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4. Percursos da pesquisa

4.5. Entrevistas

A entrevista atua como interação social que valoriza o uso da palavra, símbolo e signo. A partir desses elementos, os sujeitos, como atores sociais, são capazes de construir significados e dar sentido à realidade que os cerca (Flick, 2002; Fraser e Gondim, 2004). Trata-se de um “texto negociado”, originado de um processo interativo e cooperativo que envolve tanto o entrevistado como o entrevistador na produção de um determinado conhecimento (Fontana e Frey, 2000). Segundo Fraser e Gondim (2004) o essencial, na entrevista, não é quantificar e mensurar, mas sim captar os significados, ou seja, o principal elemento a ser explicado e compreendido é a realidade particular com toda sua complexidade e possíveis influências mútuas dos atores sociais na construção de sua realidade.

Neste trabalho, optamos pela utilização de uma entrevista semiestruturada, metodologia que permite o surgimento de temas e tópicos ao longo do percurso (Lankshear e Knobell, 2008) e reforça o destaque dado à subjetividade não somente do entrevistado como também do pesquisador (Fraser e Gondim, 2004). No entanto, é muito importante ressaltar que a pesquisa qualitativa assim como a utilização de entrevistas semiestruturadas e a análise textual descritiva não trazem consigo um relativismo subjetivista no qual cada um tem “sua verdade”, mas sim reconhecem que diferentes épocas, processos de socialização, hábitos culturais, acessos à ciência, diferentes línguas e ambientes podem levar a diferentes vivências, e, portanto, diferentes significações da realidade (Bell, 2008; Fraser e Gondim, 2004).

A entrevista utilizada contou com dez perguntas norteadoras, de modo que novas poderiam ser adicionadas ao processo, dependendo de como se desenvolvia a discussão

(Quadro 01). Nas três perguntas iniciais, procuramos caracterizar o docente. Nas três perguntas seguintes, buscamos detalhamento acerca do material didático utilizado, desde a sua abordagem da temática evolutiva até quem foi o responsável pela sua escolha. Em alguns casos, contamos com o material de fato, o que nos auxiliou de forma breve em parte da análise de resultados. Nas duas perguntas posteriores, buscamos analisar possíveis influências da escola no que diz respeito à apresentação de conteúdos científicos. Por fim, objetivamos compreender a possível relação que o professor estabelece entre o conhecimento científico e a crença religiosa, levando em conta sua religiosidade ou não religiosidade e o ambiente de ensino no qual ele está inserido. Assim também, investigamos como se dá, segundo os professores, a compreensão do conceito de evolução e teoria da evolução pelos estudantes dentro desses diferentes cenários.

Há quanto tempo você leciona? Para que turmas você dá aulas?

Há quanto tempo você leciona nesta escola?

Qual material didático é utilizado na escola para as aulas de biologia? (Livro didático, apostila etc.)

Quem escolheu esse material? (Direção, professor, equipe de área etc.) Como esse material aborda questões de evolução? Há um recorte religioso?

Há alguma “interferência” da direção (direta ou indireta) nos conteúdos de ciência. Alguma polêmica etc. / Como a escola “interfere” no conteúdo das suas aulas?

Como você descreveria a relação Escola/ensino/religião? É bem consolidada a questão religiosa na escola? Ela permeia as atividades gerais da escola?

Como você lida com a religiosidade trazida pelo contexto da escola (direta ou indiretamente) nas suas aulas? Em temas como Evolução e Origem da vida por exemplo. Para os alunos, há “aceitação” da teoria evolutiva ou há alguma resistência baseada em um sentimento religioso?

Quadro 1 – Perguntas base da entrevista semiestruturada

É importante destacar que os alunos cujos docentes não identificaram conflito com as abordagens adotadas, foram classificados na mesma categoria que o seu respectivo docente, uma vez que esse não percebeu nenhum tipo de ressalva dos estudantes à sua forma de

relacionar conhecimento científico e crença religiosa. Há possibilidade de essa categorização dos discentes se desenvolver de maneira imprópria, uma vez que a ausência de conflitos pode ter variadas origens, porém, devemos ressaltar que estamos interessados na maneira como o professor percebe os estudantes.

As entrevistas foram gravadas, mediante autorização dos entrevistados. Houve também a transcrição integral (Anexo C) para possibilitar o acesso de todos ao registro. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com professores e professoras de biologia, que lecionam ou tenham lecionado no ensino médio de colégios confessionais e não confessionais do estado de São Paulo. Entrevistamos professores garantindo representatividade de diferentes contextos escolares no que se refere à confissão religiosa do colégio, ou ainda a ausência dela.

Foram realizadas sete entrevistas. Em uma delas, o mesmo professor forneceu dados sobre as três escolas nas quais leciona, contribuindo com diferentes cenários de ensino e de religiosidade. Em outra escola, realizamos a entrevista com dois professores responsáveis pelo ensino de evolução no Ensino Médio. Dessa maneira, somamos dados de oito escolas diferentes, sendo seis confessionais (três judaicas, duas católicas, uma protestante) e duas escolas não confessionais, caracterizadas como um cenário laico de ensino.

Para descrever e citar as escolas e as entrevistas realizadas, utilizamos códigos que garantam o anonimato das instituições e dos sujeitos de pesquisa, conforme combinado previamente com os docentes por meio do termo de consentimento livre esclarecido (Anexo A). Essa codificação auxiliará na análise do corpus propriamente dito. Para cada entrevista e para cada entrevistado foi atribuída uma letra-código; por exemplo a entrevista A foi cedida pela professora A, e assim por diante.

A cada escola foi atribuída uma numeração específica. Posteriormente, as unidades de significado também foram codificadas de modo que saibamos a qual escola cada uma delas pertence, sendo o primeiro número referente à escola e o segundo, à unidade especificamente.

Exemplo: 5.3: terceira unidade de significado da escola 5.

Exemplo 2: 2/5/6.1: primeira unidade de significado relativa tanto à escola 2, quanto à 5 e à 6. Isso pode ocorrer em casos nos quais o sujeito de pesquisa contribuiu com informações referentes a mais de uma escola.

Algumas unidades de significado foram constituídas de modo que incluíssem partes do diálogo realizado na entrevista. Quando isso ocorre, as falas do pesquisador estão indicadas pela letra P e as falas do sujeito de pesquisa estão identificadas com a letra que demarca a sua respectiva entrevista, conforme consta na tabela 4.1.

É necessário ressaltar que as escolas 7 e 8 correspondem à mesma unidade de ensino, porém os dados foram obtidos a partir de entrevistas com professores distintos, responsáveis pelo currículo internacional e nacional da escola, respectivamente. Desse modo, optamos por manter um número específico a cada fonte de dados, com intuito de facilitar a compreensão e análise das unidades de significado provenientes de cada uma delas.

Tabela 4.1 - Código das entrevistas realizadas e das respectivas escolas

Entrevista Código da escola / Caracterização

A Escola 1 (Laica) B Escola 2 (Laica) C Escola 3 (Católica) D Escola 4 (Católica) B Escola 5 (Judaica) B Escola 6 (Judaica) E Escola 7 (Judaica) F Escola 8 (Judaica)1 G Escola 9 (Protestante)

1 Conforme foi descrito, 7 e 8 correspondem à mesma instituição de ensino, porém optamos por realizar