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5. Apresentação e discussão geral dos resultados

5.1.3. Entrevista E Escola 7 (Judaica)

Na entrevista E, o sujeito de pesquisa pediu que a entrevista não fosse gravada, de modo que pudemos somente tomar nota de alguns dos seus comentários principais e esses serão utilizados como corpus de análise. Ainda que a precisão da formação de unidades de significação fosse menos exata, optamos por garantir a discussão dos dados obtidos pois, em conjunto com as informações recolhidas nas outras entrevistas, eles podem suscitar importantes discussões acerca do ensino de evolução em contextos de escolas confessionais, com destaque para as de confissão judaica.

5.1.3.1. Breve caracterização da escola 7

A escola 7 foi fundada em 2001, em um bairro nobre da cidade de São Paulo. Sua criação remete à necessidade de a comunidade judaica assegurar a existência de uma instituição que garantisse ensino de qualidade, com repertório fundamentado na cultura e nas tradições judaicas. Desse modo, ao mesmo tempo que a escola expõe seus alunos a diversas manifestações culturais, visa garantir a exaltação e apropriação dos valores judaicos nas vidas dos estudantes.

O ambiente escolar mostra-se em completa consonância com a confissão judaica. Na própria missão da escola, expressa-se o objetivo de formar alunos “comprometidos com a continuidade da herança milenar do povo judeu” e que tenham uma “vida judaica plena e

significativa”. A escola ressalta também que possui como valores essenciais os ensinamentos baseados nas fontes da Torá e do Talmud (livros sagrados) e que deseja formar bons cidadãos judeus, conhecedores da Torá e das mitzvot (mandamentos), preparados para assumir papéis na sociedade.

A escola conta também com projetos sociais baseados nos valores Chessed (“bondade”) e Tzedaká (benevolência e justiça social), intimamente relacionados aos elementos culturais judaicos. Entre as disciplinas ministradas na escola relacionadas ao ambiente confessional temos: Língua Hebraica (ivrit be ivrit), Tanach (Bíblia), Halachá e costumes (a Lei Judaica), Tefilot (Rezas), História Judaica e de Israel.

Além das atividades curriculares organizadas em um currículo trilíngue (português, inglês e hebraico), a escola dispõe de aulas extras, como Dança Israeli, Vôlei, Futebol, Capoeira, Handebol, Skate, Corrida, Boe Chinês, Piano, Violão e Guitarra. No ensino médio, há grande destaque para consolidação de disciplinas e projetos voltados ao conjunto de atividades religiosas e culturais.

Assim, a breve caracterização da escola, realizada a partir de dados trazidos pelo sujeito de pesquisa E, e de informações do próprio site da escola, mostra seu conjunto de valores confessionais judaicos e sua rede de possibilidades formativas voltadas ao desenvolvimento esportivo, cultural e acadêmico do educando.

5.1.3.2. A abordagem de conteúdos científicos na escola 7

O professor ressaltou que, atualmente, suas aulas não passam por qualquer espécie de crivo do núcleo religioso da escola, independentemente da espécie de tema que esteja em debate. Ressalta, porém, que há alguns anos, era uma postura bastante comum a escola, de fato, interferir em determinados conteúdos de natureza científica.

5.1.3.3. Material didático

O livro utilizado nas aulas de biologia é a coleção americana “Science Fusion - The

diversity of living things” da editora Houghton Mifflin Harcourt – Holt McDougal, 1ª edição.

pensamento detalhado e exclusivamente científico. Em todos os capítulos, são verificados trechos que tocam a evolução biológica por meio de árvores filogenéticas, trabalhando sinapomorfias de grupos, ou evidências de parentesco. Dessa maneira, a evolução é trabalhada efetivamente como uma espinha dorsal no material didático.

A escolha desse material foi feita exclusivamente pelos professores de ciências, não havendo, portanto, nenhum tipo de arbitrariedade por parte da direção pedagógica, administrativa ou ainda do núcleo religioso da escola.

5.1.3.4. Sujeito de pesquisa E

O professor E é formado em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário São Camilo e realiza pós-graduação na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em retrovirologia. Atua na escola 7 há sete anos como professor do ensino fundamental II e no ensino médio, lecionando no currículo internacional.

Durante a entrevista o professor ressaltou que é ateu, caracterização importante para realizar uma análise mais precisa das unidades recortadas da sua entrevista.

5.1.3.5. A abordagem docente

Conforme colocado na entrevista, o professor não possui nenhum tipo de confissão religiosa, de modo que, em suas aulas, elenca única e exclusivamente o conteúdo científico em relação à evolução dos seres vivos. Segundo o professor, o conhecimento científico e o religioso são ferramentais distintos que não podem se misturar na sala de aula, de modo que ele utiliza somente as ideias científicas e defende ao aluno que:

7.1 - “Nas aulas de ciências, estudamos o caráter científico do conteúdo, em outros momentos, eles podem utilizar outro tipo de material.”

7.2 -"Caso ele prefira, para a sua vida, utilizar suas ideias religiosas, pode ficar à vontade, mas que naquele momento trabalharemos com as ideias que a ciência trouxe"

espaço de discussão.”

Contudo, apesar de zelar pelo trabalho assertivo com o conhecimento científico, o professor não dispensa atenção a possíveis conflitos de ordem religiosa que podem, porventura, adentrar o ambiente de ensino.

7.4 - “Fico atento com possíveis temas que podem gerar conflito com o judaísmo, mas nunca tive problema.”

Desse modo, fica claro que o professor defende que, no momento das aulas de biologia, haverá somente levantamento e discussão relacionados ao conhecimento científico produzido, não sendo o ambiente adequado para levantar ou discutir questões que não se fundamentem nos marcos da ciência, embora elas possam aparecer em outros locais.

Portanto, para o professor, pode-se trabalhar com conhecimentos diferentes contanto que cada um deles seja colocado no seu respectivo local de atuação, em consonância com a ideia de independência entre os conhecimentos, relacionada à possibilidade de mudança de perfil conceitual. Classificando-se, então, na categoria II.

5.1.3.6. A compreensão discente

Sobre a maneira como o professor compreende como os estudantes se apropriam dos conceitos científicos relacionados à evolução biológica, temos alguns pontos que merecem destaque. Primeiro, o professor destaca mais uma vez um aparente interesse cultural em compreender parte da produção de conhecimento científico e relaciona essa disposição à cultura judaica e ao modo como os judeus estabelecem sua relação com o conhecimento.

7.6 - “Aparentemente, eles (estudantes) conseguem separar muito bem a natureza científica da natureza religiosa, então eles provavelmente usam cada uma delas em um momento da sua vida.”

7.7 - “Mesmo tendo valores criacionistas, eles têm uma relação interessante com o conhecimento e sabem que, naquele momento, é o conhecimento científico que será utilizado.”

Coloca também que dificilmente passou por momentos nos quais os estudantes negaram-se a estudar o conceito científico ou quebraram em definitivo com sua religiosidade devido a um eventual embate entre ciência e religião.

7.5 - “Dificilmente há momentos de embate entre religião e ciência.”

Portanto, na escola 7, temos estudantes lidando diretamente com a possibilidade de mudança de perfil conceitual (Mortimer, 1995), adaptando seu repertório nos momentos adequados assim como estipulado pelo docente. Isso aparentemente torna-se mais fácil a partir da relação estabelecida pela cultura judaica com o conhecimento, aspecto que fora destacado também na entrevista B, sendo, portanto, um fator extremamente importante e que deve ser levado em conta ao se analisar a relação da comunidade judaica com o conhecimento científico. Não houve, portanto, em momento algum, um rompimento com a realidade científica, mas sim uma especial apropriação desse tipo de conhecimento para sua utilização em contextos apropriados.

Tabela 5.3 - Categorização das unidades de significado da entrevista E

Unidades de significado - Entrevista E Categoria

Abordagem docente 7.1, 7.2, 7.3, 7.4 II

Compreensão discente 7.5, 7.6, 7.7 II