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A Escola Politécnica do Rio de Janeiro foi fundada em 25 de abril de 1874, com caráter completamente civil, subordinada ao Ministério do Império. Oferecia inicialmente, além de um curso geral (com duração de dois anos), cursos científicos em Ciências Físicas e Naturais e Ciências Físicas e Matemáticas (de dois anos cada um) e especializações em Engenharia Civil, Engenharia de Minas e Engenharia de Artes e Manufaturas (com durações respectivas de três anos18), todos com currículos baseados fortemente em métodos e livros franceses.

O curso geral, no qual eram ensinadas noções de matemática, geometria, física, química e biologia, era uma necessidade, dada a condição precária do ensino secundário à época, em especial no que se referia às ciências exatas, tanto em questão de conteúdo (que contemplava apenas as noções mais elementares) quanto de metodologia (que recebia fortes críticas por ser pouco voltada para o raciocínio, e por demais para a memorização (CARVALHO, 2002). Os cursos científicos da Escola, voltados para a formação de “bacharéis em ciências” e não engenheiros propriamente ditos, foram extintos em uma reforma de 1890, fato que gerou críticas e longas discussões. Os cursos de engenharia sofreriam também numerosas reformas ao longo dos anos, com mudanças nos currículos, transformações, supressão e adição de cursos. A Escola de Minas de Ouro Preto, criada logo em seguida à Escola Politécnica (a determinação para a fundação data de 1875) e com o currículo voltado especificamente para a mineração e geologia, foi o primeiro estabelecimento de ensino técnico-científico em nível superior a funcionar fora do Rio de Janeiro. A rivalidade que seria uma constante entre as duas Escolas se fez notar desde a elaboração do regulamento da Escola de Minas, quando professores da Politécnica, analisando a proposta do francês Claude Henri Gorceix, fizeram emendas e ressalvas ao rígido regime de ensino proposto. Ao longo dos anos, alunos e ex-alunos das duas escolas disputaram influência e empregos, e o pequeno tamanho dos quadros discentes pela Escola de Ouro Preto era constante alvo de críticas dos cariocas. Se

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Ao completar o primeiro ano do curso de Engenharia Civil, recebia-se o título de Engenheiro Geógrafo (TELLES, 1994)

durante um período (1890-1896) a sobreposição dos currículos das duas escolas diminuiu com a extinção do curso de engenharia de minas na Politécnica, ela aumentou, por outro lado, com mudanças na estrutura do curso da Escola de Minas, que a partir de 1893 passava a dar aos seus formandos a habilitação de Engenheiro Civil (CARVALHO, 2002).

O ensino na Escola Politécnica era “muito exigente, mas pouco objetivo”; enquanto o curso geral fornecia uma boa formação básica, os alunos muitas vezes faltavam a aulas de matérias cuja especificidade não os interessava; a freqüência obrigatória foi implantada apenas em uma lei de 1901, que, mesmo assim, não era cumprida à risca (TELLES, 1994). Não obstante deficiências no ensino, a gama de conhecimentos oferecidos permitiu a formação de engenheiros que, de forma parcialmente autodidata, qualificavam-se para atuar nas diversas especialidades da engenharia. A Escola de Minas de Ouro Preto, em contraste, impunha uma disciplina mais rígida, com atividades em regime de tempo integral para professores e alunos e freqüência obrigatória. A escola mineira diferia também por exigir a aprovação dos candidatos a vagas em um exame; a alta taxa de reprovação limitava o número de alunos e fez necessária a criação, na própria escola, de um curso preparatório, de certa forma semelhante ao curso geral da Politécnica. Enquanto nenhuma das duas escolas cobrava taxas para freqüência – em contraste com as escolas de medicina e direito, que exigiam o pagamento de elevadas anuidades – a escola de Minas também diferia por oferecer, a alunos considerados “pobres”, bolsas de estudos para que se pudessem sustentar-se ao longo da duração do curso (CARVALHO, 1998).

O estado de São Paulo, que rapidamente ganhava importância e fortalecia seu processo de modernização e industrialização, criou seu próprio Instituto Politécnico em 1892 e sua Escola Politécnica em 1894, que, com o objetivo de “atender a necessidades científicas e utilitárias”, contava inicialmente com cursos de Engenharia Civil, Engenharia Industrial e Engenharia Agrícola, posteriormente expandidos com “cadeiras especiais” de engenharia mecânica, engenharia elétrica e arquitetura. Ainda em 1897 foi fundada a Escola Politécnica da Bahia, por iniciativa de Arlindo Coelho Fragoso, ex-aluno da Politécnica do Rio de Janeiro. Essa última era uma escola particular – ainda que recebesse algum subsídio estatal – e foi, não obstante o

funcionamento “improvisado” no período inicial, o primeiro estabelecimento de ensino superior de engenharia na região atualmente conhecida como Nordeste.

Um fato em particular dava importância especial às faculdades no Brasil: era de seu meio, e não dos praticantes sem formação acadêmica (como ocorrido nos Estados Unidos e Europa), que surgiam as elites profissionais (COELHO, 1999). As escolas de engenharia, além de atender à função básica de ensino e incentivar, em níveis distintos, a pesquisa e desenvolvimento científico, funcionavam de forma paralela aos institutos politécnicos na difusão de idéias entre a comunidade técnica, e na organização da ação dessa comunidade no que dizia respeito à sua participação na vida social e política do país. Durante o século XIX, entre as questões mais marcantes discutidas estiveram a abolição da escravatura, ativamente defendida pelo Instituto Politécnico do Rio de Janeiro (sob a liderança de André Rebouças, professor da Politécnica e ele próprio de raça mestiça) e a implantação da República, que dividiu alunos e professores entre republicanos (principalmente os de corrente positivista) e monarquistas (notadamente Rebouças e Paulo de Frontin) (TELLES, 1994). A Escola de Minas de Ouro Preto, pouco influenciada pelo positivismo e sempre defendida pelo Imperador, opôs-se à mudança de regime.

O pensamento positivista, que será abordado no item seguinte com mais profundidade, foi o fator desencadeador de polêmicas reformas no ensino a partir de 1890, que visavam implantar a livre-docência (que permitiria a qualquer engenheiro dar cursos extracurriculares nas escolas) e a freqüência livre para os alunos (à qual a Escola de Minas resistiu fortemente). A discussão, surgida ainda na década de 1860, causava divisões mesmo entre os liberais, principalmente quando associada à liberalização do exercício profissional, que diminuiria o valor do diploma acadêmico no mercado de trabalho. No ensino secundário, por outro lado, as reformas positivistas deram ênfase ao ensino científico, resultando num impulso (ainda que pouco longevo) ao desenvolvimento das ciências no país. Durante o período que seguiu-se à proclamação da República, a influência positivista se fortaleceria ainda mais no meio intelectual brasileiro, e os engenheiros ocuparam uma posição central na adaptação dessa filosofia às necessidades do regime no país.