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Reflexas corporais/não corporais e construções de redobro

CAPÍTULO III COMPORTAMENTO SINTÁ TICO-SEMÂ NTICO DE SE

3.4 SE anafórico reflexo

3.4.2 Reflexas corporais/não corporais e construções de redobro

As estruturas reflexas poderão subdividir-se de acordo com critérios diferentes. Para melhor revelar as diferenças entre as estruturas em PE e mandarim, destaca-se, no presente trabalho, a distinção entre estruturas reflexas de ação corporal (III-47) e estruturas reflexas de ação não corporal (III-48):

(III-47) Ele sentou-se à mesa e começou a tomar café.

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De acordo com Ribeiro (2011: 104), as reflexas corporais descrevem situações em que intervém um único participante que age sobre o seu próprio corpo. Trata-se de situações naturalmente autocentradas (como em III-47), em que há grande expetativa de reflexividade, quando ambos os argumentos exibem o traço [+ humano]. Pelo contrário, as reflexas não corporais denotam situações em que há uma reduzida expetativa de reflexividade (como em III-48), mesmo no caso de os participantes exibirem o traço [+ humano]. Ribeiro (2011: 106) designa os verbos que ocorrem nas reflexas corporais como introvertidos, que se distanciam dos verbos extrovertidos, que menos frequentemente descrevem situações reflexas.

No que respeita às estruturas reflexas corporais em PE, Ribeiro (2011: 106-109) ainda propõe as seguintes subclassificações: (i) estruturas reflexas de ação corporal que denotam situações de cuidado e embelezamento corporal (III-49), (ii) as que codificam situações de mudança de posição corporal (III-50) e (iii) as que descrevem cenários de deslocação corporal (III-51):

(III-49) A Maria não sai sem seperfumar. (III-50) Ele costuma deitar-se muito cedo.

(III-51) Ele aproximou-se do espelho para ver melhor.

Nas estruturas reflexas não corporais ocorrem os verbos extrovertidos, que segundo a mesma autora, abrangem verbos das seguintes áreas semânticas: (i) verbos avaliativos (avaliar, criticar, etc.), ii) verbos declarativos (declarar, confessar, etc.), (iii) verbos declarativos de ordem (exigir, ordenar, etc.), (iv) verbos volitivos (desejar,

querer, etc.) e (v) verbos epistémicos (saber, supor, etc.).

Importa indagar se a distinção semântica entre reflexas corporais e não corporais se revela muito clara, e se na sintaxe os dois tipos de estruturas reflexas se comportam de mesmo modo. Como já foi anteriormente referido, nas reflexas corporais a expetativa de reflexividade é maior sobretudo quando os argumentos externos e internos se associam ao traço [+ humano], como no exemplo seguinte:

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(III-52) (a) Ele dobrou-se para beijar a criança. (b) *Ele dobrou o Luís para beijar a criança.

A inaceitabilidade da frase (III-52b) é óbvia, porque se espera normalmente que num verbo reflexo o argumento externo seja coincidente com o interno, uma vez que são ambos de traço [+ humano].

No entanto, também é possível a realização de verbos mais introvertidos nas estruturas não reflexas com ambos os argumentos com o traço [+ humano], como por exemplo:

(III-53) A mãe banha a bebé todos os dias.

(III-54) O neto sentou a avó no sofá para ela descansar um pouco.

Os exemplos acima apresentados justificaram a possibilidade de os verbos introvertidos ocorrerem nas estruturas não reflexas, mas em circunstâncias muito específicas (Ribeiro, 2011: 108): observa-se que nestas frases os referentes dos argumentos internos, de traço [+humano], não têm normalmente a capacidade de realizar independentemente estas ações (a bebébanhar-se em III-53, a avó sentar-se

em III-54) e os referentes dos argumentos externos funcionam como agentes adjuvantes e próativos.

Uma outra hipótese de ocorrerem os verbos introvertidos nas estruturas não reflexas é a seguinte:

(III-55) O médico chinês está a massajar o doente.

(III-56) Ela ganha bem por maquilhar as noivas na cerimónia de casamento.

A ação descrita das frases (III-55) e (III-56) envolve a profissão do argumento externo, ou um tipo de serviço que o argumento externo oferece ao argumento interno. Para resumir, a realização de estruturas não reflexas com verbos introvertidos também é possível, mas são casos muito particulares em que há certas restrições quanto à ação descrita ou aos referentes dos argumentos externos e internos.

É mais natural, com verbos introvertidos, as estruturas não reflexas envolverem um argumento interno destituído do traço [+humano], como nos exemplos seguintes: (III-57) A Ana lavao cabelo todos os dias.

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(III-59) Ele levantou-se, afastou a cadeira e foi à janela. (III-60) Ele levantou a cabeça e olhou curiosamente para mim.

Tendo em conta os seus comportamentos e propriedades muito particulares, Duarte (2013: 449) considera que as reflexas corporais não são verdadeiramente reflexas mas sim pseudo-reflexas8.

É importante chamar a atenção para os diferentes comportamentos que se verificam entre as reflexas corporais e as não corporais. Ribeiro (2011: 115) recorreu a dois testes para mostrar tais diferenças: i) incompatibilidade com a colocação da expressão a si próprio (III-62b) e ii) incompatibilidade com a prefixação auto- (III-62c):

(III-61) (a) O criminoso defendeu-se a na sentença.

(b) O criminoso defendeu-se a si próprio na sentença. (c) O criminoso autodefendeu-se na sentença.

(III-62) (a) Ele sentou-se no sofá e logo adormeceu.

(b) *Ele sentou-se a si próprio no sofá e logo adormeceu. (c) *Ele autosentou-se no sofá e logo adormeceu.

A inaceitabilidade das frases (III-62b) e (III-62c) é evidente: os verbos envolvidos nas reflexas corporais não são compatíveis com o uso da construção a si próprio e do prefixo auto-. Tal incompatibilidade também não causa estranheza, porque, tal como já apontado, as reflexas corporais contêm em si grande expetativa de reflexividade, razão pela qual o uso da expressão a si próprio e do prefixo auto- se revela muito redundante.

A construção de redobro a si próprio e o prefixo auto- são compatíveis exclusivamente com as reflexas não corporais, funcionando o primeiro, muitas vezes, para desambiguar o sentido, como em (III-63b):

(III-63) (a) Os criminosos defenderam-se na sentença.

(b) Os criminosos defenderam-se a si próprios na sentença. (c) Os criminosos defenderam-se um ao outro na sentença.

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Embora sejam diferentes as estruturas reflexas corporais e não corporais em PE, o uso de SE REFLEX manifesta-se obrigatório em ambas; caso contrário a frase revela-se inaceitável (III-64), mesmo com a prerevela-sença da expressão a si próprio (III-65). O mesmo não acontece em inglês e mandarim, em que é possível não se encontrar nenhum marcador nas estruturas reflexas que denotam uma ação corporal, questão que voltará a ser discutida na Secção 5.2.1.

(III-64) *Ele costuma levantar muito cedo.

(III-65) *Ele não tinha advogado e defendeu a si próprio perante o juiz.

3.4.3 Estruturas reflexas: condições de (não) realização de SE e operadores