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Entender os outros e a si próprio para melhor intervir

No documento Relatório Final de Estágio Profissional (páginas 119-125)

3. CONTEXTO PROFISSIONAL

3.9. Entender os outros e a si próprio para melhor intervir

A programação neurolinguística trata da estrutura da experiência humana subjetiva de como organizamos o que vemos, ouvimos e sentimos e filtramos o mundo exterior através dos nossos sentidos. Examina, também, a forma como descrevemos, isso através de linguagem e como agimos, intencionalmente ou não, para produzirmos resultados (O’Connor e Seymour, 1995). Portanto, a parte “Neuro” da programação neurolinguística reconhece que todos os comportamentos nascem dos processos neurológicos da visão, audição, olfato, tato e paladar, percebemos o mundo através dos cinco sentidos; a parte “Linguística” indica que usamos a linguagem para ordenar nossos pensamentos e comportamentos e nos comunicarmos uns com os outros; a parte da “Programação” refere-se à maneira como organizamos nossas ideias e ações a fim de produzir resultados (O’Connor e Seymour, 1995). Nesta perspetiva, a programação neurolinguística ajuda a entender-nos a nós próprios, a perceber como agem os outros e de que maneira os podemos influenciar.

Em ambas as turmas, com as quais tive o prazer de trabalhar, alguns alunos (Pedro1, Renato1, Filomena1) referiram na ficha do aluno, no início de

ano letivo, que não gostavam da Educação Física. Logo à partida existem níveis de motivação diferenciados nas turmas, o que implica recorrer a estratégias que respeitem a individualidade e promovam o seu crescimento, eliminando os bloqueadores de ação. A sustentabilidade da intervenção assentou em conhecer e entender os alunos nas suas diferentes dimensões, desde as bases desportivas até ao contexto familiar. Deste modo, o conhecimento da pessoa era profundo e com interações. Tal como se fossemos encaixando as diferentes peças na construção de um puzzle. Resumindo, defini um programa de intervenção sistémico fruto dos sinais que os estudantes apresentavam. Pelo que referiram na ficha de avaliação das

“Vivemos em nossa própria realidade, construída a partir de nossas impressões sensoriais e individuais da vida, e agimos com base no que percebemos do nosso modelo de mundo.” (O’Connor e Seymour, 1995)

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atividades e do desempenho do professor, e pela atitude de interesse demonstrada durante a aula, conclui que no momento a sua motivação para a prática desportiva era superior. As situações de aprendizagem propostas, possibilitou-lhes vivenciar o sucesso, terem uma participação ativa na aprendizagem e partilharem momentos de cooperação com os colegas, acoplada a intervenção individualizada, pelos diálogos e pela maior atenção ao desempenho, foram as principais estratégias utilizadas. No fundo, ajudei-os a terem uma maior confiança nas suas capacidades e a acreditarem que eram capazes de ultrapassar as suas dificuldades. Aprenderam a focalizarem-se nas soluções e afastarem-se dos problemas.

Por exemplo se temos uma folha próxima da cara teremos grandes dificuldades em encontrar o caminho de saída de um qualquer espaço, se afastarmos a folha os problemas distanciam-se, ficamos com visão mais abrangente e as soluções para seguirmos o caminho aparecem, depois é uma questão de selecionar aquela que para nós é a melhor.

Na turma do 9º ano de escolaridade a aluna Claudia1 apresentava uma baixa autoestima e reduzida autoconfiança na realização das tarefas desportivas. A sua estrutura corporal endomorfa limita-a psicologicamente, construindo-se constrangimentos que bloqueavam o seu desempenho. Os diálogos que estabeleci com ela, a atenção que lhe dei dentro e fora da sala de aula, a valorização que lhe atribuí quando alcançava os objetivos e os textos motivacionais que lhe entreguei ajudaram, a aluna, a acreditar mais nas suas capacidades. Vejamos o exemplo da próxima reflexão.

“Na aula anterior entreguei a Cristina um texto referente a autoestima e disse-lhe para efetuar uma reflexão. Realizou uma interpretação com qualidade, demonstrando capacidade de reflexão. No final da aula solicitou-me mais textos. Entendendo as necessidades dos alunos o professor poderá contribuir para a progressão dos mesmos (Relatório crítico da aula nº67 e nº68, 12-03-2004, 9º5º).”

De uma forma, implícita este contexto procurou definir metas (compromisso com um objetivo) que funcionavam como estímulo. Segundo Buck e Harrison (1990), o estabelecimento de metas pode ser visto como uma estratégia motivacional, que busca dirigir e manter a atenção do executante

Joaquim Milheiro 105 para um determinado objetivo a ser alcançado, e assim, melhorar seu desempenho. Portanto, a estratégia de estabelecer metas para si próprio ou para uma coletividade pode ser vista como um traço característico do comportamento humano, observado na capacidade de projetar virtualmente condições futuras para guiar as suas ações presentes (Ugrinowitsch e Dantas, 2002).

A atuação do professor não se deve limitar a transmissão de matéria, deverá ter sensibilidade para ajudar os alunos a crescer a diferentes níveis. Ter uma escuta ativa (todos os órgãos sensitivos a funcionar), paixão pelo trabalho que desenvolve e “amor” aos estudantes promoverá o crescimento de todos alunos e respeita-se as particularidades dos outliers. Como refere Dias e Ramos (1997), os educadores devem observar os jovens, para os conhecer, para saber os seus problemas, desejos, expectativas, capacidades, valores e os ajudarmos a construírem-se e a construir o mundo. Observar, não exclusivamente com os olhos, mas com todo o corpo (diferentes sentidos) possibilita recolher informações mais sustentadas. Quando observamos uma criança ou um adolescente a falar, gesticula muito mais do que o adulto, o seu corpo move-se, balança, gira... expressa-se com o corpo, o olhar e com uma linguagem falada extremamente sensorial, concreta, cheia de expressões “e aí...e então...tá tudo!”... a educação formal concentra o conhecimento na cabeça, no racional, eliminando progressivamente o sensorial, aluno é cinestésico, o professor não (Schneider et al., 2004).

Rogers (1983) acrescenta que não há lugar para pessoas inteiras no sistema educacional; só há lugar para seus intelectos. Quando o docente exerce a função pedagógica com os cinco sentidos comunica através de uma linguagem que contempla o emocional e o racional, tornando-se, mais equitativo e eficaz na sua intervenção pedagógica. Como salienta O’Conner e Seymour (1995) um talento partilhado por todos os profissionais excecionais, qualquer que seja o seu campo de atividade, é a capacidade de passar rapidamente por todos os sistemas representacionais (diferentes sentidos) e usar o mais adequado à tarefa que precisa ser realizada. Cria-se, portanto, um ambiente pedagógico mais favorável ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem quando há respeito pelo sistema representacional de

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cada aluno. O professor valoriza a diversidade pelo direcionamento que dá a sua intervenção. Ocorre um efeito sistémico (bola de neve) na aprendizagem: estimula a confiança e cria-se um otimismo nas pessoas (alunos) que desencadeia a procura de desafios, que desperta interesses e que estimula a procura dos sonhos.

Os dados recolhidos das fichas de identificação individual ajudaram-me a compreender o comportamento, o aproveitamento e o rendimento ao nível das diferentes modalidades desportivas, inclusive permitiu-me definir estratégias de ensino. Tive conhecimento que o Pedro1 não tinha um pai presente, devido a divórcio, e que o acompanhamento da mãe era praticamente nulo, então, deduzi que poderia ser um aluno carenciado e até revoltado, e necessitar de um maior apoio e afetividade. Em determinados momentos na aula apresentou comportamentos desajustados, resultado, em parte, do exposto anteriormente. Compreendi, o quanto, o seu contexto familiar pode influenciar negativamente a sua postura. Exigiu que eu tivesse ainda mais compreensão sem, contudo baixar a exigência ou perder a liderança da turma. As reações dos professores aos comportamentos de indisciplina constituem, especificamente, episódios importantes na construção da qualidade da relação pedagógica e na regulação dos comportamentos (Estrela, 1996). O comportamento apropriado do professor face a indisciplina exige uma compreensão sistémica do problema e concomitantemente uma atuação ecológica, de modo, a interferir positivamente no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Portanto, a estratégia de intervenção passou pela valorização pessoal do aluno, por dialogar acerca do andebol que é a modalidade que mais gosta e pratica-a a nível federado, por estimular que fosse sempre melhor (nível de exigência elevado) e pela “confrontação” com a realidade. O Pedro1 melhorou o seu comportamento com os colegas de equipa e sentiu que contribui-a positivamente para o desenrolar da aula. Um momento (entre muitos) de grande alegria de ser professor!

Um outro dado constatado foi que as raparigas não gostavam de futebol. E porquê este sentimento? Talvez: vivências negativas no passado, impossibilidade de terem sucesso na sua realização; a escola não oferecer as mesmas oportunidades de prática; a disposição incorreta dos espaços

Joaquim Milheiro 107 desportivos; a sociedade reprimir a sua prática (perda de feminilidade); as imagens veiculadas pelos órgãos de comunicação social; resistência ao ensino do futebol por alguns professores de Educação Física. Estamos perante um problema multidimensional, que implica mudança de mentalidade da sociedade e dos professores, restruturação escolar, uma imprensa que valorize ambos os géneros e o desenvolvimento de novas estratégias pedagógicas. Para alterar este pensamento/sentimento indesejado e criar novos comportamentos recorri a técnica da programação neurolinguística designada de resignificação. Segundo O´Conner e Seymour (1995), quando o significado muda, as reações e os comportamentos também mudam. Ao professor compete criar contextos que ajudem os alunos a encontrar novos significados, diferentes perspetivas para as coisas. A capacidade de dar novo significado a um acontecimento oferece maior liberdade de escolha (O´Conner e Seymour, 1995). Este processo de resignificação de pensamentos/sentimentos associado as mensagens positivas que transmiti do futebol e ao desenvolvimento do Modelo de Educação Desportiva levaram a que as raparigas apresentassem elevados níveis de motivação (novos significados), inclusive esta competência psicológica foi identificada pela diretora de turma. Tal como o navegador que calibra a bússola, encontra o azimute para se orientar na direção correta, o professor deverá estimular os estudantes em determinadas direções (modelação) para estes constituírem os melhores significados.

O otimismo, a colaboração e as aprendizagens não foram transmitidos nem ocorreram num único sentido, professor-alunos, mas em dois sentidos, professor-alunos e alunos-professor. Independentemente, desta proximidade, da empatia, do saber brincar e dialogar, as hierarquias devem existir e funcionar positivamente. Nas palavras de Ângelo e Rosa (1994), não é vergonha para nenhum professor ter a humildade de reconhecer que aprende com os seus alunos. A escola é um local privilegiado para o estabelecimento de interações entre os mais diversos intervenientes, independentemente dos papéis e forma de atuação (professor, alunos, funcionários), logo espaço de aprendizagem por excelência. Este estabelecimento de interações foi fortalecido através da técnica de evocação. Este processo da programação neurolinguística é usado para conduzir alguém a um determinado estado

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mental (O´Conner e Seymour, 1995). Estes autores referem que é preciso agir de acordo com o que dizemos (congruência linguagem verbal e não-verbal). Por exemplo, se quisermos fazer com que alguém entre num estado calmo e fecundo, é inútil falar depressa, em voz alta, respirando rápido e fazendo movimentos abruptos.

Preocupei-me em operacionalizar o processo ensino-aprendizagem valorizando o coletivo e contemplando a individualidade. Como refere Dilts (1995), as pessoas fazem as ‘’melhores’’ escolhas que têm à sua disposição, de acordo com as possibilidades e as capacidades que elas percebem em seu modelo do mundo. Compete ao professor criar contextos que ajudem o aluno a construir e aperfeiçoar o seu modelo do mundo. Partindo da perspetiva que todos temos algo em que somos bons e que temos que saber descobrir-nos, o docente poderá ser um auxiliar importante nesta descoberta/construção do mundo. Ajudar a pessoa a ampliar as suas perspetivas numa situação descobrindo e completando as omissões comparativas aumenta a possibilidade de encontrar uma escolha ‘’melhor’’ ou mais adequada. (Dilts, 1995)

Tratando-se a programação neurolinguística uma maneira de descobrir e revelar a nossa genialidade, uma forma de darmos o melhor de nós e extrairmos o melhor dos outros (O’Connor e Seymour, 1995), recorri a esta ciência da excelência para melhor direcionar e intervir no processo de ensino- aprendizagem.

Neste 9º jogo tivemos dificuldade nas transições ofensivas porque o adversário agrupou rápido a equipa e apresentou bom posicionamento após perda bola. O elevado tempo de posse da bola desgastou o adversário possibilitando a criação de oportunidades de jogo. Ganhamos os 3 pontos com toda a justiça. Trabalhar para corrigir os erros (resulta da reflexão, é nela que começa o processo de mudança) e potenciar as nossas referência de jogo. Ganhar um jogo é importante, ganhar um campeonato é a excelência.

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