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O ensino médio foi e é, há muito tempo, a encruzilhada estrutural do sistema educativo, o ponto no qual uns fatalmente terminam e outros verdadeiramente começam, no qual se jogam os destinos individuais à medida que podem depender da educação, no qual se encontram ou se separam - segundo as políticas públicas e as práticas profissionais - os distintos grupos sociais. (Enguita, 2014, p. 10-11)

Nesse capítulo, apresentamos, uma análise inicial sobre a questão dos processos de seleção/exclusão relativizando-a com o atual quadro das desigualdades educacionais no ensino médio. Das discussões apresentadas, entre elas uma breve discussão sobre o conceito de juventude, infere-se que as possibilidades de acesso ao EMI, para os jovens da classe trabalhadora, são limitadas tanto pelos processos seletivos quanto por fatores relacionados as desigualdades. Nesse sentido, com base nos dados, apresentamos um quadro no qual destacam-se os fortes condicionamentos socioeconômicos na produção das desigualdades educacionais. Por fim, as reflexões desenvolvidas nesse capítulo visam uma aproximação do atual cenário do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional no Brasil, especialmente no que se refere ao acesso, permanência e conclusão dos jovens que se encontra na faixa etária de 15 a 17 anos.

Breves considerações

Além das motivações anteriormente apresentadas, há também, de nossa parte, interesse específico no discurso governamental, apresentado na campanha eleitoral que levou à presidência da república o ex-operário e sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva e que se faz presente também nos documentos institucionais dos seus dois governos (2003-2006) e (2007 - 2010). Nesses discursos é possível identificarmos a defesa do acesso à educação integrada de nível médio como um mecanismo certeiro para a melhoria das condições de vida dos jovens da classe trabalhadora. Há neles a compreensão de que a maior e melhor escolarização dos jovens possibilitaria a inserção deles em postos de trabalho menos degradantes e com maior retorno financeiro, transpondo as limitações socioeconômicas de origem por meio de uma ascensão em termos de consumo e renda.

A despeito do debate sobre os critérios de análise mais adequados para a acepção do conceito de classe trabalhadora, julgamos necessária uma prévia e breve ponderação sobre a

definição de classe trabalhadora utilizada nessa pesquisa. Sobre isso, Poulantzas (1978), em “As classes sociais no capitalismo de hoje” assevera que: “uma classe social define-se por sua posição no conjunto das práticas sociais, ou seja, por sua posição no conjunto da divisão social do trabalho”. Para o autor marxista, apesar do papel determinante da questão econômica na definição da classe, este não é suficiente para explicá-la, pois o político- ideológico “desempenha um papel igualmente importante” (p.07), ou seja, a definição de classe social deve ser compreendida a partir da articulação entre os aspectos econômico, político e ideológico.

A utilização nesta pesquisa do termo “classe trabalhadora”, no singular, não pretende negar sua diversidade, uma vez que, podemos distingui-la segundo o “tipo de trabalho realizado, às condições em que a força de trabalho é vendida e, no caso do produtor familiar, ao tipo de vínculo estabelecido com a pequena propriedade”, como destacou Galvão (2011, p. 110-111).

Jessé de Souza (2015) buscando superar o que denomina de economicismo21 das explicações sobre as classes sociais inclui em suas análises os conceitos de capital econômico, cultural e social, desenvolvidos por Bourdieu. Para Souza (2015), o que caracteriza a classe trabalhadora moderna, os “batalhadores”22, é a ‘incorporação de capital

cultural’, que é “constituído tanto pelas precondições afetivas e psíquicas para o aprendizado quanto pelo aprendizado em si do conhecimento que considera útil” (p. 232). Para o autor, a incorporação dos capitais impessoais mais importantes da sociedade moderna, capital econômico e cultural, pela classe trabalhadora é relativamente pequena, o que explica o seu “não pertencimento a uma classe média verdadeira”. Por outro lado, a classe trabalhadora desenvolve disposições que possibilitam a “articulação da tríade disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo”. (p. 367). Nesse sentido, o economicismo “erra” ao desconsiderar nas determinações das classes sociais os contextos de socialização, incorporação, compreensão e disposições que são construídos ao longo da vida de cada indivíduo.

21 “O economicismo é incapaz até de perceber adequadamente o próprio capital econômico. A reprodução das classes altas, que tem no capital econômico seu elemento principal na luta pelos recursos sociais escassos, também depende em boa medida de outros capitais – Capital Cultura e Capital Social. [...] O economicismo é, portanto, cego tanto em relação à ‘estrutura social’, que implica a consideração de capitais que não se restringem ao econômico, quando ao ponto verdadeiramente decisivo no que diz respeito às classes sociais: a forma velada como essas classes são produzidas”. (p. 228 e 229)

22 Ao contrário dos trabalhadores a ‘ralé, grupo que segundo o autor estaria ‘abaixo da classe trabalhadora’. Conforme o autor, “no caso da ‘rale’, a carências e o abandono são tamanhos que a questão principal é a da ausência – em maior ou menor medida – dos próprios pressupostos indispensáveis ao aprendizado do papel social de produtor ‘útil’ no contexto da economia competitiva. (p.232)

Ademais, consideramos bastante apropriada a distinção entre classe média e classe trabalhadora apresentada pelo pesquisador e economista brasileiro Marcio Pochmann (2014)23, segundo o qual, a questão central que diferencia, do ponto de vista político, a classe trabalhadora e a classe média é a visão sobre o papel do Estado: “a classe média poupa, investe, viaja, investe em cultura, lazer e conhecimento. Quer menos imposto e não quer o Estado”. Por outro lado, “a classe trabalhadora precisa do fortalecimento do Estado. Sem ele, não terá acesso à educação, saúde e aos serviços públicos de qualidade”. É precisamente a classe trabalhadora que depende do Estado para ter acesso à educação, a referência visada em nosso trabalho.

Como apontamos em outro trabalho (Santos e Santos 2015), com a política de criação e expansão dos Institutos Federais, no final do segundo mandato do governo Lula, a qual teve continuidade nos mandatos de sua sucessora, a presidenta Dilma Vana Rousseff (2011–2014; 2015-2016)24, assistimos a um avanço importante da ampliação da oferta de vagas em um modelo de escola pública reconhecido por boa parte da sociedade brasileira como uma “escola de qualidade”, o que pode ser justificado, por exemplo, pela concorrência nos processos seletivos e pelos bons resultados das avaliações externas como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

23 Entrevista para o site Rede Brasil Atual publicada em 10/06/2014. Acesso em: http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2014/06/classe-media-nao-quer-o-estado-classe-trabalhadora- precisa-dele-908.html

24 O segundo mantado da presidenta Dilma foi interrompido, no dia 02 de dezembro de 2016, por um questionável processo de impeachment, tanto do ponto de vista legal como do ponto de vista político. Nesse caso, o trecho da conversa divulgada pela imprensa brasileira entre Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro e o Senador do PMDB de Roraima, Romero Jucá é bastante esclarecedor:

MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].

JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.

MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional. JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.

MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.

JUCÁ - É. Delimitava onde está, pronto. (Folha de São Paulo 23 de maio de 2016)

A referida conversa tratava de um acordo para deter o avanço das investigações da “Lava Jato”, operação da polícia federal que investiga corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras e políticos brasileiros.

Para saber mais ver: A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Jessé Souza. Rio de Janeiro: Leya, 2016; A resistência internacional ao golpe de 2016. Carol Proner et al. (org). — Bauru: Canal 6, 2016; por que gritamos Golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Ivana Jinkings, Kim Doria e Murilo Cleto (org) - Coleção: Tinta Vermelha. Editora: Boitempo. 2016; O Brasil que queremos / organizador Emir Sader – Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2016

(PISA)25. Tal política educacional era uma das estratégias do governo federal para materializar e democratizar as oportunidades de escolarização para jovens e adultos da classe trabalhadora. No entanto, identificamos que, apesar dessa ampliação, a oferta de vagas ainda é menor que a demanda de estudantes que as buscam. Nesse contexto, prevalece, na rede de ensino federal (e nos IFs), uma lógica específica de seleção, por meio de exame de saberes em provas de múltipla escolha ou por meio do Sistema de Seleção Unificado (SISU), no caso do ensino superior.

Diante deste quadro, compreendemos, como assinala o trabalho de Bandera (2014), que o processo de seleção é, sem dúvida, uma importante chave para refletirmos sobre a constituição do ethos que configura o perfil dos alunos do IFSP. O autor aponta as seguintes características do perfil dos estudantes:

Os jovens alunos da Federal são constantemente chamados à ordem pelas incessantes narrativas familiares que produzem o lastro emocional e moral que sustenta o enorme investimento na conquista da cultura. Essa narrativa familiar, [...] foi produzida a partir de um esteio objetivo que sustenta a posição social de determinadas frações das classes médias paulistanas. (p.21)

Santos (2010), a partir da leitura do trabalho do sociólogo francês Pierre Bourdieu, destaca o caráter mediado e complexo das relações entre as estruturas da produção econômica e suas desigualdades e as estruturas escolares e as hierarquizações e desigualdades que ela engendra. Segundo Bourdieu, a escola é uma instituição conservadora, que reproduz as relações de dominação vigentes na sociedade, ou seja, as relações entre as classes. Fugindo da relação de causalidade direta, o autor descreve e analisa uma série de elos entre aquilo que pretensamente seria determinante – as estruturas econômicas, as relações do mundo da produção material – e aquilo que seria determinado – as estruturas educacionais, as hierarquizações e relações culturais que se estabelecem na escola.

Queremos assinalar, à semelhança do que já se identificou no campo de pesquisas sobre o ensino superior, que o processo de seleção capaz de viabilizar o ingresso dos estudantes em vagas de cursos superiores reconhecidos como de melhor qualidade demarca e reproduz uma determinada herança, um certo tipo de Capital Cultural26 que está além da checagem do domínio de certos conteúdos.

25 Em inglês: Programme for International Student Assessment.

26 Segundo Bourdieu (2014), o capital cultural existe sob três formas: no estado incorporado sob a forma de disposições duráveis do organismo: “A maior parte das propriedades do capital cultural pode inferir-se do fato

No caso da educação profissional, os estudos apontam que o sucateamento das redes estaduais e o investimento nas escolas federais mudaram o perfil dos estudantes dessas escolas, dado que uma expressiva parcela da classe média enxergou na rede federal uma atrativa possibilidade de formação de qualidade para os seus filhos, o que acirrou ainda mais o processo de seleção para essas escolas.

Conforme Lima Filho (2002), no que tange à Rede Federal nota-se, na década 1970, expressivo reconhecimento da sua qualidade em função dos investimentos públicos, tanto no que se refere a instalações e equipamentos, quanto à formação de seus professores. O autor destaca ainda a implementação da equivalência aos cursos secundários e a demanda por níveis de escolaridades mais elevados como elementos que contribuíram para o acirramento das disputas por uma vaga nas escolas Federais.

Para D’Angelo (2017), as explicações para a excelência do Ensino Médio oferto pela instituição, nas décadas de 1970, 1980 até a década de 1990, podem ser encontradas no que a autora denomina de “caráter integrador do curso” que transmitia aos alunos, por meio da formação geral, aliada a formação profissional, “referencias teóricos-metodológicos da ciência e tecnologia contemporâneas”. A autora destaca ainda a qualidade da formação dos docentes que vinham das melhores universidades São Paulo. (p.15).

Nesse cenário, uma questão nos parece central: como garantir o acesso dos jovens da classe trabalhadora a essas instituições?

É importante frisar, também, que compreendemos a democratização do acesso à educação numa perspectiva que supera a simples ideia de ingresso. Para nós, a efetiva democratização do acesso à educação deve considerar necessariamente as condições de permanência e êxito dos estudantes e a qualidade social da educação27.

de que, em seu estado fundamental, está ligado ao corpo e pressupõe sua incorporação. A acumulação de capital cultural exige uma incorporação que, enquanto pressupõe um trabalho de inculcação e de assimilação, custa tempo que deve ser investido pessoalmente pelo investidor. (p.82)”; no estado objetivado sob a forma de bens culturais: “O capital cultural no estado objetivado detém um certo número de propriedades que se definem apenas em sua relação com o capital cultural em sua forma incorporada. O capital cultural objetivado em suportes materiais, tais como escritos, pinturas, monumentos etc., é transmitido em sua materialidade (p.85); e no estado institucionalizado sob a forma do diploma: A objetivação do capital cultural sob a forma do diploma é um dos modos de neutralizar certas propriedades devidas ao fato de que, estando incorporado, ele tem os mesmo limites biológicos de seu suporte (p.86).

27 Considerando o caráter polissêmico do termo qualidade, optamos pelo conceito de qualidade social da educação escolar em oposição a utilização do termo com fins econômicos. Para saber mais ver Dourado, Oliveira e Santos (2007); Dourado e Oliveira (2009); Silva (2009); Fonseca (2009)

Dubet (2008), ao discutir o princípio da igualdade de oportunidade sob a égide da construção do que seria uma “escola justa”, reconhece que as ações afirmativas28 devem se

centrar nos indivíduos e não em grupos sociais, uma vez que é no indivíduo que se materializam os handicaps, as desigualdades sociais, e também, os projetos pessoais. Conforme o autor, um projeto de escola que observe o princípio de igualdade de oportunidades deve promover transformações que beneficiem os menos favorecidos: “as desigualdades engendradas por uma competição equitativa e aberta para acessar recursos e vagas são aceitáveis desde que não degradem ainda mais a condição dos menos favorecidos” (p.73).

Observamos que as ferramentas analíticas de Dubet são bastante influenciadas pelo “liberalismo equitativo” que tem na figura do filósofo americano Jonh Rawls um dos seus mais importantes representantes. A teoria desenvolvida por Rawls (2003) também é base para boa parte das justificativas teóricas das políticas de ações afirmativas, pois segundo o filósofo, uma sociedade justa deve garantir “igualdades de oportunidades”, isto é, a condição inicial ou de partida igual para todos.

Concordamos que a “igualdade de oportunidade” em uma sociedade notoriamente desigual como a nossa é uma condição importante para garantir a justiça social e, por extensão, acreditamos que o acesso dos jovens oriundos de escolas públicas ao Ensino Médio Técnico Integrado a Educação Profissional, por meio de ações afirmativas, é uma forma de combate à desigualdade e de tornar a escola “mais democrática”. Em outros termos, garantir condições de igualdade significa construir políticas de acesso, permanência e êxito que possibilitem aos que foram histórica e socialmente excluídos, melhores oportunidades no presente e no futuro.

Segundo a perspectiva de Dubet, seria possível para a escola 1) defender-se das desigualdades socioeconômicas a partir de um funcionamento pró-equidade. 2) além de defender-se das desigualdades socioeconômicas, gerar efeitos de diminuição de seu peso a partir de uma espécie de “redistribuição” dos privilégios. Muito embora, sem ingenuidade ou ilusão, acreditamos que uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária só será possível se for superada a hegemonia liberal e os efeitos que ela produz.

Sabemos que a produção das desigualdades é parte da lógica de funcionamento da sociedade capitalista. Nesse sentido, a juventude, corpo discente privilegiado do Ensino

Médio, é apontada como um dos grupos mais atingidos pelas desigualdades sociais e educacionais, de tal modo que, atualmente os jovens são foco de diversas políticas públicas29 que têm como objetivo superar tais desigualdades.

Portanto, ao propor uma pesquisa que enfoque o acesso dos jovens ao EMI consideramos importante uma discussão sobre a relação entre juventude, Ensino Médio e desigualdades.

Desigualdades educacionais no Ensino Médio

O Ensino Médio, como etapa final da educação básica, tem ocupado lugar de destaque nos debates educacionais. No caso específico do Brasil, a partir da década de 1990, o ensino médio tornou-se parte integrante da Educação Básica30 e, concomitantemente, observou-se um expressivo aumento das matrículas nessa etapa de ensino. Todavia, o problema da sua finalidade, da qualidade, os expressivos indicadores de evasão, distorção série-idade, entre outras questões, mantêm ativo o debate sobre essa etapa da Educação Básica.

No campo das pesquisas educacionais, vários estudos apontam que, de modo geral, é possível verificar a melhoria dos indicadores relativos a esse nível de ensino, mas, apesar dos progressos a garantia do acesso ao Ensino Médio, ou seja, sua universalização é, ainda hoje, o grande desafio para o país.

O Ensino Médio, no Brasil, é marcado historicamente pelo dualismo que colocou em lugares distintos a formação para os diferentes grupos sociais: ele é preparação para o trabalho para os estudantes pobres e ensino propedêutico para os estudantes das elites. Sabe- se que o ensino médio configurou-se, por muito tempo, como condição de diferenciação das elites, alijando os filhos das classes trabalhadoras do acesso a essa etapa da educação básica.

29 O governo federal criou, em 2005, a Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude e do ProJovem – Programa Nacional de Inclusão de Jovens como parte integrante da Política Nacional de Juventude, que tem como objetivo “criar as condições necessárias para romper o ciclo de reprodução das desigualdades e restaurar a esperança da sociedade em relação ao futuro do Brasil” (BRASIL, 2008, p. 12) 30 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional confere ao Ensino Médio a condição de educação básica A Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que “altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências”, no seu Art. 4º, I que estabelece: “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio”

No entanto, o aumento das matrículas, observado, no período de 1991 a 200431, mudou significativamente o perfil dos estudantes, pois, levou para dentro da escola média um contingente de jovens até então excluídos.

Tal cenário pode ser observado em diferentes países. Bourdieu (2014), ao olhar para a escola francesa, denuncia a aparente democratização do seu sistema de ensino. Para o autor, o acesso dos jovens advindos das classes menos favorecidas32, até então excluídos da escola, não representa, de fato, um processo de democratização, uma vez que os mecanismos de exclusão foram apenas transferidos para dentro da escola, fenômeno que ele denominou “inclusão excludente”. Nessa perspectiva, a escola continuaria a ser uma instituição que legitima e reproduz as desigualdades sociais, já que, a distribuição diferenciada dos benefícios escolares entre as diferentes classes, segundo o autor, não foi modificada.

Ainda conforme Bourdieu, a aparente democratização do acesso à educação esconde na verdade formas mais brandas e dissimuladas de diferenciação e exclusão escolar. O caráter ideológico e perverso desse discurso está em ocultar a função conservadora da escola. Nas palavras do autor:

Seria, pois, ingênuo esperar que, do funcionamento de um sistema que define ele próprio seu recrutamento (impondo exigências tanto mais eficazes talvez, quanto mais implícitas), surgissem as contradições capazes de determinar uma transformação profunda na lógica segundo a qual funciona esse sistema, e de impedir a instituição encarregada da conservação e da transmissão da cultura legítima de exercer suas funções de conservação social. (Bourdieu, 2014, p.65)

Também ao analisar o sistema de ensino francês, Dubet e Martucelli (1998), asseveram que o liceu, uma das possibilidades para o Ensino Médio na França, apresenta-se como um: “conjunto de ofertas escolares heterogêneas”, no qual fica evidente a elitização da escola, pois “ao fim do percurso, somente certos alunos são verdadeiramente formados na escola enquanto que outros jogam outras cartas, e alguns ainda são esmagados pelo próprio percurso”.

31 Para saber mais sobre a expansão do ensino médio nesse período ver Corti e Souza (2004) Corti (2015) 32 Segundo Bourdieu, A classe social não é definida por uma propriedade (mesmo que se tratasse das mais determinantes, tal como o volume e a estrutura do capital), nem por uma soma de propriedades (sexo, idade, origem social, ou étnica – por exemplo, parcelas de brancos e de negros, de indígenas e de imigrantes, etc. –