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Ensaios descontínuos de potencial acidogénico

3. METODOLOGIA

3.1 Operação de reactores biológicos

3.1.1 Ensaios descontínuos de potencial acidogénico

Numa perspectiva de comparação do potencial acidogénico entre diversos substratos orgânicos, no Capítulo 4 foram realizados ensaios descontínuos de acidificação anaeróbia utilizando oito resíduos ou subprodutos orgânicos resultantes de processos industriais comuns – soro de queijo, melaço de cana, fracção orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU), glicerol, resíduo saponáceo, efluente vinícola, efluente de lagar de azeite e lixiviado de aterro municipal. Os diferentes substratos a estudar foram seleccionados atendendo à sua elevada carga orgânica e à sua abundância no contexto industrial. Além disso, a selecção tomou em linha de conta aqueles que actualmente apresentam enormes desafios ao seu tratamento biológico nos processos instalados nas unidades fabris aonde são gerados, devido à sua elevada carga orgânica ou eventuais propriedades inibitórias na biomassa. Uma bateria de ensaios preliminares permitiu ainda determinar a dose adequada de inibidor metanogénico (ácido 2-bromoetanosulfónico, BES) a utilizar nos ensaios subsequentes para supressão da actividade metanogénica das lamas anaeróbias, e assim promover a obtenção de elevadas quantidades de AOV.

3.1.1.1 Inóculo biológico e substratos orgânicos

O inóculo utilizado nos ensaios consistiu em biomassa anaeróbia recolhida num digestor mesofílico a operar numa ETAR municipal (SIMRIA Sul, Ílhavo, Portugal). A referida ETAR trata um caudal de cerca de 39000 m3 d-1 de um efluente misto

(municipal e industrial) proveniente dos concelhos de Aveiro, Ílhavo, Mira e Vagos. O sistema de digestão anaeróbia no qual foi recolhida a biomassa utilizada nestes ensaios realiza a digestão mesofílica (36ºC) das lamas aeróbias purgadas do órgão de tratamento secundário (reactor de lamas activadas) existente na ETAR. A unidade de digestão anaeróbia consiste em dois digestores primários (volume total de 6000 m3) e

um digestor secundário (volume de 1370 m3). Após a sua recolha, a biomassa

anaeróbia foi lavada com uma corrente de água, peneirada, decantada e conservada a 4ºC até à sua utilização nos ensaios. A Tabela 3-1 apresenta a sua caracterização.

Tabela 3-1: Caracterização das lamas anaeróbias utilizadas nos ensaios descontínuos de potencial acidogénico (média±desvio-padrão)

SST (g L-1) SSV (g L-1) CQOS (mg L-1) a

12,33±0,18 9,55±0,08 48±11

a medição realizada no líquido sobrenadante, após lavagem das lamas

O efluente saponáceo e o glicerol foram gerados num processo de produção de biodiesel através da síntese deste combustível com um catalisador alcalino (NaOH), onde os glicerídeos são hidrolisados a glicerol e a sais de ácidos gordos (caracterizados por um emulsificação saponácea). Estas correntes foram obtidas em ensaios laboratoriais para produção de biodiesel por transesterificação de óleos vegetais alimentares. O melaço de cana é um subproduto da refinação de açúcar consistindo maioritariamente em carbohidratos, e foi cedido por uma indústria produtora de pasta de papel que o utiliza como fonte de carbono no tratamento biológico de um dos seus efluentes. O efluente vinícola contém fundamentalmente polifenóis, açúcares, taninos e resíduos da vinificação, e foi recolhido numa adega que produz maioritariamente vinhos tintos, na Região Demarcada da Bairrada. O efluente de lagar de azeite é fundamentalmente caracterizado pela presença de polifenóis, carbohidratos e ácidos gordos de cadeia longa, e foi recolhido num pequeno lagar termomecânico localizado em Porto da Espada, Marvão, Portugal. O lixiviado consiste essencialmente em matéria orgânica recalcitrante, componentes húmicos, amónia, metais pesados e sais clorados, e foi recolhido por percolação num aterro intermunicipal de média idade de

maturação (antigo Aterro Sanitário de Taboeira, Aveiro, Portugal). A FORSU foi preparada laboratorialmente, tendo sido simulada de acordo com uma mistura baseada num ano de recolha de resíduos num restaurante típico português, efectuada por Flor (2006). Estes substratos orgânicos foram conservados a 4ºC até ao início das experiências.

Foi ainda utilizado soro de queijo desidratado (comercialmente designado Lacto-Soro Doce em pó), proveniente de uma unidade industrial de grandes dimensões de fabrico de queijos (Fromageries Bel Portugal), localizada no distrito de Aveiro. Foi obtido com o processo spray drying (descrito na Secção 2.1.1), através da concentração e desidratação do soro líquido desnatado resultante do fabrico de queijo a partir do leite de vaca. As principais características orgânicas de todos os substratos utilizados foram determinadas laboratorialmente, recorrendo a métodos analíticos descritos adiante na Secção 3.2, e encontram-se listadas na Tabela 3-2. As propriedades físico- químicas, organolépticas e bacteriológicas do soro de queijo foram fornecidas pelo laboratório da unidade industrial que forneceu o soro e são apresentadas na Tabela 3-3.

Tabela 3-2: Caracterização dos substratos orgânicos utilizados (média ± desvio-padrão)

CQOt (g L-1) CQOS (g L-1) (g kgCQO-1t) pH Resíduos orgânicos

FORSU -- -- 380±22 7,72±0,82 a

Efluente saponáceo 211±13,2 156±18,7 -- 9,65±0,12

Efluentes orgânicos

Efluente de lagar de azeite 55,70±1,10 48,2±3,12 -- 5,26±0,34

Efluente vínico 26,92±2,15 -- -- 5,45±0,18 Lixiviado de aterro 10,74±0,85 10,16±0,74 -- 6,21±0,12 Sub-produtos orgânicos Soro de queijo 103±13 b 98±10 b 1027±21 c 6,35±0,11 b Melaço de cana 952±130 896±102 -- 5,83±0,07 Glicerol -- -- 2030±73 9,21±0,12

a medição realizada no líquido sobrenadante; b lote de soro líquido; c soro desidratado

3.1.1.2 Instalação experimental

Os ensaios descontínuos foram realizados em reactores de vidro WTW® Oxitop®

(Figura 3-1). Cada um destes sistemas consistiu num recipiente com um volume nominal de 320 mL apresentando aberturas laterais para amostragem ou alimentação

devidamente seladas com septos de borracha. No topo do reactor, uma tampa roscada permitiu acoplar um transdutor digital de pressão que registou os dados cumulativos dos valores de pressão na fase gasosa de forma periódica ao longo do ensaio. Entre a tampa roscada e o transdutor de pressão foi acoplado um recipiente de borracha aonde foram colocados alguns pellets de KOH com o objectivo de absorver o dióxido de carbono presente no biogás. Desta forma, nos ensaios preliminares para determinação da dose de inibidor metanogénico, o volume de metano pôde ser calculado directamente da pressão medida, de acordo com a lei dos gases perfeitos.

Tabela 3-3: Características do soro em pó utilizado nos estudos laboratoriais [fonte: Fromageries BEL Portugal (2012)]

Parâmetros físico-químicos Parâmetros bacteriológicos

Valor Valor

Humidade < 4% Contagem de bactérias < 20000 g-1

Cinzas < 8,5% Leveduras < 50 g-1

Proteínas totais 11% Coliformes e E.Coli < 10 g-1

Gorduras totais < 1,5% Salmonella ausente

Acidez titulável < 0,17% Clostridia sulfito-redutores < 100 g-1

Nitritos ausente Enterobacteriaceae < 100 ufc g-1

Lactose >70% Estafilococos coagulase positivo 10 - 100 ufc g-1

pH 6,2 – 6,7 Staphylococcus aureus < 100 g-1

Parâmetros organolépticos

Valor

Cor branco, amarelado

Odor fraco

Aspecto homogéneo, sem impurezas

Após o início do ensaio, os reactores foram incubados numa estufa termostatizada e continuamente agitados por uma placa de agitação magnética durante o tempo de reacção pretendido. A aquisição dos valores cumulativos de pressão pôde ser feita em qualquer momento no decorrer dos ensaios através de um controlador portátil preparado para recepção de um sinal infravermelho emitido pelo transdutor. O sistema encontra-se ilustrado na Figura 3-1.

3.1.1.3 Condições de operação

A estratégia experimental compreendeu duas etapas: (1) teste à inibição da actividade metanogénica das lamas anaeróbias; e (2) comparação/avaliação das correntes orgânicas mais produtivas em termos de acidez volátil (potencial acidogénico) e sua classificação relativa.

Figura 3-1: Sistema de reactores WTW® Oxitop® para realização de ensaios anaeróbios

Todos os ensaios foram realizados em modo descontínuo, em triplicado, com um volume da fase líquida de 230 mL e um volume gasoso de 90 mL. A cada reactor foram adicionadas lamas anaeróbias para obter uma concentração inicial de 2 gSSV L-1,

assim como os volumes ou massas estabelecidas para cada substrato para obter uma concentração inicial de 8 gCQO L-1. Foram ainda adicionadas soluções de nutrientes

inorgânicos (solução 1 e solução 2 descritas no Anexo 10.4), e ainda NaHCO3 e KHCO3

para fornecer ao sistema uma alcalinidade inicial de 2 g L-1 como CaCO3. Foi ainda

adicionada uma concentração mínima óptima de inibidor metanogénico (BES), que foi determinada nos ensaios preliminares de inibição metanogénica. Finalmente foi adicionada água destilada para perfazer o volume reaccional de 230 mL. Imediatamente antes da incubação em condições anaeróbias, os reactores foram purgados com uma corrente de azoto para remover todo o oxigénio, durante 1 min, e seguidamente selados. Os reactores foram incubados durante cerca de 30 dias a (36±1)ºC numa estufa termostatizada, e continuamente agitados por indução magnética.

Na bateria de ensaios preliminares foi testada a influência de um inibidor metanogénico (BES) na produção específica de metano de cinco ensaios anaeróbios contendo uma concentração de 0,1 g L-1 de acetato de sódio, uma fonte de carbono

facilmente metanizável. Cada ensaio consistiu no inóculo (biomassa anaeróbia na concentração de 2 gSSV L-1), fonte de carbono, água destilada e solução de BES em

diferentes concentrações: 0, 2, 6, 20 e 50 mM. A concentração mínima de inibidor (BES) que se considerou suficientemente inibitória para a metanogénese foi escolhida

para ser utilizada na segunda bateria de ensaios, promovendo a acumulação de AOV a partir dos substratos orgânicos seleccionados e permitindo avaliar os seus potenciais acidogénicos. Nesta segunda bateria experimental, os substratos foram categorizados em termos de potencial acidogénico e composição dos AOV produzidos, atendendo ao grau de acidificação e à composição dos fermentados obtidos.

3.1.2 Ensaios descontínuos e semi-contínuos de fermentação