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CAPÍTULO IV AQUISIÇÃO/APRENDIZAGEM DE L2: CONCEITOS NUCLEARES

4.6 Transferência de L1

A questão da transferência da L1 na aprendizagem de uma L2 é muito discutida

na literatura não chegando, porém, a um consenso5. O conceito de transferência teve

a sua origem na hipótese da Análise Contrastiva (Fries, 1945; Lado, 1957), que defende que o obstáculo principal na aquisição de uma L2 consiste na interferência causada pelo sistema da L1. A aplicação didática da Análise Contrastiva poderá ser muito interessante uma vez que permite prever que estruturas seriam problemáticas e levariam à produção do erro. O modelo de Análise Contrastiva baseia-se nos seguintes dois pressupostos básicos: i) a aquisição de uma L2 relaciona-se com uma

4 O acesso à GU na aquisição de L2 poderá ser validada com outros estudos, por exemplo nos estudos sobre o conhecido caso de Restrição de Pronomes Plenos (Overt Pronoun Restriction). Para uma descrição sobre estes estudos, consulte-se White (2003b: 23).

5 De acordo com Ionin (2003: 15-17), não foi possível chegar a um consenso sobre a transferência da L1 na aquisição de uma L2: autores como Schwartz & Sprouse (1994) e Robertson & Sorace (1999) apontam para a evidência da transferência de propriedades da L1 para a L2; Vainikka & Young-Scholten (1994, 1996) apontam para apenas a transferência parcial, denotando a evidência apenas na transferência de categorias lexicais mas não de categorias funcionais; e autores como Flynn (1987) e Flynn, Foley & Lust (2000) apontam para a ausência de transferência de L1.

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transferência de hábitos na L1 para a L2; e ii) a transferência será positiva em todos os

casos em que as estruturas da L1 e da L2 sejam idênticas, e será negativa quando

houver diferenças entre os sistemas (Barallo, 1999: 36).

São várias as definições de transferência, sendo a de Odlin(1989)comummente

aceite:

Transfer is the influence resulting from the similarities and differences between the target language and any other language that has been previously (and perhaps imperfectly) acquired.

Odlin (1989: 27)

Ellis (1999) superou a proposta de Odlin(1989) propondo uma série de fatores

que restringem a transferência:

(1) language level (phonology, lexis, grammar, and discourse), (2) social factors (the effect of the addressee and of different learning contexts on transfer), (3) markedness (the extent to which specific linguistic features are “special” in some way), (4) prototypically (the extent to which a specific meaning of a word is considered “core” or “basic” in relation to other meanings of the same word), (5) language distance and psychotypology (the perceptions that speakers have regarding the similarity and difference between languages), and (6) development factors (constraints relating to the natural processes of interlanguage development).

(Ellis, 1999: 315)

Conforme Ellis (1999: 301-302), a transferência poderá envolver várias influências de línguas previamente adquiridas, tais como a transferência negativa, a transferência positiva, a evitação das formas-alvo da L2 e a sobregeneralização das formas-alvo. As quatro classes de influência acima referidas poderão, aliás, envolver duas vertentes, sendo as primeiras duas relacionadas com a influência da L1 e as

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últimas duas com o processo cognitivo (cf. Secção 4.7).

A transferência da L1 é entendida como um processo que funciona através da incorporação de características da L1 nas interlínguas que os aprendentes estão a tentar construir (Gass e Selinker, 1992: 5-6). A transferência da L1 também é designada por Corder (1981: 96) como o fenómeno de “empréstimo”, que acontece quando os aprendentes de uma L2 estão confiantes com a proximidade (que pode ser errónea) entre a L1 e a L2. A transferência da L1 poderá ser positiva/negativa, conforme a proximidade/distinção entre a L1 e a L2.

Transferência negativa

A transferência negativa, também conhecida como interferência (Weinreich, 1953: 1), é um fenómeno muito frequente na aquisição de uma L2 uma vez que a L1 é considerada uma das causas mais importantes para os desvios observados na assimilação de uma L2. A transferência negativa poderá validar-se quando os aprendentes ignoram as diferenças entre certos elementos em a L1 e a L2, considerando-os sempre iguais/parecidos. Tal como foi apontado por Odlin (1989: 15), adquirir uma L2 é uma tarefa diferente da de adquirir a L1, porque as dificuldades não resultam, muitas vezes, das estruturas da L2, mas dos hábitos criados pela L1.

No entanto, convém também salientar que nem todos os desvios observados no processo de aquisição de uma L2 são causados pela interferência da L1. Ellis (1999: 302) citou os resultados de vários estudos sobre a aquisição do inglês L2, que se apresentam no seguinte quadro:

Study % of interference errors Type of learner

Grauberg, 1971 36 First language German-adult, advanced

George, 1972 33 (approx) Mixed first languages-adult, graduate

Dulay and Burt, 1973 3 First language Spanish-children, mixed

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Tran-Chi-Chau, 1975 51 First language Chinese- adult, mixed level

Mukkatesh, 1977 23 First language Arabic- adult

Flick, 1980 31 First language Spanish-adult, mixed level

Lott, 1983 50 (approx) First language Italian-adult, university Quadro 4.2: Percentagem de desvios da aquisição do inglês L2 por vários tipos

de aprendentes (Ellis, 1999: 302)

Como se pode observar no Quadro 4.2, os resultados variam de caso para caso: Dulay e Burt (1973) denotam que a transferência apresenta apenas 3% dos desvios de interferência nas interlínguas dos falantes nativos (crianças) de espanhol (na aquisição do inglês L2) enquanto Tran-Chi-Chau (1975) registou uma percentagem de 51% de

interferência no caso de falantes adultos nativos da língua chinesa6. Os resultados são

particularmente interessantes porque revelam uma série de fatores condicionantes da interferência da L1: idade, nível de proficiência e proximidade/distinção entre a L1 e L2. Nos estudos de Dulay e Burt (1973) registou-se apenas uma percentagem de 3% de interferência pelo facto de o público-alvo serem crianças e pela distância entre L1 (espanhol) e L2 (inglês) ser relativamente pequena. No caso de Tran-Chi-Chau (1975), registou-se uma percentagem 51% de interferência, porque os aprendentes são adultos (manifestando mais dificuldades do que as crianças na aquisição de uma L2 e porque a L1 (chinês) e a L2 (inglês) são dois idiomas tipologicamente distintos.

A interferência da L1 merece a nossa atenção já que é responsável por uma parte importante dos desvios na aquisição de L2. No entanto, segundo Doughty e Long (2003: 4), é a transferência positiva que afeta efetivamente mais a aquisição de uma L2 do que a transferência negativa.

Transferência positiva

A transferência positiva é designada por “facilitação” por Ellis (1999: 302).

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se que nem todas as influências da L1 são sempre negativas, porque as línguas poderão partilhar algumas semelhanças ou estar historicamente relacionadas.

Certos aprendentes (especialmente aqueles cuja L1 é parecida com a L2) poderão ultrapassar rapidamente a fase inicial de aquisição da L2, conseguindo apreender o uso correto de certas estruturas (que correspondem às na L1). Assim, o efeito de transferência positiva poderá ser óbvio nas fases iniciais, em que os aprendentes ainda não estão preparados para a construção e o desenvolvimento de novas regras. (Ellis, 1999: 302)

A transferência positiva também poderá envolver vários aspetos, o que significa que as semelhanças no léxico, fonética e sintaxe poderão levar à aquisição da L2. Ellis (1999: 304) também defende que a transferência positiva se revela mais evidente sobretudo quando a L1 e a L2 são muito próximas. Assim se entende que os falantes nativos de chinês terão mais facilidade do que os falantes nativos de inglês na aquisição do japonês, devido à proximidade dos sistemas de escrita entre chinês e japonês.