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6. Metatextos e novas reflexões

6.4. Ensino religioso na infância

O debate acerca do ensino religioso na infância surge, na presente pesquisa, a partir de uma fala da entrevista B:

B - “[...] pensando nisso eu fui conversar com pessoas que dão aula no fundamental dois e no fundamental um e aparentemente o peso da religião no fundamental um é muito maior, no dois ainda tem um teco e no médio, parece que eles têm a inteligência de perceber que é quando a criança tá se formando que isso importa.”

Podemos notar que, dentre as escolas cujos professores participaram da pesquisa, nenhuma delas, com exceção da escola 9 (protestante), apresentou qualquer medida de moderação em relação ao conteúdo científico na escola. Mesmo na escola 9, a pouca interferência por parte da direção se coloca como uma declaração da diretora, que descreve sua fé na compreensão da natureza, mas não na obrigatoriedade de lecionar segundo aspectos essencialmente criacionistas.

G - “Só que, como é uma escola cristã e a pastora tem uma, uma postura bem moderada ela fala ‘Olha Deus criou’ mas aí eu procuro dar pra eles uma visão assim, eu ensino a evolução como Science como a ciência diz e também dou o conceito de criacionismo.”

Ainda assim, a professora destaca a postura da direção como moderada, uma vez que anteriormente o diretor delimitava o ensino de maneira menos científica, utilizando somente a perspectiva religiosa criacionista em detrimento das ideias científicas.

Apesar de as escolas não se colocarem, de modo geral, como agentes inviabilizadores do ensino científico, elas contam com uma peculiaridade importante. Todas as escolas confessionais cujos professores participaram da pesquisa trazem, ao menos na educação infantil, a prática do ensino religioso que aparece também em atividades extracurriculares e projetos sociais.

De acordo com Mahner e Bunge (1996), o ensino religioso, principalmente na infância, é extremamente prejudicial à compreensão da ciência e a uma leitura materialista do mundo. Defendem ainda que, embora o direito à liberdade religiosa dos pais deva ser respeitado, eles não deveriam ser autorizados a impedir seus filhos de participarem de aulas voltadas à educação sexual ou ensino de evolução.

Nesse ponto, há acordo entre Mahner e Bunge (1996) e as observações tecidas por Dawkins (2007), que explicita os abusos psicológicos que a religiosidade acarreta durante a infância. Ao fazê-lo, questiona a real possibilidade de uma criança realizar uma escolha dentre as tantas religiões existentes no mundo, ou ainda ausência delas, diante daquela estabelecida pelos seus pais. Fischmann (2012b) destaca que as crianças acabam por se tornar objetos de disputa entre ideologias religiosas, e por isso deve-se valorizar a educação laica (Fischmann, 2008b, 2012a), pois somente com ela, haverá de fato, respeito em definitivo às pluralidades dos educandos (Fischmann, 2008b; 2012a).

Ao mesmo tempo, diante das controvérsias e da realidade onde a religião está presente, pesquisadores demonstram que há possibilidade de fazer as duas formas de pensamento conviverem - conforme já foi apontado e explanado de forma mais detalhada no decorrer do trabalho -, embora isso seja questionável (Oliveira e Bizzo, 2011).

Assim, o primeiro problema que observamos é que as crianças são, de fato, inseridas desde cedo no mundo da religiosidade. Tal religiosidade não se limita ao espaço de culto, mas também se desenvolve no universo escolar, quando os pais decidem por uma escola confessional, que esteja em consonância com a sua confissão religiosa. Desse modo, as crianças não têm a oportunidade de fato de optar quanto à sua religiosidade ou ainda à ausência dela.

Neste trabalho, procuramos verificar se existe alguma correlação entre a presença de ensino religioso formal durante a infância e as categorias encontradas para os estudantes desta pesquisa:

Tabela 6.1 - Relação entre as categorias dos discentes e a presença de ensino religioso no ensino infantil de cada escola

Escola Presença de ensino religioso na infância Categorização dos estudantes

1 – Laica II/I 2 – Laica II 3 – Católica X II 4 - Católica X II 5 - Judaica X II/III 6 - Judaica X I 7 - Judaica X II 8 - Judaica X III 9 - Protestante X III

De forma geral, constatamos que, nas escolas confessionais (que contam com ensino religioso na infância), com exceção da escola judaica 7 e das escolas católicas 3 e 4, há alunos que esboçaram problemas em compreender ciência ao mesmo tempo em que convivem com seu cultural religioso. Nas escolas 8 e 9, isso pode ter sido causado pela própria abordagem do professor, a qual era categorizada em III. Porém, nas escolas 5 e 6, os estudantes têm aulas com um professor que não só foi classificado na categoria II, como também garante, de maneira clara, os conceitos necessários à diferenciação entre ciência e religião. Desse modo, as confusões e distorções geradas (que convergem para as categorias III e I) devem-se, provavelmente, também à cultura religiosa dos estudantes, e, por conseguinte, em parte, à sua educação religiosa na infância. Isso nos evidencia que há diversas variantes a serem julgadas e estudadas para compreender se o ensino religioso na infância é determinante para distorções na ciência, porém podemos afirmar que ele possivelmente pode causar problemas que, posteriormente, o ensino de ciências, por mais adequado que seja, terá dificuldades de desconstruir.

a criança é educada a compreender a fé como uma virtude, um atributo de grande qualidade. Porém, ao versar sobre ensino de ciências, a fé não ocupará mais esse espaço. Pelo contrário, carregará, em determinado grau, uma conotação negativa, pois a ciência busca a desconfiança e o questionamento como premissas fundamentais à sua construção.

Desse modo, sendo a fé estabelecida como comportamento positivo desde o começo da vida escolar e social dos indivíduos, é natural que identifiquemos um certo estranhamento e afastamento da ciência, dado que ele não só a descarta mas a desvaloriza enquanto forma de conhecimento.