelo baseia-se nas seguintes cinco hipóteses sobre a aquisição de uma L2:

1. Hipótese de Aquisição-Aprendizagem

A diferença encontrada entre a aquisiçãoe a aprendizagem de uma L2 parece óbvia (Krashen, 1982: 10): a aquisição, processo subconsciente que envolve um mecanismo de aquisição de línguas, é inato e é responsável pela aquisição não só da L1 mas também da L2: a aquisição de uma L2, que é similar ao que acontece na aquisição da L1, também pode ocorrer de forma natural e espontânea. Na aquisição, não é obrigatória a instrução nem a intenção de aprender uma L2. Em contrapartida,

a aprendizagem é um processo consciente de obtenção de conhecimentos explícitos

sobrea L2, sendo tipicamente um processo que se realiza em contextos de instrução.

2. Hipótese de Monitor

Esta hipótese diz respeito à forma com a qual se correlacionam a aquisição e a aprendizagem no processo de assimilação de estruturas em L2. De acordo com Krashen (1985), os conhecimentos que advêm da aprendizagem poderão servir para monitorizar, rever ou corrigir os conhecimentos linguísticos adquiridos pelos aprendentes em L2 (resultados do processo de aquisição desta língua-alvo). Neste sentido, os aprendentes de L2 poderão avaliar, com conhecimentos obtidos através da aprendizagem, se as formas que utilizam estão corretas. Krashen (1985:2) ainda apresentou as seguintes duas condições fundamentais para o Monitor se encontrar ativado: a) o falante deve estar ciente da correção linguística; b) o falante deve conhecer as regras.

3. A Hipótese de Ordem Natural

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Krashen (1985: 1), a aquisição dos conteúdos gramaticais de uma L2 realiza-se seguindo uma ordem natural e previsível, que é independente do seu grau de complexidade e da ordem em que é ensinada em contextos de instrução.

4. Hipótese de input

A aquisição de uma L2 realiza-se quando se encontra exposto ao que Krashen (1985: 2) chamou de input compreensível, outro aspeto de elevada relevância para este Modelo. O input compreensível contém um input linguístico de nível superior do nível de proficiência do aprendente; por outras palavras, valida-se a aquisição com um

input lexical, semântica e sintaticamente (e não só) mais rico. Krashen (1985: 2), introduziu, ao definir o termo input compreensível, o elemento i, nível atual de proficiência do aprendente. Para que a aquisição da segunda língua ocorra de forma natural e espontânea o aprendente precisa de estar exposto a um input rico e compreensível, ligeiramente acima de seu nível de proficiência (i + 1). O input

compreensível integra, de forma espontânea e automática, o mecanismo inato de aquisição de línguas.

5. Hipótese do Filtro Afetivo

O input compreensível é necessário, mas não suficiente (Krashen, 1985: 2). Para

que a aquisição se realize, os aprendentes devem estar expostos ao input, sentindo-se, ao mesmo tempo, confortáveis na situação de aquisição e demonstrando uma atitude positiva em relação à L2. No caso de aprendentes em situações de stress, com baixa autoestima ou com uma atitude negativa em relação à língua-alvo ou cultura-alvo, os seus elevados filtros afetivos bloqueiam a interação do input compreensível com o mecanismo de aquisição de línguas.

Gramática Universal (Chomsky, 1981; 1986)

Esta hipótese sobejamente conhecida é proposta e desenvolvida por Chomsky (1981, 1986), autor que defende a existência de uma Gramática Universal (GU), que

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subjaz, de forma comum, às gramáticas particulares das diferentes línguas. Segundo este linguista, as variações entre as diferentes línguas enquadram-se dentro de certos limites designados como “princípios” e“parâmetros” (Chomsky, 1981). Para distinguir estes dois conceitos, Towell (1994: 61) esclarece que os “princípios” são “universal design features of human language, and the research of linguistics is to uncover and describe those principles” enquanto os “parâmetros” são “limited possibilities for variation allowed within the principles of UG”. Seguindo esta orientação, os “princípios”

são universais e invariáveis, ao passo que os “parâmetros” são variáveis e a sua variação é condicionada para cada língua dentro dos limites determinados pelos mesmos “princípios”.

Segundo a teoria chomskiana (1986), as crianças nascem com uma predisposição natural para a aquisição de línguas, o que é semelhante, por exemplo, à sua capacidade de aprender a andar. Esta predisposição natural, condicionada por um conjunto de “princípios” e “parâmetros”, permite às crianças a aquisição e o desenvolvimento dos conhecimentos linguísticos (em L1, por exemplo) durante os seus primeiros anos de vida. Também não se pode ignorar o ambiente a que as crianças estão expostas (o input), outro aspeto muito importante: desde que haja

input, as crianças não necessitarão de outros estímulos externos e a aquisição de línguas poderá realizar-se de forma automática.

A aquisição da L1 poderá passar por diferentes etapas, desde o estádio inicial (S0) até ao estádio final (SS), sendo este último correspondenteao nível de proficiência dos falantes nativos. Para melhor ilustrar este processo, apresenta-se o seguinte gráfico:

Gráfico 4.1 Modelo de Aquisição de L1 (White, 2003b: 3)

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crianças estão expostas poderá ativar a sua predisposição inata de aquisição e de desenvolvimento de línguas. Importa chamar a atenção para o facto de que, em regra geral, qualquer criança, independentemente da sua classe social e do grau de estimulação que recebe, é capaz de adquirir plenamente a sua língua materna, nos primeiros anos de vida, o que quer dizer que a criança consegue adquirir por completo

o sistema linguístico da L1 (ver também Cook, 1988: 50).

A aquisição da L1 é um processo que se realiza de forma automática e sempre de forma bem-sucedida, enquanto na aquisição de L2 o estádio final dos aprendentes adultos se apresenta, pelo menos na maioria dos casos, divergente da norma-padrão

da língua-alvo. Quanto à aquisição de uma L2, em particular no que diz respeito ao

estádio inicial da aquisição de L2 e à possibilidade de acesso à GU, surgem várias hipóteses que se apresentam detalhadamente na Secção 4.5.

Modelo Declarativo/Procedimental (Ullman, 2001; 2004; 2005)

O Modelo Declarativo/Procedimental (Ullman, 2001; 2004; 2005), de caráter neurocognitivo, foi inicialmente proposto para descrever a aquisição da L1 numa

abordagem neural, cognitiva e computacional. Este modelo estendeu-se, também, à

aquisição de uma L2, sendo proposto que a L2 é adquirida e processada por dois sistemas cerebrais: memória declarativa e memória procedimental.

Uma das principais premissas do Modelo Declarativo/Procedimental é a de existência de duas capacidades mentais: léxico mental e gramática mental (Ullman, 2004: 233-234). O léxico mental inclui palavras que um aprendente/falante conhece, informações relacionadas com estas palavras (por exemplo, se um verbo pede ou não complemento direto/indireto), e também informações relacionadas com morfemas e estruturas complexas (nomeadamente, as expressões idiomáticas). A gramática mental contém as regras que permitem a combinação de palavras, grupos verbais e nominais e de orações. Segundo Ullman (2004: 234-242), o léxico mental é armazenado/memorizado enquanto a gramática mental é computacional/operacional. Deste modo, importa destacar uma outra premissa

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fundamental para este modelo: a de correlação entre a distinção do léxico mental/gramática mental e a distinção entre memória declarativa/procedimental - o léxico mental é adquirido com a memória declarativa e a gramática mental com a memória procedimental.

Relativamente à aquisição de uma L2, encontra-se um elevado número de teorias

(umas com ligeiras diferenças e outras até contraditórias entre si), não sendo

exequível enumerá-las exaustivamente no presente trabalho. No entanto, tal como foi

referido, dado que a maioria das pesquisas datam de meados da década de 1960, a Aquisição de uma L2 é ainda uma ciência relativamente nova em evolução, sendo possível encontrar muita controvérsia neste campo (cf. Long, 2012: 139-149)1.