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Ensino superior no Século XV : universidades francesas, britânicas e americanas

2 A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E ARQUITETURA

2.2 EDUCAÇÃO SUPERIOR E ARQUITETURA: HISTÓRICO DESTA RELAÇÃO

2.2.1 Ensino superior no Século XV : universidades francesas, britânicas e americanas

As primeiras instituições de ensino superior no período medieval, segundo o arquiteto e urbanista Gelson Pinto e a historiadora da educação Ester Buffa (2009), surgem por volta do século XII, com o desenvolvimento urbano e cultural europeu. Nas cidades surgem as corporações de ofício, que agregavam os que exerciam o mesmo trabalho e as corporações de mestre e estudante. As corporações de ofício eram unidades produtivas que, embora não fossem escolas, guardavam semelhanças com a corporação de mestres e estudantes, à medida que proporcionavam um processo de transmissão dos conhecimentos. A corporação de mestres e estudantes era também chamada de universitas - ensino aberto a clérigos e leigos.

No século XIII, desde as Leis de Afonso X, o Sábio, estabeleceram-se regras para o estudo, definindo-o, quantificando os tipos e por ordem de quem, o estudo deveria ser feito. Essas leis definiam que o “estudo é a união de mestres e estudantes que se realiza em qualquer lugar com a vontade e o objetivo de aprender as ciências” (MANACORDA, 1989, p.151). Logo, nota-se que não há definição de um lugar específico para os estudos, pois, segundo a lei, o estudo se realiza “em qualquer lugar”. E desta forma, tanto a educação infantil teve seus primeiros espaços improvisados (KOWALTOWSKI, 2011; FARIA FILHO, VIDAL, 2006) quanto o ensino superior ocorria muitas vezes nas casas dos próprios mestres ou em salas

alugadas (PINTO, BUFFA, 2009), sem considerar a necessidade de espaço próprio para a educação.

Segundo esses mesmos autores, no século XV, com o crescimento das cidades e maior demanda de mão de obra para negócios e serviços, amplia-se também o número de instituições de ensino. Em função do grande número de alunos, torna-se necessário o aluguel de hospedarias nas quais os professores passam também a ministrar os cursos. Embora em estruturas precárias e reformadas inicia-se a transformação na configuração de tempo e espaço para o estudo.

A partir deste momento, nas universidades do século XV acentua-se a segregação dos estudantes mais pobres devido ao alto custo dos estudos e das suntuosas festas de conclusão de cursos para a comunidade universitária e convidados distintos da aristocracia. As novas edificações para o ensino superior passam, então, de estruturas modestas e improvisadas para novas estruturas que aos poucos ganham caráter majestoso. O ensino torna-se uma cerimônia, uma mercadoria, o que modifica a relação pedagógica entre mestres e alunos e, ao final desse século, as universidades se configuram bem distintas do conceito inicial proposto pelos primeiros mestres ainda nos séculos XII e XIII, o de que todo homem que fosse capaz tinha o direito de ensinar (PINTO, BUFFA, 2009).

Nesse cenário, surgem as primeiras universidades francesas, britânicas e americanas, as quais, de alguma forma, influenciaram o ensino superior no Brasil e, por isso, apresentaremos algumas das suas principais características.

Luiz Cunha (2007a) considera que havia uma dependência cultural decorrente da influência francesa no reino português no século XVIII, ainda no Brasil Colônia. Segundo Karina Oliveira (2015), essa dependência cultural teria sido causada por quatro fatores principais; o primeiro seria a mesma origem latina da língua; o segundo seria o exemplo da corte francesa como vitória dos senhores feudais; o terceiro teria por base a religião católica tanto na França quanto em Portugal e o quarto fator a intensa produção ideológica francesa, sob a bandeira do Iluminismo.

Outra influência teria sido a recusa de Portugal para instalar universidades no Brasil, considerando que na França, entre os anos 1793 e 1896, as universidades foram abolidas e o ensino superior era estruturado em instituições isoladas, dispersas na malha urbana, as quais só posteriormente foram reunidas em universidades. No século XX, com influência do modelo norte-americano, a França cria a Cité internationale universitaire de Paris (CIUP), mas afastada do centro da cidade, com moradias para estudantes, esporte e lazer. Dessa experiência nasce o termo cidade universitária, que na França se refere à moradia dos estudantes universitários e que irá influenciar o nome das universidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O modelo de cátedras, também utilizado inicialmente no Brasil, é influência do modelo francês (OLIVEIRA, 2015).

As universidades britânicas como Oxford e Cambridge nascem ainda durante os séculos XII e XIII, em locais improvisados, e posteriormente nos colleges, nas hospedarias não mais alugadas, mas em caráter permanente. Os colleges eram instituições de ensino superior que preparavam os estudantes para a universidade (collegiate university), que reunia os colleges das proximidades (PINTO, BUFFA, 2009).

Muitos destes colleges ingleses foram implantados em edifícios religiosos medievais e mesmo os construídos seguiam a inspiração dos claustros, com edificações de dois pavimentos que cercavam um quadrângulo central, que se configurava como uma área livre, de circulação e lazer (PINTO, BUFFA, 2009). Nos monastérios, a configuração arquitetônica imprimia rígido controle disciplinar e vigilância central, assim como no Panóptico de Bentham16, logo, as primeiras configurações arquitetônicas do ensino superior foram baseadas no poder do controle e da vigilância.

16 O princípio do Panóptico de Bentham baseia-se em uma construção periférica dividida em celas, cada uma com duas janelas largas, uma voltada para o interior e outra para o exterior, de forma que a luz atravesse a cela lado a lado. No centro fica uma torre, também dotada de janelas, de maneira a permitir que um único vigia controle as celas ao seu redor. A ideia é que a luz permita que o vigia veja os prisioneiros, mas os mesmos não vejam o vigia, ou seja, eles sabem que estão sendo observados a qualquer instante, embora não saibam exatamente quando. E é essa consciência de possível vigilância que atua no jogo de poder entre a dominação da torre de vigia e os prisioneiros. Michel Foucault utiliza a concepção do Panóptico nos seus estudos sobre as primeiras construções escolares que tinham como princípio a máxima de vigiar e punir.

No início do século XVII, em decorrência da reforma política e religiosa, as universidades rompem com a tradição medieval e reformam o currículo, suprimem a escolástica e introduzem as ciências. As novas construções dos colleges seguiam um projeto pedagógico que se assemelhava ao projeto da escola seriada adotada pelos jesuítas e reformistas. Para atender a esse projeto pedagógico, as edificações eram construídas com um corredor central, com salas dos dois lados; as internas eram iluminadas e ventiladas pelo pátio central, como nos claustros dos monastérios. Cada ambiente tinha uma função e horário de uso definidos. Essas edificações eram construídas nos limites das cidades, mas ainda dentro dessas, e a própria edificação definia o território da escola, sem precisar de limites, não tinham muro, não eram vistas como uma área fechada, delimitada e apartada da cidade.

Desde o século XVII, embora inspiradas nos colleges ingleses, os colleges americanos tinham como principal diferença a relação destas com a cidade. Enquanto os colleges ingleses se integravam na cidade, os americanos eram consideradas como comunidades nelas mesmas, como um pequena cidade, e por isso situavam-se nas periferias das cidades ou mesmo no campo. No entanto, a configuração arquitetônica das universidades inglesas, fechadas ao redor de claustro, foi rejeitada pelos americanos que optaram por implantar as edificações separadas em um espaço verde aberto (PINTO, BUFFA, 2009).

De acordo com esses autores, a maioria das universidades americanas implantadas entre os anos de 1636 e 1865 são hoje renomadas e seletivas instituições, com inspiração religiosa e particulares (Harvard University, Yale University, University of Pennsylvania, Princeton University, Columbia University, entre outras) A exceção foi a Universidade da Virgínia, fundada por Thomas Jefferson em 1819, por ser uma universidade pública e por ofertar cursos em campos diversos como Astronomia, Arquitetura, Botânica, Filosofia e Ciências Políticas. Sem doutrina religiosa a diferença espacial está no fato de que a biblioteca, e não mais a igreja, era o elemento de destaque no conjunto dos edifícios. A implantação dessa universidade dá inicio ao uso do campus universitário, conceito que foi repetido tanto nos Estados Unidos quanto em outros países como no Brasil, conforme explicaremos mais adiante neste texto.