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Ensino superior e pesquisa universitária

Conforme é de conhecimento geral, o ensino que se poderia con- siderar como de nível superior, no Brasil, somente teve esse reconheci- mento depois da chegada do Príncipe Regente Dom João à Bahia, em 1808. Criou-se, então, a primeira Escola de Cirurgia em Salvador, logo seguida de outra Escola para a formação de profissionais da saúde, no Rio de Janeiro, no final do mesmo ano. Com a incorporação de reformas sucessivas e a criação de novas escolas, estabeleceu-se o modelo que veio a representar a tradição inicial das Escolas superiores no Brasil. Entre o começo do século XIX e o ano de 1934, todas as Escolas de nível superior criadas no Brasil não eram vinculadas a outras instituições de caráter cultural, como fossem Academias ou Universidades. Além de isoladas, eram completas em si mesmas, no sentido de abrangerem as disciplinas pré-profissionais seguidas, no mesmo currículo, das disciplinas correspondentes à prática de determinada profissão. Havia muita pressa, naquele momento histórico, em preparar profissionais de nível superior que atendessem à demanda da população em rápido crescimento, uma vez que haviam sido muito poucos os habilitados ao exercício dessas profissões que se deslocaram de Portugal para o Brasil, durante os três primeiros séculos de colonização. Apesar do rápido crescimento ocorrido recentemente no número de alunos que frequentam cursos superiores, continua muito reduzido o percentual de brasileiros neles matriculados, em comparação com o que ocorre em outros países.

No começo da década de 1930, criaram-se as primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, nas quais se incluíram cátedras dedicadas

ao ensino e à pesquisa nos setores básicos do conhecimento (Filosofia, Matemática, Física, Química, Biologia, Geociências, Ciências Humanas). Até então, o ensino e a pesquisa nessas disciplinas serviam, apenas, como preparação dos alunos para o conhecimento das práticas profissionais a que se dedicavam as diferentes escolas de nível superior. Na mesma década de 1930, entraram em funcionamento as primeiras Universida- des brasileiras, após tentativas anteriores que, mediante providências de natureza muito diversa, atravessaram vários séculos e não tiveram êxito. As primeiras Universidades brasileiras a funcionar, no ano de 1934, foram instaladas, respectivamente, na cidade de São Paulo e no Distrito Federal (então no Rio de Janeiro) e consistiram na aglutinação, nos âmbitos ad- ministrativo e financeiro, de escolas superiores que eram até então isola- das. Essa aglutinação limitou-se aos âmbitos administrativo e financeiro, enquanto cada qual das Faculdades assim aglutinadas manteve, na sua estrutura, o ensino e a pesquisa que possuía quando não era vinculada a outras instituições, no modelo em que o aluno cumpria todo o currículo até chegar à diplomação na mesma Faculdade. O ensino e a pesquisa nas disciplinas correspondentes aos setores básicos do conhecimento continuaram fragmentados e distribuídos entre as diferentes unidades da mesma Universidade. Na época em que foram criadas as primeiras Universidades federais, entre as décadas de 1930 e 1960, todo o corpo docente funcionava em regime de tempo parcial, com salários escandalo- samente baixos. Ressalvadas pouquíssimas e respeitáveis exceções, havia muito pouca pesquisa nas nossas Universidades.

Na década de 1960, as Universidades assim constituídas foram reestruturadas com o propósito de atribuir-se maior ênfase aos setores básicos do conhecimento e aos cursos de pós-graduação, o que ensejou considerável aumento dos cursos de mestrado e doutorado, e da pes- quisa científica e tecnológica, funções essenciais ao próprio conceito de Universidade.

O sistema universitário brasileiro tem crescido, exponencialmente, sobretudo nos anos mais recentes, inclusive no Nordeste, e a expansão

tem sido mais rápida no setor privado que na rede pública. Esse cresci- mento vem ocorrendo tanto no número de professores e de alunos como na formação de pesquisadores e na elaboração de pesquisas. Entre essas, tanto têm crescido as chamadas “pesquisas puras”, essenciais ao avanço do conhecimento humano, como as “pesquisas aplicadas”. Estas, aproveita- das pelo setor produtivo da sociedade brasileira, vêm assegurando grande parte do progresso tecnológico e do desenvolvimento econômico no país. A recente expansão da economia nacional tem estimulado o reconheci- do aumento da responsabilidade das Universidades quanto à formação de pesquisadores e à elaboração de pesquisas científicas e tecnológicas. A qualidade dessas atividades, entretanto, nas diferentes regiões do Brasil, continua sendo muito heterogênea, com nítida vantagem da região Su- deste sobre o Nordeste. Recentemente, foi criada a Academia de Ciências da Bahia, com o propósito de estimular a formação de maior número de pesquisadores em ciência e tecnologia, e de promover maior articulação entre o setor acadêmico e o setor produtivo da sociedade baiana.

O crescimento econômico do Brasil, nas décadas 1960 e 1970, havia exigido do sistema de ensino médio a formação de técnicos em número crescente e com habilitações muito variadas. Além da ampliação da rede escolar para atender à demanda que passou a existir, sobretudo nas regiões mais industrializadas, foi necessário estimular o preparo de profissionais de nível superior por meio dos chamados “cursos de curta duração”, destina- dos à formação dos “tecnólogos” que se faziam necessários em virtude da rápida evolução do mercado de trabalho. Na segunda metade da década de 1970, mediante articulação entre o governo federal e o governo do estado da Bahia, foi criado o Centro de Ensino Tecnológico (Centec) provisoriamente localizado em Salvador, no bairro de Monte Serrat, onde funcionara, em passado remoto, o Instituto de Pesquisas Tecnoló- gicas da Bahia. As habilitações implantadas no início do funcionamento do Centec incluíram as áreas das telecomunicações, do turismo e da instalação e manutenção dos equipamentos para a indústria petroquími- ca (o Pólo de Camaçari estava começando a ser construído). Enquanto

exerci o cargo de governador do estado, providenciamos a construção e a aquisição dos equipamentos para a sede definitiva do Centec, cujas excelentes instalações, situadas no município de Simões Filho, têm o feitio de uma Universidade especializada na área tecnológica. Com novo nome, está o Centec incorporado à rede federal de ensino técnico, a cargo do Ministério da Educação.

Cumpre destacar a grande responsabilidade das instituições edu- cacionais de nível superior encarregadas da formação de professores para o ensino de primeiro e de segundo graus. Voltamos a lembrar que o desempenho do professor é o mais importante fator dos que contribuem para a boa qualidade da educação em todos os níveis. Daí o papel fun- damental para o desenvolvimento social e econômico, desempenhado pelos diplomados nos cursos de licenciatura que se destinam a lecionar no primeiro e no segundo graus. Na tradição brasileira, entretanto, esses profissionais de nível superior não têm sido valorizados como deveriam. Os salários dos licenciados estão entre os mais baixos dentre os atribuídos a diplomados em outros cursos que exigem nível superior de estudos. Tem sido este um forte desestímulo para a escolha dos cursos de licen- ciatura, entre os alunos que tiveram bom desempenho no ensino médio e precisam decidir qual a profissão que pretendem exercer. O problema da reduzida atração para a carreira do magistério, entre os jovens que se candidatam a cursos superiores, não vem ocorrendo apenas, no Brasil. Vários outros países têm se defrontado com a mesma dificuldade, sem que hajam sido encontradas soluções satisfatórias para esse grave problema.

A recente expansão da economia brasileira tornou evidente a grande escassez de engenheiros que encontram oportunidade para atuar no ter- ritório nacional. Entre os principais motivos dessa escassez identificou-se a grande evasão de alunos ao longo dos cursos que preparam os futuros engenheiros destinados aos diferentes ramos da profissão. Recentemente, reagiu o governo federal a essa redução, oferecendo grande número de bolsas para estudantes dos níveis de graduação e de pós-graduação que pretendam estender a sua formação no Brasil ou no exterior. Mais ainda,

verificou-se que tamanha evasão se deve, principalmente, à falta de pre- paro dos alunos nas disciplinas correspondentes às chamadas “ciências duras”, enquanto frequentaram os cursos fundamental e médio. Essa deficiência, por sua vez, é particularmente acentuada pela precariedade do ensino prático, pela pobreza do material disponível nas escolas médias e pela má qualidade da formação de muitos dos professores de ciências ao nível do ensino médio, enquanto frequentaram os cursos de licencia- tura. É este um dos motivos pelos quais temos, repetidamente, chamado a atenção para o estreito relacionamento entre a qualidade dos cursos de licenciatura e o processo de desenvolvimento social e econômico das nações.

A adoção do regime de dedicação exclusiva para o pessoal docente das Universidades federais teve enorme importância para a melhoria da qualidade dos cursos de pós-graduação (mestrados e doutorados), com forte reflexo na formação de pesquisadores e na expansão da pesquisa tecnocientífica nas mesmas instituições. A melhor formação de pesquisa- dores tem aberto perspectivas para o aumento de iniciativas inovadoras na economia regional, essenciais para a maior aceitação, pelos mercados, dos nossos produtos manufaturados. A aproximação entre as pesquisas universitárias e o setor produtivo tornou-se imprescindível na vida mo- derna e tem sido reconhecida como fator essencial ao desenvolvimento socioeconômico das nações. É este um dos principais motivos pelos quais foi criada, recentemente, a Academia de Ciências da Bahia. No presente texto, fizemos já referência às grandes desigualdades entre as regiões Sudeste e Nordeste brasileiras, no tocante ao funcionamento dos núcleos de pesquisa científica e tecnológica.

Cumpre lembrar, de outra parte, que a educação, por si só, não resolve os problemas da pobreza. E também que as desigualdades so- ciais não se resolvem, apenas, pela elevação da renda dos mais pobres. A estrutura social que gera a pobreza e com ela se conforma tende a produzir sistemas educacionais deficientes, à imagem e semelhança dos que já existiam entre as populações quando vivem em condições de

subdesenvolvimento. Outras forças vindas de fora precisam contribuir com maior vigor para desafiar sistemas assim constituídos, cristalizados e consolidados. A atuação dos políticos, devidamente conduzida, deverá ser uma das mais vigorosas dessas forças.