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5. Apresentação e discussão geral dos resultados

5.1.5. Entrevista C Escola 3 (Católica)

5.1.5.1. Breve caracterização da escola 3

A escola 3 é gerenciada por uma congregação francesa fundada no século XIX, que está presente hoje em mais de vinte países. Esse grupo católico chegou ao Brasil em 1888 e fundou sua sede escolar em 1901, em um em um bairro nobre da cidade de São Paulo. Tratava-se inicialmente de uma escola somente para meninas; porém, com o passar do tempo, houve a abertura para meninos. Posteriormente, construiu-se uma segunda sede em um bairro de classe média, onde realizamos a pesquisa, além de outras duas unidades na região Sul do Brasil e outra no estado do Rio de Janeiro.

A realidade confessional católica da escola está bem refletida em sua missão, na qual são enaltecidos os valores cristãos e a importância da crença na formação do indivíduo. Está marcada também fisicamente na escola, por meio de quadros, crucifixos e aulas de ensino religioso em alguns segmentos pedagógicos. Porém, a realidade da diversidade religiosa está bastante presente não somente nos estudantes da escola, que não se limitam ao catolicismo, como também nos próprios valores de abertura inter-religiosa trazidos pela instituição, que ressaltam, por vezes, a importância da convivência respeitosa com o diferente.

A escola conta também com alguns cursos extracurriculares, como aulas de robótica, oficinas de linguagem, ballet, judô, ginástica e teatro, sendo que a última é a única estendida também ao ensino médio.

5.2.5.2. Abordagem de conteúdos científicos na escola 3

No ensino médio, as aulas de biologia contam com aulas práticas semanais, de modo que, em uma semana, metade da turma dirige-se ao laboratório enquanto a outra metade tem aula teórica e, na semana seguinte, o quadro se inverte.

De acordo com a professora, o currículo de biologia está dividido da seguinte forma: o primeiro ano estuda citologia, histologia embriologia e ecologia; no segundo ano estuda-se botânica, zoologia e inicia-se fisiologia; no terceiro ano trabalha-se genética somando-a à

questão da biotecnologia, posteriormente evolução, com aproximadamente um mês de aulas e uma revisão final com intuito de rever o conteúdo geral do ensino médio.

A professora destaca também que a direção da escola não seleciona os conteúdos da área científica, mas que isso ocorreu em momentos passados da instituição. Segundo ela, a presença de uma pessoa no corpo dirigente que possui formação em enfermagem facilita a inclusão de temáticas científicas, sem que se coloquem obstáculos de origem religiosa.

5.1.5.3. Material didático

O material didático utilizado era, até 2015, o livro Biologia Moderna (Moderna). Em 2016 passou a ser o volume único Biologia (Harbra). Ambas escolhidas pelos próprios professores de biologia, sem interferências da direção ou da coordenação da escola.

As abordagens gerais de cada uma das coleções de livros didáticos, no que diz respeito à relação entre criacionismo e evolução biológica, já foram descritas e brevemente discutidas anteriormente, de modo que não serão retomadas aqui.

A professora ressalta o uso, por vezes, de uma caixa de fósseis (Figura 1) utilizada nas aulas voltadas à discussão de evidências da evolução. Ressalta também que esse material foi adquirido pela própria escola.

Figura 5 - Caixa de fósseis utilizada como material didático na escola 3.

5.1.5.4. A sujeito de pesquisa C

A professora da escola 3 atua nesta instituição há 17 anos e leciona atualmente nos terceiros anos do ensino médio, embora já tenha trabalhado com primeiros e segundos anos anteriormente, tanto nas aulas práticas quanto nas aulas teóricas.

A docente formou-se em Ciências Biológicas pela Universidade de Guarulhos e não trouxe, na entrevista, nenhuma informação pessoal sobre sua religiosidade ou não religiosidade. Isso pode ser interpretado de duas formas distintas; a primeira forma é que ela, de fato, é uma pessoa que reside na linha do ateísmo ou agnosticismo, ou, por outro lado, ela pode optar por uma posição que separa os universos de religiosidade e ciência a tal ponto que, naquele momento, elencou somente seus atributos docentes, que a levam a aspectos mais voltados à ciência. Ao longo da entrevista, daremos elementos que nos permitirão defender que se trata provavelmente da segunda possibilidade.

5.1.5.5. A abordagem docente

Na primeira unidade de significado da entrevista C, já temos uma tendência bastante marcada pela separação da religiosidade e da ciência.

3.1 - “Eu até comento com eles “Olha, quando eu vou dar aula de evolução aqui ninguém tá querendo te convencer a nada, você tem o seu aspecto religioso e a gente tá dando um aspecto científico aqui a gente coloca o que tem uma prova científica.”

A professora ressalta de forma bastante categórica que, nas aulas de biologia, serão trabalhados conteúdos baseados no universo de conhecimentos científicos. Ao mesmo tempo, ela ressalta que os estudantes não precisam se sentir impelidos a mudar de ideias sobre sua religiosidade, mas sim, que a ciência trata, na verdade, de uma abordagem diferente do eventual argumento religioso que eles possuem. Nessa primeira unidade, portanto, a professora abre precedentes para que os estudantes trabalhem tanto seu repertório religioso quanto construam conhecimento científico sem que necessariamente ocorra uma substituição dos conceitos conforme propõe Posner et al (1982).

Na unidade 3.4, a possibilidade de o aluno conviver com duas visões de mundo mostra- se ainda mais plausível para a docente.

3.4 - “A hora que você entra daqui pra cá você tem que ter uma visão, a hora que você sai você pode criar uma alternativa que coloque e sobrepõe as duas e que você possa trabalhar.”

Embora a professora coloque que, fora do ambiente escolar, eles podem formalizar as ideias da maneira que lhes parecer mais conveniente, fica bastante claro que ela frisa a importância de os estudantes se apropriarem do conhecimento científico para utilizá-lo no ambiente escolar. A ideia de nova formação e de junção das ideias colocadas pela educadora dizem respeito à mudança de perfil conceitual (Mortimer, 1995), para dar abertura às diferentes possibilidades e formas de conhecimento às quais o estudante tem acesso nos diferentes

contextos que permeiam a sua vida. Trata-se novamente de uma unidade de significação que nos remete à categoria II.

Nas unidades 3.5 e 3.6, por sua vez a professora exemplifica casos reais nos quais mostra-se perfeitamente plausível a coexistência de uma confissão religiosa e da prática científica.

3.5 - “Na paleontologia que a gente tem um padre que trabalha com fóssil né? (...) Um dos que fez as pegadas de dinossauro aqui do Brasil é um padre.”

3.6 - “Então eu falo pra eles, se ele pode trabalhar e ele não tem crise, quanto mais eu né? Então eu tento colocar bem assim pra eles.”

O exemplo do padre paleontólogo esboça mais uma vez que, para a professora, o fato de a ciência e de a religião coabitarem o universo de conhecimentos de um indivíduo não traz, a princípio, nenhuma irregularidade ou antagonismo. Pelo contrário, é possível exercer cada uma das suas funções, seja padre ou paleontólogo, de forma produtiva, contanto que saibamos o momento de utilizar os diferentes instrumentais de cada área.

Na unidade 3.8, a professora remete a discussão a parte do conteúdo abordado e da ordem que ele é apresentado aos discentes.

3.8 - “No primeiro ano a gente começa com criacionismo, aí depois a gente passa pras etapas científicas, então a mesma coisa evolucionismo; então, a gente tá dando evolução, aí eu faço uma revisão de origem da vida, aí eu falo do criacionismo, aí eu falo da abiogênese, biogênese, as visões que têm, e aí por exemplo Lamarck, eu coloco ‘Olha o Lamarck quando ele começou a trabalhar que que era? Era a igreja católica. O que que era colocado na época?’ A teoria da abiogênese. Então o cara via lá a água parada, de repente aparecia, então ele fazia essa associação porque era isso que eles tinha na época.”

Na unidade 3.8, a professora traz inicialmente a ideia de separação entre formas de conhecimento distintas. Inicia a explicação pela narrativa religiosa para, posteriormente, seguir

com as “etapas científicas”. Ao que parece, a professora trabalha com os alunos a formação do pensamento científico enquanto instrumento utilizado para explicar o mundo e inicialmente isso se deu com a religiosidade, no caso da origem das espécies, pelo criacionismo.

Na unidade 3.9, ela, mais uma vez, separa o instrumental científico do religioso.

3.9 - “É, a gente coloca bem o basicão, porque aí a gente coloca assim ‘Como é que é a visão do Adão na bíblia?’ Aí eles falam, ‘ah era um homem e tal’. Daí a gente fala ‘então, esse homem não é igual você?’ Então que que a gente coloca, ‘criacionismo veio de um criador, só que esse homem não se modificou ao longo da linha evolutiva, seria um homem igual ao que a gente tem hoje’. Aí eu começo a colocar pra eles, ‘vamos lá o homem da pré história a gente acredita que ele tinha um outro dente depois do siso, então vamos ver vocês agora quem tem o dente depois’, então eu vou mostrando que tem aspectos de mudança. Aí coloco pessoas que não têm esse dente que não vão formar. Então eu vou mostrando que teve mudança, então a gente não pode falar que esse homem é fixo.”

Nessa unidade, a professora ressalta que, por vezes, há criação de um determinado conflito entre as ideias religiosas trazidas pelo criacionismo e a teoria evolutiva, ou seja, a professora problematiza a ideia de que não tenha ocorrido modificação na nossa espécie. No entanto, apesar de trazer um conflito, não podemos dizer que a professora trabalha de acordo com as ideias de Mahner e Bunge (1996), uma vez que ela havia deixado claro que há possibilidade de convivência entre o saber religioso e o científico, conforme foi exposto nas outras unidades.

Ainda nessa unidade, ela acaba por destacar, mais uma vez, que a bíblia, ou a religião, não trabalham da mesma forma que a ciência. A ciência se preocupa em analisar evidências, nesse caso ela está tratando da presença ou ausência do dente do siso, e que, diante de irrefutáveis mudanças, não podemos trabalhar de maneira científica com a ideia proposta pelo criacionismo fixista.

Fica ainda mais evidente, nessa unidade, que não há possibilidade de categorização da prática docente na categoria IV. De forma similar, não podemos classificá-la na unidade III, pois ela separa de tal forma ciência e religião, que a religião não teria como complementar a primeira, dado que parte de um corpo totalmente distinto de operação.

Encontramos, portanto, unidades de significado - e, por conseguinte, uma prática- que remetem à categoria II.

5.1.5.6. A compreensão discente

Para compreender a relação estabelecida pelos estudantes, utilizaremos as unidades 3.2, 3.3 e 3.7.

3.2 - “A gente trabalha com eles e eles levam numa boa.”

3.3 - “É como se eles tivessem separando o aspecto religioso do outro.” 3.7 - P: “E pra eles funciona bem isso?

C: Funciona. Nunca teve problema.”

Nessas unidades, está colocado de maneira bastante concisa que os educandos trabalham adequadamente, de acordo com a proposta da professora. Assim, caso haja, na vivência do aluno, uma experiência de cunho religioso, é muito provável que ele utilize da mudança de perfil conceitual (Mortimer, 1995) para adaptar-se aos diferentes contextos da sua vida cultural e acadêmica, colocando-se também na categoria II.

Tabela 5.5 - Categorização das unidades de significado da entrevista C

Unidades de significado - Entrevista C Categoria

Abordagem docente 3.1, 3.4, 3.5, 3.6, 3.8, 3.9 II

Compreensão dos estudantes 3.2, 3.3, 3.7 II