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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.3 PRODUÇÃO DE POLIHIDROXIALCANOATOS (PHA) A PARTIR DE SUBSTRATOS

2.3.5 Metabolismo de síntese

A lista de microrganismos capazes de produzir PHA conta actualmente com mais de 300 exemplares, e encontra-se em constante actualização (Laycock et al., 2013). Para além do microrganismo Cupriavidus necator que tem sido o mais amplamente estudado no âmbito da acumulação de PHA, outros géneros têm demonstrado a mesma capacidade, incluindo espécies dos géneros Bacillus, Pseudomonas, Rhodopseudomonas, Protomonas, Aeromonas, Thiococcus, Rhodococcus, Corynebacterium, Burkholderia, Chromobacterium, Nocardia ou Rhizobium, entre outros (Sato et al., 2007; Suriyamongkol et al., 2007; Rincones et al., 2009). O desenvolvimento das ciências biológicas, nomeadamente da engenharia genética e da engenharia metabólica, aplicado ao estudo dos microrganismos acumuladores de PHA tem sido direccionado para a compreensão extensiva das vias metabólicas de síntese. Este desenvolvimento visa aumentar a variedade de substratos utilizáveis no processo, ou transferir a capacidade de acumulação de PHA

de determinados microrganismos para outros mais facilmente cultiváveis, aumentando a produtividade destes sistemas biológicos (Sudesh et al., 2000).

As reacções fundamentais da síntese de PHA são catalisadas por enzimas PHA sintase. Os substratos naturais destas enzimas são tioésteres de coenzima A (CoA) de ácidos (R)-hidroxialcanóicos com o grupo hidroxilo na posição 3, 4, 5 ou 6 do grupo acilo. As PHA sintases pertencem à família das / hidrolases. O conhecimento destas enzimas tem sido utilizado para obter modificações das PHA sintases com novas propriedades e com um incremento da actividade através de mutagénese. Utilizando, por exemplo, PHA sintase modificada de Cupriavidus necator, foram obtidos biopolímeros estruturalmente relacionados com o substrato de células cultivadas em ácidos mercaptoalcanóicos (Steinbüchel e Lütke-Eversloh, 2003). Um outro exemplo é a produção de PHB por Escherichia coli recombinante utilizando genes biossintéticos de Cupriavidus necator, conduzindo a uma melhoria substancial do desempenho produtivo, uma vez que esta estirpe é capaz produzir até 80 g L-1 de PHB (Luengo et al., 2003). A manipulação genética permite reduzir custos de operação, a par de outras vantagens, tais como as rápidas taxas de crescimento, a elevada densidade celular, a capacidade de usar substratos mais baratos e a formas relativamente mais simples de purificação do polímero (Dias et al., 2006).

A bactéria Cupriavidus necator tem sido o microrganismo mais extensivamente estudado quanto à sua capacidade de acumulação de PHB a partir de fontes de carbono simples, constituindo a base de muitos estudos metabólicos de produção e de degradação de biopolímeros (Khanna e Srivastava, 2005). Trata-se de um microrganismo procariótico, Gram-negativo, com ocorrência natural no solo e na água. Apesar de a síntese de PHA poder ser genericamente descrita por oito vias metabólicas, o mecanismo de síntese do PHB baseado em Cupriavidus necator é considerado a via clássica (Steinbüchel e Lütke-Eversloh, 2003; Laycock et al., 2013).

A síntese de PHB por Cupriavidus necator é mediada por três enzimas – a β- cetotiolase, a acetoacetil-CoA redutase dependente do transportador NADPH, e a PHA sintase. Estas enzimas são respectivamente codificadas pelos genes PhaA, PhaB e PhaC. Quando as condições de crescimento são desequilibradas, o acetil-CoA não entra no ciclo de Krebs para obtenção de energia devido às altas concentrações de NADH (Punrattanasin, 2001). As elevadas concentrações de NADH resultam da cessação da síntese proteica, um processo acompanhado pela geração de ATP pela

cadeia transportadora de electrões, durante a limitação nutricional. Estas condições inibem a enzima citrato-sintase, uma das enzimas-chave do ciclo de Krebs, conduzindo ao aumento da concentração de acetil-CoA (Dawes et al., 1973). O acetil- CoA é então utilizado como substrato para a síntese de PHA por uma sequência de três reacções, representadas na sequência esquerda da Figura 2-11. A enzima - cetotiolase realiza a condensação de duas moléculas de acetil-CoA a acetoacetil-CoA. A enzima acetoacetil-CoA redutase reduz posteriormente a molécula a (R)-3- hidroxibutiril-CoA. O último passo é a reacção de polimerização catalisada pela enzima PHA sintase (Khanna e Srivastava, 2005; Suriyamongkol et al., 2007).

Podem ser utilizados por Cupriavidus necator diversos substratos como precursores da síntese de PHA, tais como ácidos orgânicos voláteis (AOV) com cadeias carboxílicas contendo 3 a 5 átomos de carbono. A metabolização de diferentes substratos resulta na síntese de copolímeros consoante a quantidade relativa destas fontes de carbono presentes no meio reaccional (Dias et al., 2006). Por exemplo, a adição de ácido propiónico ou ácido valérico a um meio de glucose conduz à produção de um copolímero composto por HB e HV (sequência à direita na Figura 2-11). Neste caso, ocorre a condensação de propionil-CoA com acetil-CoA que é mediada por uma cetotiolase distinta (3-cetotiolase). A redução da 3-cetovaleril-CoA a (R)-3- hidroxivaleril-CoA e a subsequente polimerização a P(HB-co-HV) são catalisadas pelas mesmas enzimas envolvidas na síntese de PHB, nomeadamente a acetoacetil- CoA redutase e a PHA sintase. Quando são utilizados ácido butírico e ácido valérico, estes são incorporados directamente como 3-hidroxibutiril-CoA e 3-hidroxivaleril-CoA que são respectivamente polimerizados como PHB e poli-3-hidroxivalerato, ou então podem ser submetidos a β-oxidação para formar AOV de cadeia mais curta que posteriormente serão precursores da síntese de polímero (Luengo et al., 2003; Suriyamongkol et al., 2007). De acordo com Doi (1990), a degradação de PHA em Cupriavidus necator pode ocorrer em simultâneo com a sua síntese sob limitações de azoto, um fenómeno que ilustra a natureza cíclica do metabolismo dos PHA. Este autor refere que a composição do PHA produzido mudou do homopolímero PHB para um copolímero contendo 49% de HV, quando o ácido butírico no substrato foi substituído por ácido valérico, após 96 horas de limitação de azoto.

Como foi referido, outras vias metabólicas podem ser utilizadas para ilustrar a síntese de PHA, como é o caso do que acontece no microrganismo Rhodospirillum

rubrum. Também conhecida por via da hidratase, este mecanismo descreve a formação de PHB mediada por uma enzima enoil-CoA hidratase. Esta via metabólica é semelhante à via clássica característica de Cupriavidus necator, porém com ligeiras modificações no segundo passo. O acetoacetil-CoA é reduzido por uma redutase dependente do NADH a L-3-hidroxibutiril-CoA, que é posteriormente convertido em D-3-hidroxibutiril-CoA por duas moléculas da enzima enoil-CoA hidratase. Uma representação simples do mecanismo global pode resumir-se à seguinte sequência: acetato  acetil-CoA  acetoacetil-CoA  L-3-hidroxibutiril-CoA  crotonil-CoA  D- 3-hidroxibutiril-CoA  PHB (Lee, 1996; Reiser et al., 2000; Punrattanasin, 2001; Sato et al., 2007).

Figura 2-11: Via de síntese de PHA por Cupriavidus necator [fontes: Punrattanasin (2001); Suriyamongkol et al. (2007)]

O microrganismo Pseudomonas oleovorans pertence ao grupo I atendendo à homologia do RNA, e produz essencialmente PHA de cadeia média a partir de alcanos de cadeia média (em particular o n-octano), álcoois ou alcanoatos (Lee, 1996; Hazenberg e Witholt, 1997). Quando este microrganismo é cultivado em substrato constituído por n-alcanos, sob limitação de azoto, a composição dos monómeros é sempre um reflexo dos substratos que lhe são alimentados: o maior monómero no PHA acumulado contém sempre tantos átomos de carbono quantos os da cadeia do alcano presente no substrato. As bactérias deste grupo derivam o 3-hidroxiacil-CoA para a PHAMCL sintase a partir de intermediários da β-oxidação de ácidos gordos. Enzimas

CoASH Substratos orgânicos ATP AMP + PPi Acetil-CoA Ciclo de Krebs Acetoacetil-CoA NADPH NADP+ -cetotiolase Acetoacetil-CoA redutase PHA sintase (R)-3-hidroxibutiril-CoA PHB CoASH CoASH Ácido propiónico Propionil-CoA CoASH ATP AMP + PPi 3-cetotiolase CoASH 3-cetovaleril-CoA NADPH NADP+ Acetoacetil-CoA redutase PHA sintase (R)-3-hidroxivaleril-CoA P(HB-HV) CoASH

específicas tais como a enoil-CoA hidratase e a 3-cetoacil-CoA redutase estão presumivelmente envolvidas na conversão dos intermediários da β-oxidação em monómeros apropriados para a polimerização pela PHA sintase (Sudesh et al., 2000).

Uma outra via metabólica, representada por Pseudomonas putida, é comum a todas as espécies deste género pertencentes ao grupo I da homologia de RNA (como por exemplo Pseudomonas aeruginosa, Pseudomonas citronellolis, Pseudomonas mendoncina e Pseudomonas putida), à excepção da Pseudomonas oleovorans cujo mecanismo foi descrito anteriormente. Ao contrário da anterior, esta via metabólica conduz à produção de PHA de cadeia média a partir de fontes de carbono cujo comprimento não está relacionado com a composição monomérica produzida (Punrattanasin, 2001). O monómero tipicamente predominante no PHA acumulado é o 3-hidroxidodecanoato, independentemente das fontes de carbono utilizadas, que podem incluir gluconato, frutose, acetato, glicerol e lactato (Lee, 1996). Neste caso, os monómeros 3-hidroxiacil derivam da via sintética de ácidos gordos de novo, surgindo na forma de (R)-3-hidroxiacil-ACP. Torna-se assim necessário um passo metabólico adicional para a conversão em (R)-3-hidroxiacil-CoA, que se acredita ser catalisado pela enzima phaG, a qual exibe actividade de 3-hidroxiacil-CoA-ACP transferase (Sudesh et al., 2000).