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2. O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA (DES)ORDEM MUNDIAL

2.2. ENTRE DISPUTAS NO SETOR PÚBLICO E NO SETOR PRIVADO

Luiz Inácio Lula da Silva, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), venceu a eleição à Presidência da República em 2002 após consecutivas derrotas (1989, 1994, 1998). A princípio ele representava uma candidatura mais do espectro político da esquerda dentro de um partido. Modificara a sua postura política em defesa do grande capital na campanha eleitoral de 2002. Lula convocou o empresário do setor têxtil José Alencar para compor a chapa como vice-presidente e publicou A carta aos Brasileiros21 com a intenção de

manter a política macroeconômica (LEHER, 2010). Houve um distanciamento das bases originárias do PT na aproximação do empresariado no decorrer de sua ascensão ao governo federal (SAVIANI, 2007).

Os mandatos do presidente Lula (2003-2010) trouxeram uma agenda controversa na educação, de rupturas e permanências em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso. Os processos de administração política apresentaram maiores espaços institucionalizados de participação para a sociedade. Entretanto, os setores empresarias passaram a ter grandes influências na definição e execução da política pública na área de ensino (LEHER, 2010). Eles ocultavam o caráter corporativo e empresarial por meio de filantropia, da responsabilidade social da empresa e da ideologia do interesse público (LEHER, 2010, MARTINS, 2013).

No dia 6 de setembro de 2006, aconteceu o lançamento nacional do movimento Todos pela Educação. A data representa um marco no fortalecimento entre os próprios empresários22

e deles com os servidores públicos (MARTINS, 2013). Na solenidade estava presente diversos empresários do estado de São Paulo como Jorge Gerdau Johannpeter e representantes do governo como o então ministro da educação Fernando Haddad (2005-2012), a presidente da UNDIME Maria do Pilar Lacerda (2005-2007) e o presidente do CONSED Mozart Neves Ramos (2006). O Todos pela Educação (TPE) reúne desde esse momento grandes grupos de

21 A carta foi apresentada inicialmente no dia 22 de junho de 2002 durante encontro sobre o programa de governo.

Lula firmou um compromisso, se eleito, respeitaria os contratos nacionais e internacionais e manteria a chamada responsabilidade fiscal com o objetivo de fortalecer a confiança da alta finança e das corporações reunidas na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, na FIESP e na Federação Brasileira de Bancos, entre outros setores dominantes mais internacionalizados (LEHER, 2010).

22 Um dos primeiros antecedentes do Todos pela Educação (TPE) pode ser identificado em 2001 através do

Instituto Faça Parte/ Instituto Brasil Voluntário presidido por Milu Villela. Tanto grandes empresas ou fundações (como Fundação Roberto Marinho) quanto órgãos governamentais (como CONSED e UNDIME) faziam parte. Eles começaram a agregar outras empresas interessadas no investimento social privado em educação. O TPE divide atualmente mesma estrutura física com o Instituto Faça Parte, um escritório localizado em São Paulo, emprestado pelo Banco Itaú (MARTINS, 2013).

empresários23 que intervém nos recursos do fundo estatal e na concepção sobre educação pública (LEHER, 2010; MARTINS, 2013).

Se o primeiro mandato de Lula as políticas curriculares e as concepções sobre escolarização permaneceram as mesmas do governo precedente24, o segundo mandato reafirmou a lógica mercadológica, de responsabilização e regulação das instituições de ensino a partir do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) anunciado em 2007 (LEHER, 2010, MARTINS, 2013). Nele, foram reunidas algumas medidas em andamento e outras novas para as diferentes etapas e modalidades de ensino. A grande novidade foi o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (MARTINS, 2013). Era um indicador de qualidade que conjugava o fluxo escolar e o desempenho nas avaliações de larga escala25. Ele passou a centrar a gestão para o alcance de metas e buscas de resultados do processo educacional.

O ministro da educação à época, Fernando Haddad, anunciou o PDE mediante as pressões para se manter na pasta26 e sua aproximação com o Todos pela Educação. Ele foi um dos membros para o qual foi apresentado o documento “10 causas e 26 compromissos” do movimento. O referido documento consistiu em um manifesto público do Todos pela Educação que conferiu como qualidade da educação metas mensuráveis e quantificáveis (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2010). “10 causas e 26 compromissos” serviu de base para o PDE e seu principal decreto (n° 6.094/2007) que recebeu o nome Compromisso Todos pela Educação igual como se chamava o movimento27 (MARTINS, 2013). A proposta coincidiu com a objetividade que o

ministro, naquele momento, necessitava. Não só contribuiu para a permanência do Haddad

23 Institutos relacionados a bancos (como Itaú, Bradesco, Unibanco), a grande mídia (como Fundação Roberto

Marinho), a editoras (como Moderna), a construtoras (como a MRV), entre outros domínios de empreendimento. Disponível em: <https://www.todospelaeducacao.org.br/pag/quem-somos/>. Acesso em: ago. 2020.

24 As DCN não sofreram alterações e os PCN continuaram sendo referências curriculares para muita das ações do

MEC, por exemplo. A educação pareceu ser tão pouco uma das prioridades na gestão. Uma das propostas mais notórias ao ensino básico aconteceu no último ano do primeiro mandato. Foi elaborada a emenda constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) que posteriormente originou a Lei n. 11.494, de 26 de junho de 2007. O Fundo amplia o financiamento a todas as etapas da educação básica, contrastando-se ao FUNDEF que previa apenas recursos estatais para o Ensino Fundamental, como comentamos anteriormente (LIBÂNEO et al., 2012).

25 A partir da Portaria Ministerial nº 931, de 21 de março de 2005 o SAEB foi composto por duas avaliações:

Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como Prova Brasil. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/educacao-basica/saeb/historico>. Acesso em: set. 2020.

26 No cenário instável mediante a derrota de Marta Suplicy nas eleições municipais de São Paulo e a pressão do

PT para que a mesma assumisse o MEC, o presidente solicitou ao seu ministro uma medida de impacto como um modo de resistir às pressões e se manter no cargo (MARTINS, 2013).

27 Foi a partir da publicação do decreto nº 6.094/2007 que o Todos pela Educação deixou de ser chamado de

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frente ao ministério, bem como introduziu a agenda projetada pelo Todos pela Educação na política pública de educação no Brasil.

Enquanto consolidava no sistema de ensino uma “cultura de metas” mais rigorosa defendida pelo Todos pela Educação (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2010, p.7), o MEC procurou reforçar o controle pedagógico por meio de políticas curriculares nacionais. Em 2009 propôs o Programa Currículo em Movimento, com participação de acadêmicos do campo curricular28, destinado a “melhorar a qualidade da educação básica por meio do desenvolvimento do currículo da educação infantil, do ensino fundamental e ensino médio” e entre seus objetivos incluía:

Elaborar documento de proposições para atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais da educação infantil, do ensino fundamental e ensino médio;

Elaborar documento orientador para a organização curricular e referências de conteúdo para assegurar a formação básica comum da educação básica no Brasil (Base nacional comum/Base curricular comum)29.

O Programa Currículo em Movimento tentou dar contornos a normativas para toda rede de ensino brasileira. A partir dele (re)começou o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais. Ao final, o Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceu diretrizes curriculares gerais para a educação básica no ano de 2010 e nos anos subsequentes, 2011 e 2012, diretrizes curriculares específicas a cada etapa e modalidade de ensino. Elas consideram mudanças na educação básica como o Ensino Fundamental de nove anos e a obrigatoriedade do ensino dos quatro aos dezessete anos, bem como atenta para a diversidade e pluralidade cultural no processo de ensino (BRASIL, 2013).

As atuais diretrizes reafirmam princípios dos anos 1990 apesar de ser aparentemente um contexto social e político distinto. Os temas e preocupações permanecem relacionados “a busca por uma identidade específica; a inequação de sua estrutura às necessidades da sociedade; a proposição de um currículo mais flexível; e a valorização da autonomia das escolas na definição do currículo” (MOEHLECKE, 2012, p.53). A organização curricular parece se manter inalterada apenas com modificações na linguagem. Ela apresenta em geral um tom mais sugestivo e de convencimento do que diretivo (MOEHLECKE, 2012). As diretrizes tão pouco

28 No I Seminário Nacional do Currículo em Movimento participou Antônio Flávio Moreira, Ilma Passos, Alfredo

Veiga-Neto e outros pesquisadores cujos nomes que podem ser identificados no seguinte portal: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=16110>. Acesso em: jun. 2020.

29 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/programa-curriculo-em-movimento-sp-1312968422. Acesso em: jun.

constituem uma mudança na educação brasileira e outra vez parece reforçar a crença inabalável da relação entre educação escolar e desenvolvimento econômico.

Em 2010, no decorrer dos trâmites de algumas diretrizes, foi eleita a primeira mulher para presidente do Brasil. Dilma Rousseff (2011-2016) do PT foi ministra de Minas e Energia (2003-2005) e da Casa Civil (2005-2010) do governo Lula. Ela venceu a votação não apenas daquele ano como também a de 2015. Em seu governo deu continuidade a muitas das políticas do seu antecessor (LIBÂNEO et al., 2012). Constituir uma base nacional curricular era uma das prioridades na gestão, bem como a reforma da educação básica.

O Plano Nacional de Educação (2014-2024)30, aprovado pela lei nº 13.0005/2014, é

um dos documentos que reitera a necessidade de mais uma política curricular nacional. Ele distingue diretrizes de base curricular, objetivando maior centralização do que e como ensinar na educação básica (MACEDO, 2014). Quatro das suas vinte metas para serem cumpridas até o ano de 2024 estão relacionadas com a BNCC:

META 2: Universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população

de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.

META 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15

(quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento).

META 7: Fomentar a qualidade da Educação Básica em todas as etapas e

modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB: 6,0 nos anos iniciais do ensino fundamental; 5,5 nos anos finais do ensino fundamental; 5,2 no ensino médio.

META 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam (BRASIL, 2014).

A BNCC não é propriamente uma meta e sim uma das estratégias para o alcance dessas metas do PNE (2014-2024). Há a suposição de que ela pode prover a universalização do ensino, melhores índices na avaliação e adequada formação de professores. A lei 13.005/2007 condiciona o sistema a elaborar a base nacional curricular e em um prazo a ser cumprido pelos três níveis de governo.

30 O Plano Nacional de Educação (PNE) está previsto no Art. 214 da Constituição Federal de 1988 para ter duração

plurianual e articular ações em todos os níveis de ensino, sendo reiterado na LDBEN/96. O primeiro PNE foi instituído pela Lei nº10.172 de 9 de janeiro de 2001 com vigência de 10 anos (GALUCH et al., 2019).

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A tramitação e as discussões acerca do PNE (2014-2024) duraram um período de cinco anos. Elas começaram em 2009, ainda no governo Lula, quando foram realizadas conferências municipais e estaduais que antecederam a 1ª Conferência Nacional de Educação (CONAE)31. O MEC contou com 3 ministros32 ao longo do processo de produção do atual plano nacional. Embora eles fossem ligados ao mesmo governo, a mudança entre eles dificultava de algum modo o prosseguimento das decisões políticas. Entre as razões para a construção do PNE, figurava a premência de haver um plano de Estado (LIBÂNEO et al., 2012). Como uma lei para intervir nas políticas educacionais do país independente do governo, existiram constantes disputas entre os setores organizacionais da sociedade civil. O próprio Todos pela Educação não só participou das conferências, como também da comissão organizadora da CONAE, por exemplo33 (MARTINS, 2013).

Apesar de ser um plano nacional, este não está apartado das orientações de organismos internacionais que buscam ações para manter a coesão social. Galuch et al. (2019) dizem que as metas instituídas estão relacionadas ao projeto de Educação para Todos34 iniciado na Conferência Internacional de Jomtien (1990) e reiterado na Conferência Internacional de Dakar (2000) e de Incheon (2015). O Estado brasileiro assim como outros países buscam reafirmar políticas educacionais ainda baseadas nos princípios e valores da sociedade burguesa. A reconfiguração da base produtiva reflete de certo modo no tipo de perfil educacional preciso para o padrão de acumulação.

O processo do primeiro projeto de base nacional curricular começou antes da publicação do PNE (2014-2014). A SEB/MEC idealizou possivelmente no ano de 2012 o grupo de trabalho sobre Direitos à Aprendizagem e ao Desenvolvimento (GT-DiAD). Era formado por profissionais de diversos setores da educação35 com o objetivo de desenvolver o currículo

31 A Conferência Nacional de Educação (CONAE) é um espaço democrático aberto pelo Poder Público para que

todos possam participar do desenvolvimento da Educação Nacional. O tema da primeira conferência, realizada em 2010, foi: Construindo um sistema nacional articulado de educação: Plano Nacional de Educação, suas diretrizes e estratégias de ação. Elas acontecem desde então em intervalos de no máximo quatro anos e com objetivos relacionados ao PNE. Disponível em: <http://conae.mec.gov.br/#a-conferencia>. Acesso em: out. 2020.

32 Fernando Haddad: 01/01/2011 a 24/01/2012 (Ministro da Educação do governo Lula desde 29/07/2005); Aloizio

Mercadante: 24/01/2012 a 02/02/2014; Henrique Paim: 03/02/2014 a 01/01/2015. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_ministros_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_do_Brasil>. Acesso em: nov. 2020.

33 O Todos pela Educação foi representado por Mozart Neves Ramos, o então presidente do movimento (2007-

2010), que ocupou a cadeira de suplente dos “Movimentos em Defesa da Educação” (MARTINS, 2013).

34 A expressão passou a ser usada para representar as discussões e os acordos realizados na Conferência Mundial

de Educação para Todos explicitada anteriormente.

35 O GT-DiAD era formado por representantes das escolas e universidades públicas, do Instituto Nacional de

nacional. Embora tivessem se reunido para discutir e elaborar o documento, não conseguiram concluir o processo para a sua aprovação (GT-DiAD, 2018). Ele foi interrompido durante a curta gestão do então ministro da educação Cid Gomes (01/2015-03/2015). Ele reestruturou o quadro de funcionários da SEB/MEC em conformidade com aqueles que concordassem com sua ideia para a criação de uma BNCC de maior atendimento do setor produtivo/empresarial e controle pedagógico (AGUIAR; TUTTMAN, 2020).

Manuel Palácios (2015-2016) substituiu Maria Beatriz Luce (2014-2015) na SEB/MEC. Ele foi nomeado por Cid Gomes e permaneceu no cargo também nas gestões dos ministros Renato Janine Ribeiro (04/2015-10/2015) e Aloizio Mercadante (10/2015-05/2016). Palácios participou de diversos momentos decisórios da política nacional de currículo. Desde as definições prévias sobre o processo de elaboração da BNCC considerou especialmente as propostas dos empresários (AGUIAR; TUTTMAN, 2020). O Movimento pela Base foi uma das grandes influências no vigente currículo do Brasil. A datar da sua criação, em 2013, tem como finalidade dedicar à causa da construção e implementação da BNCC36. Tanto reúne grupos econômicos37 quanto investe prerrogativas do governo de modo análogo ao Todos pela Educação.

O processo de criação da BNCC começou oficialmente em junho de 2015. Quando Cid Gomes renunciou ao cargo ministerial após polêmicas com deputados no Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff nomeou Renato Janine como o novo ministro da educação (AGUIAR; TUTTMAN, 2020). Um dos seus primeiros atos administrativos consistiu em publicar a Portaria nº 592/2015. Ela diz respeito a formar a comissão de especialistas nas diversas áreas para o currículo nacional. Nas suas especificações define um total de 116 integrantes indicados entre professores da educação básica ou superior e técnicos das secretarias estaduais ou municipais de educação (BRASIL, 2015). A normativa não só torna público o processo de produção da BNCC, bem como limita a participação dos envolvidos no processo educacional.

(CONSED). Ele era coordenado Ítalo Modesto Dutra (IFB), Jaqueline Moll (UFRGS), Rosemari Friedmann Angeli (consultora UNESCO) e Sandra Regina de Oliveira Garcia (UEL).

36 Disponível em: <http://movimentopelabase.org.br/quem-somos/>. Acesso em: nov. 2020.

37 Os membros do Conselho Consultivo do Movimento pela Base são pertencentes a organizações ou institutos

relacionados ao empresariado. Como, por exemplo, a consultora do Banco Itaú BBA Ana Inoue, o diretor- executivo da Fundação Lemann Denis Mizne e o superintendente executivo do Instituto Unibanco Ricardo Henriques. No site do Movimento pela Base podem ser identificados outros nomes. Disponível em: <http://movimentopelabase.org.br/quem-somos/>. Acesso em: nov. 2020.

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Outros profissionais interessados e a quem corresponde a temática puderam apenas participar mediante consultas públicas. A primeira versão da BNCC foi disponibilizada em uma página da internet pertencente ao MEC e no período de outubro de 2015 a março de 2016. Embora a consulta pública em um site possa aparentar para o governo federal um modo de participação efetivo e de ampla escala, ela conteve limitados espaços para contribuições acerca do currículo e sem transparência nas decisões em relação as mediações entre a administração pública e a sociedade (AGUIAR; TUTTMAN, 2020). Isso pode caracterizar a participação marginal do corpo docente e um processo extremamente centralizado.

A BNCC recebeu inúmeras críticas desde a sua primeira publicação. É vista pela comunidade acadêmica como um currículo prescrito que faz parte de um processo internacional mais amplo de uniformização e centralização curricular, de avaliações padronizadas e de responsabilização dos professores (AGUIAR; TUTTMAN, 2020). A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) é um dos exemplos de resistência. Ela não apenas posicionou contrária ao processo e conteúdo da proposta curricular, como também lançou a campanha “Aqui já tem currículo...” com o intuito de fazer circular pelo país as narrativas das experiências educativas já executadas38. Através da premissa é possível expor que o currículo se constituiu na diversidade do cotidiano escolar e ele pode ser muito mais do que uma regulação burocrática do poder central.

O contexto político muito pouco favoreceu as discussões da comunidade acadêmica e escolar. Houve em 2016 o impeachment da presidente Dilma Rousseff num processo controverso (AGUIAR, TUTTMAN, 2020). Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), assumiu a presidência da república e mudou a maioria dos funcionários do poder executivo federal. Ele nomeou José Mendonça Bezerra Filho (05/2016-04/2018) do Democratas (DEM) para o Ministério da Educação. Mendonça Filho aproximou ainda mais perspectivas mercadológicas à reforma curricular nacional. Ele convidou Maria Helena Guimarães de Castro (2016-2018) para desempenhar a função de secretária executiva do MEC. Ela exerceu no governo Fernando Henrique tanto esse cargo de secretária quanto o de presidente do INEP (AGUIAR, TUTTMAN, 2020). Nessa gestão ficou mais explícito que seriam tomadas medidas políticas que, no limite, não só possuem um forte viés privatista quanto o aprofundam.

38 Disponível em: <https://anped.org.br/news/anped-lanca-campanha-aqui-ja-tem-curriculo-o-que-criamos-na-

O Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) solicitou alterações na proposta do Ensino Médio no decorrer da revisão da 1ª versão da BNCC. Ao invés dos objetivos de aprendizagem serem dispostos conforme os anos de escolarização, deveriam ser por blocos temáticos, sem indicação da série e obrigatoriedade dos componentes curriculares (VALLADARES et al., 2016). O trabalho com a proposta curricular do Ensino Médio passa a ser diferente em comparação com a da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Enquanto para o Ensino Médio é reestruturada a proposta inicial, para a Educação Infantil e Ensino Fundamental continua o cronograma previsto pelo governo federal.

O processo de discussão da 2ª versão da BNCC, sem a proposta do Ensino Médio, era responsabilidade do CONSED e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME). Essas organizações promoveram a realização de seminários em todos os estados entre junho e agosto de 2016. A análise do documento ocorreu em salas específicas de acordo com a área de estudo/componente curricular. A participação continuou limitada a contribuições pontuais ao texto e sem muitas possibilidades de alterar sua concepção inicial (AGUIAR; TUTTMAN, 2020). No final a UNDIME e o CONSED sistematizaram um relatório para o Comitê Gestor.

O Comitê Gestor foi instituído no governo Michel Temer por meio da portaria nº 790, de 27 de julho de 2016. Esse deveria ter a função de tanto revisar a 2ª versão quanto elaborar a 3ª versão do currículo da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Era presidido por Maria Helena Guimarães de Castro e a maioria dos seus integrantes eram os próprios secretários do MEC39 (BRASIL, 2016). O Comitê Gestor constituiu mais uma força do governo federal nas determinações da política curricular e a sua corresponde finalidade pedagógica.

Não foi apenas o setor privado, pertinente ao mercado, que interviu na produção da

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