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Professor vs Treinador: uma via com dois sentidos

No documento Relatório Final de Estágio Profissional (páginas 101-108)

3. CONTEXTO PROFISSIONAL

3.6. Professor vs Treinador: uma via com dois sentidos

O primeiro contacto com os alunos das minhas turmas foi importante, na medida em que ocorreram momentos de diálogo acerca do desporto e dos hobbies, entenderam o que esperava deles e o que podiam esperar de mim, transmiti-lhes segundo a minha perspetiva o significado de uma aula de Educação Física e definiram-se os deveres e direitos, no sentido de criar rotinas, que permitissem rentabilizar o tempo da aula e estimulassem comportamentos adequados. Como refere Sampaio (1996) a postura com que os professores se apresentam no primeiro dia é fundamental, assim como as regras que determinam. A postura de abertura, de firmeza e de frontalidade foram fulcrais para a empatia que se estabeleceu logo a partir desta aula e para o controlo da turma. Relembrando-me dos dois momentos em que iniciei funções como treinador principal de futebol (19 anos a nível recreativo: Torneio de Futebol de 7:10-12 anos; 21 anos a nível federado no Clube Desportivo Feirense com escalão de escolinhas: 8 a 10 anos; 27 anos a nível federado no Futebol Clube do Porto com o escalão de juvenis: 16 anos) e apercebo-me do quanto importante foi iniciar bem, a primeira imagem fica para sempre e ajudará em intervenções futuras. O primeiro contacto terá ainda mais impacto e significado se os próximos manifestarem igual ou superior qualidade. As estruturas e as interações num contexto social influenciam as trajetórias da aprendizagem de cada pessoa de forma diferente, parecendo óbvio que o tempo e a história desempenham um papel importante - a próxima aula nunca será igual, mas estará impressa pelas ações e exemplos da aula anterior (Silva et al., 2008). Portanto, quando existe elevada competência com regularidade, por parte do treinador-professor, criam-se condições para o sucesso escolar/desportivo dos alunos. Apesar dos professores de excelência nem sempre conseguirem sucesso escolar com os alunos, uma coisa é certa, os

“O trabalho técnico que promovo não é um trabalho em que de um lado está o emissor e do outro o receptor.” (Mourinho, 2005)

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maus esses não conseguem de certeza até podem mesmo estimular a aversão à Educação Física.

A capacidade comunicacional e a qualidade da informação são determinantes para se transmitirem ideias, conhecimentos e estabelecerem-se empatias construtivas ao processo de ensino-aprendizagem. Quando o professor/treinador consegue que os seus alunos/jogadores assimilem as informações transmitidas, através de uma comunicação interativa e bidirecional, a motivação é superior, a participação, bem como, a perceção de competência aumenta, conduzindo a uma consolidação mais sustentada.

Planificar apresenta-se como uma competência transversal, em que professor/treinador deve refletir, articular um conjunto de conhecimentos, definir objetivos a alcançar e, por fim, criar um guia orientador (plano de aula). Quando se planifica há possibilidade de efetuar um retrospetiva do que foi desenvolvido anteriormente ajudando na construção e definição de novas estratégias de atuação pedagógica. Quem planifica tem maior possibilidade de êxito, porquanto ocorre um controlo efetivo do desenvolvimento de todo o processo educativo/desportivo. O treinador em articulação com os colaboradores selecionam exercícios (momento da planificação) que possibilitam aos desportistas a aquisição de conhecimentos e evolução nas diferentes dimensões da performance desportiva. Portanto, um melhor desempenho em treino e na competição. Os exercícios potenciadores de comportamentos, isto é, que criam propensões para determinada ação comportamental suceder com um número significativo de repetições, são suscetíveis de promover aprendizagem. Ao/a professor/equipa técnica, também compete articular as situações de exercitação de forma a controlar e gerir a fadiga periférica e central.

“Para controlar a fadiga física e cognitiva utilizei como estratégias, os alongamentos, exercícios de controlo respiratório e as interrupções nos exercícios (Relatório crítico da aula nº54 e nº55, 28-01-2004, 10º6º).”

Na realidade educativa em comparação com a desportiva não existe uma preparação/reflexão coletiva sistemática. Esta ocorre pontualmente nas reuniões do grupo de Educação Física, onde se debate a realidade da

Joaquim Milheiro 87 disciplina, os problemas e virtudes da escola e onde se apresentam algumas experiências individuais.

No desenvolvimento do estágio profissional existem colaboradores diretos (supervisora, orientadora, colegas de estágio) e colaboradores indiretos (professores de Educação Física e de turma, funcionários, pais) o que possibilita um melhor desempenho das tarefas de docência. Tendo em conta que o sentido de entreajuda, o trabalho em equipa, o debate de perspetivas são uma mais valia na operacionalização do processo ensino-aprendizagem, e que há um elevado número de alunos em cada aula e um elevado número de docentes jovens desempregados que precisam de conviver com o contexto real para evoluírem e estarem melhor preparados para assumirem o papel de professor, a estratégia seria existirem professores com colaboração direta no processo de ensino-aprendizagem. Portanto, as aulas de Educação Física passariam a contar com a presença de dois professores, um professor experiente e um professor em início de carreira. Fará sentido ter professores jovens no fundo de desemprego quando poderiam assumir funções nas escolas próximas da sua residência? Existe viabilidade económica para sustentar um projeto desta natureza, na medida em que os ganhos educativos e o crescimento profissional seriam consideráveis. A riqueza que advém é a valorização do ser humano.

Graça e Rocha (2007) no seu estudo referente as fontes de conhecimento e conceções de treino dos treinadores experts em basquetebol verificaram que os treinadores experts, no início da carreira, tiveram a noção que não possuíam conhecimentos suficientes, sendo que estes foram adquiridos com recurso a uma análise constante (observação sistemática da sua realidade, da realidade de outras equipas e das competições de outros países mais desenvolvidos). Paralelamente foram delineadas estratégias para desenvolver os seus saberes. Estes resultados reforçam a ideia da necessidade de contactar com outras pessoas, com outras realidades, com outros pensamentos para se processar a evolução profissional. Considera-se que o trabalho em equipa possibilita, em parte, esta interatividade. Agora quando o professor (treinador) trabalha em equipa, tem que ter a noção que abandona a sua zona confortável, para se expor à critica e criticar

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construtivamente. O trabalho em equipa entre profissionais (professores; treinadores) transmite, aos alunos, pelas suas ações práticas e cooperativas, a importância da capacidade de relação interpessoal. Mais docentes em interação na aula permite melhor acompanhamento dos alunos, mais atenção e mais criatividade, no fundo melhor ensino melhores aprendizagens. Não se pretende quantidade vazia, mas quantidade valorizante, ou seja, uma quantidade que manifesta elevada qualidade, excelência de intervenção.

Como treinador procuro promover o gosto pela aprendizagem, a ambição de querer ser melhor, o respeito por si próprio e pelos outros, o querer ganhar. Estas são algumas competências do foro ético e volitivo estimuladas no desporto de competição que também deverão estar presentes no contexto escolar porque são importantes no dia a dia das pessoas, sejam elas mais novas ou de idade maior. O lado competitivo é uma ajuda no descapsular das competências psicocognitivas referidas anteriormente e na aquisição de uma postura positiva e construtiva de força interna para “ir à luta”. O contexto escolar não tem o mesmo impacto da competição desportiva, todavia poder-se- á utilizar estratégias promotoras, como por exemplo o Modelo de Educação Desportiva, o Desporto Escolar e a realização de Jogos Interturmas (entre turmas em que a Educação Física decorra no mesmo horário).

Quando se integra um projeto desportivo num clube o treinador, entre outros aspetos, deverá preocupar-se em conhecer a filosofia do clube, em conhecer o contexto competitivo em que a equipa participará, as condições espaciais e materiais existentes no clube, as características dos jogadores e os colaboradores com que estabelecerá parcerias. Este momento de avaliação de diferentes elementos que interferem na evolução da equipa e no desempenho das funções do treinador ajudará a definir estratégias de intervenção. O professor, independentemente do contexto em que atua deve ter preocupações idênticas, porque cada escola tem as suas próprias condições, referências e dinâmicas, as quais tem que saber adaptar-se e potencializar.

Para apanhar um fruto de uma árvore uma pessoa com dois metros poderá conseguir efetuá-lo, o mesmo não sucederá com uma pessoa de um metro e vinte centímetros. Este precisará da ajuda (amigo, escadas,...) para

Joaquim Milheiro 89 alcançar o objetivo, ou seja, o rendimento pretendido. Cada equipa (turma) tem as suas características, é constituída por elementos (jogadores - alunos) diferentes logo a manifestação do seu rendimento apresentará configurações distintas. Como sustenta Morin (2000), nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade. Como forma de valorização de todos compete ao professor respeitar e potencializar essas diversidade. Neste sentido, torna-se necessário avaliar as competências dos alunos (dos jogadores) para se definir uma estratégia de intervenção e um projeto de jogo específico. O professor e o treinador têm que saber caraterizar o desempenho dos alunos/jogadores em jogo, e a partir daí definir o processo de progressão das competências, que permitirá alcançar a qualidade de jogo pretendida. Avaliar no início, no decorrer do processo, e no final o resultado é a competência que ambos apresentam, para desempenhar com excelência o processo de ensino-aprendizagem.

Como Veal e Compagnone (1995) referem a perceção de competência tem influência sobre as capacidades volitivas do aluno, com reflexos sobre o seu envolvimento ativo nas tarefas de aprendizagem. Segundo diferentes autores os elementos que condicionam a perceção de competência são os fatores sociais (professor, pais, colegas de classe), os fatores contextuais relativos ao próprio (género, idade ou estágio de desenvolvimento, orientação dos objetivos pessoais, habilidade real do aluno) e fatores de ordem pedagógica (conteúdo, oportunidades, clima de aula, comportamento e expectativas do professor) (Martinek, 1989; Xiang e Lee, 1998; Henrique e Januário, 2006).

Reconhecendo estas influências compete ao professor /treinador através dos seus comportamentos, capacidade de comunicação, qualidade de planificação, gestão do processo de ensino e aprendizagem, clima de aula e interação com os colegas de profissão, ajudar os alunos a possuir sentimentos positivos acerca da sua competência na Educação Física. Como sustenta Henrique e Januário (2006), o sentimento do aluno sobre a sua competência é fundamental, na medida em que, em alguns casos, aquilo que ele pensa ser

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capaz de fazer (competência percebida) pode influenciar o comportamento face às tarefas propostas.

Ao nível do treino é referido que se os treinadores não possuírem um conhecimento profundo sobre os aspetos que os seus atletas mais importância atribuem para decidirem praticar desporto de uma forma regular enquadrada numa estrutura orientada para a competição, será natural que a qualidade e eficácia dos processos de treino sejam diminuídas (Cavalheiro et al., 1995). O mesmo se passará com o docente de Educação Física no contexto educativo, que ao conhecer melhor o aluno poderá desenvolver com mais qualidade o processo pedagógico.

Através da ficha individual identifiquei que os aspetos positivos da Educação Física mais referenciados pelos alunos foram: promover hábitos desportivos (mais referido); ser divertido; melhorar a condição física; melhorar a saúde. Ao existir concordância entre aquilo que os alunos consideram positivo na Educação Física e os objetivos preconizados pela mesma, existe uma conciliação favorável ao desenvolvimento do processo de ensino- aprendizagem .

O controlo da disciplina é algo que se encontra inerente quer a intervenção dos professores quer dos treinadores. O lema máxima liberdade máxima responsabilidade orienta para um nível de respeito intrínseco e extrínseco superior. Portanto, quando há respeito pelas hierarquias, pelos conteúdos em desenvolvimento e contextos de exercitação e pelos colegas de turma/equipa afasta-se a indisciplina e contribui-se para fomentar a solidariedade, o sentido de pertença e a vontade de progredir.

“Num determinado momento alguns alunos de um grupo começaram a passar a bola com muita força com intuito de dificultar (propositadamente) a receção ao colega. Após uma chamada de atenção construtiva (pela positiva), não descrevi o que estavam a fazer de errado mas dei informação relativamente ao comportamento tático-técnico a adotar, modificaram a atitude (Relatório crítico da aula nº43, 06-01-2004, 10º6º).”

Joaquim Milheiro 91 Pelo exposto, facilmente se verifica que existem um conjunto de semelhanças entre a intervenção do professor e a treinador, que, no entanto, por muito semelhantes que sejam não passam de semelhanças, ou seja, há necessidade de se respeitar a complexidade e a especificidade do contexto. Há possibilidade de se efetuarem cópias, mas estas nunca terão a mesma qualidade e o resultado final poderá ser desastroso. Acredita-se em interações complementares porque cada contexto tem a sua estrutura e dinâmica organizacional específica. Treinador e professor têm como desafio intervir positivamente nos contextos onde desempenham funções, isto passa necessariamente por levar as pessoas que orientam a terem sucesso(s).

O campeonato parou uma semana, o trabalho deverá continuar porque é importante melhorar alguns aspetos do jogo e manter elevada intensidade física e cognitiva em treino e jogo. Quando a equipa vivência a exigência elevada, o rigor constante e a excelência de competência esta sentir-se-á incomodada e “desposicionada” quando reina a incompetência. Trabalha nos limites e os limites vão desaparecendo.

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3.7. A Educação Física como elemento de formação e

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