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4. A REFORMA EM FUNÇÃO DA BNCC NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

4.2. A VERSÃO DO DCERJ

A BNCC aprovada pelo CNE e homologada pelo MEC parece promover uma redefinição no modo de fazer política nos entes federativos: “O MEC entende que depois da BNCC aprovada, era preciso construir esses documentos curriculares nos estados, em cada território”, diz Dilcelina Vasconcelos, Coordenadora Estadual de Currículo. Portanto, o protagonismo do MEC não parece se limitar à definição da política nacional, mas regular as Secretarias de Educação no processo de tradução da BNCC.

No ofício de Secretário de Estado de Educação a solicitada reforma curricular perpassou os mandatos tanto de Wagner Granja Victer (2016-2018), titulado em 2016 por Francisco Dornelles quanto o de Pedro Henrique Fernandes da Silva, nomeado no ano de 2019 pelo governador Wilson Witzel60. O Articulador de Conselho Marcelo Mocarzel denota o contraste na gestão do sistema de ensino:

É importante lembrar a mudança que a gente teve em relação ao Secretário de Estado de Educação. O secretário que a gente tinha antes, no governo Pezão [Luiz Fernando Pezão], era o Wagner Victer. A única coisa que ele fez enquanto gestor foi criar uma Comissão Estadual [...]. Mas ele só fez essa publicação [da Resolução n° 5635, de 26 de abril de 2018] e nunca convocou nenhuma reunião, esse grupo nunca se reuniu, [ou] atuou na questão da Base.

Em 2019 [...] quando mudou o governo e Pedro Fernandes assumiu a Secretaria [SEEDUC-RJ], a Secretaria de certa forma se abriu um pouco mais, [...] porque ele queria tirar isso [BNCC] do papel e destravar o dinheiro [disponibilizado pelo MEC via PAR]. Para receber o dinheiro precisava cumprir determinados requisitos [do ProBNCC] e o Wagner optou por não cumprir.

Ainda que as ações no âmbito do ProBNCC destoem, as decisões políticas tomadas pela SEEDUC-RJ expõem conflitos na gestão do sistema estadual com o MEC. A Presidente do CEE-RJ Malvina Tuttman reitera que Wagner Victer “quem estava à frente na Secretaria de Estado de Educação [...] não concordava muito com esse tipo de Base Nacional Comum Curricular”. Quer dizer, tal situação configurava um projeto nacional desvinculado das demandas contextuais locais e que tende a subverter as responsabilizações da administração pública estadual (LOPES, 2018). Cabe dizer que a experiência da SEEDUC-RJ com o Currículo Mínimo, publicado em 2011 e constituído por uma série de competências, habilidades e conteúdos básicos, já estava alinhada com os principais exames de larga escala aplicados a

60 No momento da finalização deste trabalho, o governador Wilson Witzel se encontra afastado de suas funções

devido a um processo de impeachment que foi unanimemente aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/12/maioria-do-stf-vota- pela-rejeicao-de-recurso-de-witzel-e-a-favor-do-rito-de-impeachment-definido-pela-alerj.ghtml>. Acesso em: nov. 2020.

época no país (SAEB, SAERJ e ENEM). Deste modo, alterar a política pode significar mais uma vez gastos com empresas de consultoria e demandas de formações de professores da rede61, por exemplo (SOUZA, 2013), o que justificaria a falta de interesse de Wagner Victer.

A Resolução n° 5635/2018 foi uma das primeiras medidas oficiais no Rio de Janeiro relativas ao ProBNCC. Se, por um lado, a sua publicação foi uma condição imposta pela MEC/SEB para o processo de elaboração curricular, por outro, a estrutura conceptual normativa representa intenções da governabilidade política, uma tendência preponderante do governo estadual sobre os municipais. O próprio DOC-RJ (SEEDUC-RJ; UNDIME-RJ, 2019b, p.18) cita esse ato administrativo, nas suas páginas introdutórias, como “pactuação de um regime de colaboração” entre o estado do Rio de Janeiro e os municípios fluminenses. A Resolução nº 5635/2018 além de definir a composição da Comissão Estadual de Currículo, determinava funções aos membros, representantes de instituições públicas e privadas no setor educacional. Enquanto alguns exerceriam o papel consultivo na produção curricular local, outros iriam cumprir funções deliberativas a fim de operacionalizar essa reforma (Tabela 5) (SEEDUC-RJ, 2018).

A Comissão Estadual de Currículo seria presidida pelo Secretário de Estado de Educação (SEEDUC-RJ, 2018). Essa definição na instância estadual corrobora para a relação de imposição sobre as instâncias municipais de educação, já que o MEC disponibilizaria os recursos via PAR às SEDEs, conforme comentamos anteriormente. Nessas delimitações estrutura-se no sistema de ensino uma hierarquia governamental, uma vez que compete à União viabilizar os recursos financeiros, ao estado cabe receber e repassar o dinheiro às ações da reforma curricular estendidas também para os municípios.

61 Na promoção do Currículo Mínimo, a SEEDUC-RJ estabeleceu uma parceria com a Consultoria INDG

Tecnologia e Serviços Ltda na elaboração de um planejamento estratégico para toda a rede de ensino que priorizasse o estabelecimento de metas para melhores resultados e com a Fundação CECIERJ para a formação continuada dos professores da rede (SOUZA, 2013).

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Tabela 5: Composição da Comissão Estadual de Currículo do Rio de Janeiro. Comissão Estadual de Currículo do Rio de Janeiro

At ua çã o Co ns ultiv a

Secretário de Estado de Educação Wagner Granja Victer Presidente da UNDIME-RJ Eliane Tomé dos Santos Oliveira Presidente do Conselho Estadual de Educação Malvina Tania Tuttman Presidente da Comissão de Educação da ALERJ Plínio Comte Leite Bittencourt

Presidente da Fundação CECIERJI Carlos Eduardo Bielschowsky

Diretora do ISERJ/FAETECII Sandra Regina Pinto Santos

Assistente da Subsecretaria de Ensino da SME-RJ Ana Maria Gomes Cezar Presidente do SINEPE/RJIII Cláudia Regina de Souza Costa

At ua çã o delib er a tiv

a Subsecretário de Gestão de Ensino da SEEDUC-RJ Paulo Fortunato de Abreu Superintendente Pedagógica da SEEDUC-RJ Carla Bertânia Conceição de Souza

Secretária Municipal de Educação de Silva Jardim Kátia Peixoto Passos Magalhães de Oliveira Assistente da Subsecretaria de Ensino da SME-RJ Katia das Chagas Moura

I Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro; II Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro; III Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado do Rio de Janeiro.

Todavia, a posição de destaque a que pertencia o então Secretário de Estado de Educação, Wagner Victer, não correspondia muito às expectativas do MEC. Os custos atados aos processos da reforma educacional não estão possivelmente entre as decisões do gestor, haja vista a crise financeira pela qual passava o estado do Rio de Janeiro: “Algumas pessoas diziam que no regime de recuperação fiscal62 não se poderia criar mais gastos, então ele [Wagner

62 O regime de recuperação fiscal, aprovado pela lei complementar nº 159/2017, foi criado para fornecer aos

Estados com grave desequilíbrio financeiro os instrumentos para o ajuste de suas contas. As premissas para a adesão dessa lei complementar considera que o estado estaria em condição fiscal-financeira grave quando a receita corrente líquida (RCL) anual fosse menor que a dívida consolidada ao final do último exercício; o somatório das despesas com pessoal, juros e amortizações fosse igual ou maior que 70% da RCL e o valor total de obrigações contraídas fosse superior às disponibilidades de caixa. A lei complementar nº 159/2017 impõe uma série de obrigações aos estados, como a autorização à privatização de empresas, a adoção do regime próprio de previdência social, a elaboração de regime de previdência complementar, a revisão do regime jurídico único dos servidores estaduais da administração pública, a redução de incentivos ou benefícios tributários, a proibição do uso de receitas em depósitos judiciais e a elaboração de leilões para o pagamento das despesas. Como contrapartida, a União reduziria integralmente as prestações referentes aos contratos das dívidas administradas pelo Tesouro Nacional por até 36 meses, podendo ser prorrogado. Isto permitiria a suspensão dos requisitos para contratação de operações de créditos e a suspensão de comprovações para o recebimento de transferências voluntárias. Também possibilitaria a contratação de operações de crédito para a promoção de ações que visem à modernização fazendária

Victer] não queria mexer com nada. Porque implementar uma BNCC tem custos, inclusive de contratação de profissional” (MARCELO MOCARZEL, Articulador de Conselho). Ainda que a fala retrate uma conjectura, ela denota um contraste no investimento disponível para o processo de elaboração do documento curricular estadual com as finanças públicas estaduais à educação e a real situação de muitas das escolas e das condições de trabalho dos professores63.

Enquanto o âmbito federal parece ter investido na defesa de contratação de empresas de serviços educacionais para a reforma do sistema de ensino, no âmbito estadual a administração da educação pública parece se restringir à contenção dos gastos: “Com Wagner Victer a secretária era muito fechada, inclusive era muito fechada, mesmo entrada, porque teve a ocupação64 e eles tinham um pouco de trauma. A gente [os bolsistas do ProBNCC] não tinha tanto acesso” e “ele [Wagner Victer] deixou a coordenação da Base [do ProBNCC] muitas vezes sem respostas” (MARCELO MOCARZEL, Articulador de Conselho). A limitação no papel do gestor exprime um modo peculiar de administração e muito provavelmente está associado às suas experiências prévias, já que o domínio de finanças corresponde a formação de Wagner Victer e não a educação65. Embora não se possa afirmar em absoluto, quanto mais distante dos conhecimentos pedagógicos, menos significa a noção de educação pública nas instâncias decisórias junto a outras autoridades.

Na condição da Comissão Estadual de Currículo não se efetivar e as decisões da gestão local se concentrarem no Secretário de Estado de Educação, seu posicionamento repercute na execução das ações de trabalho com a política nacional em âmbito local: “isso só atrasou o nosso trabalho [da equipe técnica de currículo e gestão]. A gente estava pronto para começar” diz Mytse Melo, Redatora e Formadora. Em uma avaliação sobre o ProBNCC ao longo de 2018 realizado pelo Todos pela Educação em parceria com o Movimento pela Base Nacional Comum

estadual, particularmente dos processos tributários, gestão de pessoas, controle de folha de pagamento de servidores ativos e inativos (TORREZAN; PAIVA, 2018).

63 No governo de Luiz Fernando Pezão (2014-2019) extinguiram-se mais de 63 escolas estaduais, reduziu-se o

orçamento da Secretaria de Estado de Educação, estabeleceu-se um racionamento dos serviços de limpeza, merenda e profissionais nas escolas (demitindo porteiros e aumentando a carências de professores de várias disciplinas), entre outras medidas de precarização da oferta do serviço público (SILVA, 2019).

64 No estado do Rio de Janeiro, a ocupação de escolas realizadas pelos estudantes entre os meses de março e junho

de 2016 representou um ato de resistência à precarização das condições físicas e humanas no cotidiano escolar (SILVA, 2019).

65 Wagner Victer é formado em Engenheira pela UFRJ e em Administração de Empresas pela UERJ. É pós-

graduado em Finanças pela Fundação Getúlio Vargas e em Análise e Gerência de Projetos pela Universidade de Harvard (EUA). Na época em que foi nomeado pelo governador em exercício Francisco Dornelles em 2016, era presidente da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC). Mas anteriormente ocupou outros cargos públicos, como o de Secretário Estadual de Energia, Indústria Naval e Petróleo nos governos Anthony e Rosinha Garotinho (1999-2006) e da presidência da CEDAE no governo Sérgio Cabral (2007-2014). Disponível em: <http://www.faetec.rj.gov.br/index.php/institucional/assessoria-de-comunicacao/noticias/40-wagner-victer- assume-presidencia-da-faetec>. Acesso em: jan. 2019.

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e a Fundação Lemann foi identificada a falta de apoio político de Secretarias de Educação e problemas em receber os recursos financeiros66.

Quando o governo federal define detalhadamente o Programa para reorientar propostas curriculares às instâncias subnacionais subjuga o papel das Secretarias de Educação na esfera pedagógica. A Coordenadora Estadual de Currículo Dilcelina Vasconcelos expõe a predominância da União na estrutura da governança: “O MEC monta em cada território equipes [bolsistas] que a gente chama equipe ProBNCC com professores do Estado para poder fazer essa construção [curricular]”. A Secretaria de Estado de Educação e a seccional da UNDIME poderiam nomear a equipe técnica de currículo e gestão, mas já estaria previamente determinado todo o perfil de profissionais que usufruiria dos recursos do Programa de Apoio à Implementação.

“No final de fevereiro [de 2018] foi montado uma equipe técnica de 28 professores67

da rede estadual e das redes municipais”, diz o Coordenador Estadual de Currículo Fabiano Souza. Na premissa de um trabalho colaborativo, a equipe bolsista do ProBNCC foi circunscrita, respeitando a relação de responsabilidade das instâncias regionais com o nível de ensino:

Esse trabalho [de elaboração e implementação curricular em função da BNCC] é um regime de colaboração. [...]. Um terço dos professores são da SEEDUC-RJ e dois terços pertencem ao munícipio. [...]. A gente fechou um percentual. Por quê? A SEEDUC-RJ tem os anos finais do Ensino Fundamental. Já os munícipios têm toda a Educação Infantil e maciçamente todo o ensino Fundamental (FABIANO SOUZA, Coordenador Estadual de Currículo).

O quadro de funcionários dos diversos sistemas de ensino no Rio de Janeiro é subtraído a uma equipe ínfima e contingencial, sob coordenação do MEC. Embora o Programa apresente como uma finalidade a proposição curricular a todo o território do Rio de Janeiro apoiado na BNCC, parece que a elaboração e a decisão da política educacional não competem diretamente às Secretarias de Educação e tampouco à comunidade escolar.

O Coordenador Estadual de Currículo Fabiano Souza recorda a celeridade no cumprimento da agenda do MEC: “Eu me lembro que foi na época de carnaval, em fevereiro, uma grande correria para a gente conseguir nomes e para dar o retorno”. É aproveitando as estruturas existentes da SEEDUC-RJ e da UNDIME-RJ que ocorreu a força-tarefa de mobilização dos atores:

66 Disponível em: <https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/172.pdf>. Acesso em: mar. 2020. 67 Ao se referir sobre esse total de integrantes na equipe, considera apenas os profissionais designados pelas

Secretárias de Educação e não aqueles nomeados pelo Conselho. Se somados todos os participantes, a equipe bolsista do ProBNCC apresenta 31 membros.

A gente [da SEEDUC-RJ] fez consultas às Regionais já que o prazo era muito curto para poder enviar os nomes para o MEC. A gente pediu que as regionais indicassem dentro de um perfil de engajamento, de conhecimento, de comprometimento, de dedicação e preparo. [...] Ninguém conhece mais os nossos professores do que a regional que está mais perto do que a gente que está na sede (FABIANO SOUZA, Coordenador Estadual de Currículo).

A UNDIME-RJ fez contato com os nossos secretários de educação por e-mail na época perguntando quem tinha professores com perfil de formação e com perfil diferenciado, professores que trabalham com práticas interessantes nos municípios. A gente tem pessoas de todas as regiões do estado. (DILCELINA VASCONCELOS, Coordenadora Estadual de Currículo).

Formar uma equipe técnica de currículo e gestão com profissionais efetivos da rede estadual ou de uma rede municipal pode ser considerado um desafio gerencial. O ProBNCC organiza forças humanas e capacidades para legitimar um determinado projeto político-social que se tornou hegemônico em dado momento histórico. Ao mesmo tempo que provê às unidades federativas o suporte técnico e financeiro, condiciona ao cumprimento de metas e objetivos, em um tempo determinado. A Coordenadora Estadual de Currículo Dilcelina Vasconcelos sintetiza as ações:

O primeiro ano, que foi em 2018, foi o ano de construção desse documento [DCERJ]. Era mais ou menos um movimento assim: a gente ia para o MEC fazia a formação, vinha para o Estado e dava continuidade. Ia para o MEC fazia a formação e ia para o Estado até construir e chegar no Conselho Estadual [CEE-RJ].

A formação da equipe técnica de currículo e gestão parece ter sido um passo fundamental na reiteração das cláusulas essenciais do acordo com o ente promotor: “A gente começa um trabalho de formação com o MEC, o Brasil inteiro vive isso, para que a gente pudesse vir para os nossos estados e consequentemente para as nossas cidades para deflagrar”, reafirma em outro momento a Coordenadora Estadual de Currículo Dilcelina Vasconcelos. Quando todas as equipes bolsistas do ProBNCC são submetidas às mesmas regras, dificilmente há diferença do “dever de casa” ou do que cada estado faria para implementar a BNCC. A chamada formação pode representar um treinamento para definir a atuação dentro da política. A este respeito, o Coordenador Estadual de Currículo Fabiano Souza cita as ocorrências da formação: “A equipe de 28 professores foi três vezes a Brasília [ao longo de 2018] e uma vez em São Paulo [no ano de 2019] participar de encontros formativos68”.

68 Os encontros formativos em Brasília aconteceram nos dias 26-28/03/2018, 21-22/08/2018, 12-14/12/2018 e em

São Paulo nos dias 26-27/08/2019. Disponível em: <https://sites.google.com/view/documentocurriculardorj/fotos- eventos>. Acesso em: abr. 2020.

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Entende-se, assim, que as orientações políticas se resumem a procedimentos técnicos e científicos: “Os redatores participavam de oficinas e palestras que explicavam como proceder no processo de escrita e o que não poderia faltar. Então, houve todo um preparo para ajudar no processo de construção do documento” (FABIANO SOUZA, Coordenador Estadual de Currículo). Deste modo, a formação não almejava apenas o modo da proposição curricular estadual, mas a sua efetivação nas salas de aula, para que o processo não se afastasse do que estava sendo proposto em Brasília:

Os primeiros encontros foram para falar da Base, que a gente tinha que construir um currículo alinhado à Base. No último já entrou na parte de metodologia. [...] Eles falam[vam] das premissas de qualidade [...] na formação do professor [...], detalhes de como deveria fazer. Nós fizemos na prática uma sugestão metodológica (MYTSE MELO, Redatora e Formadora).

Ao tratar a questão educacional com uma lógica simplesmente instrumental, o discurso sobre a reforma aparenta ser uma alternativa atraente e eficaz: “Foram formações bem consistentes. [...]. Porque nós [a equipe bolsista do ProBNCC] não participamos da construção da Base [...]. Então, essas formações nos ajudaram a entender e hoje eu sou ferrenha defensora da Base”, pondera a Coordenadora Estadual de Currículo Dilcelina Vasconcelos. Pode ser difícil discordar da descrição da atual situação educacional e mais ainda ficar contra a proposta de “direitos de aprendizagens", como ela diz.

Mas não podemos deixar de questionar quem continua liderando tais esforços reformistas e quem ganha em consequência de tudo isso. O setor privado, por exemplo, ocupa agora uma gama de funções e de relações dentro do Estado e na educação pública em particular: “As ONGs [organizações não governamentais] participavam [na formação] através de palestrantes, pessoas que organizavam e que davam oficinas. Eram de instituições como CENPEC, Movimento pela Base Nacional Comum e Fundação Lemann”, conforme indica o Coordenador Estadual de Currículo Fabiano Souza.

A Redatora e Formadora Mytse Melo acrescenta ao rol de consultoria técnica outra organização não governamental: “A Vânia e o Leandro [...] fazem parte do MEC e de uma instituição [Instituto Reúna].” Esta entidade fornece recursos retóricos que podem ser utilizados para reiterar a política: “Tem o material no site, numa plataforma que pode auxiliar a gente nas formações [dos professores das redes de ensino]. [...] São sugestões de trilhas formativas para todas as áreas. Inclusive foi uma trilha dessas que eles usaram lá” (MYTSE MELO, Redatora e Formadora). Em um primeiro momento, o Instituto Reúna pode parecer se tratar de uma novidade no discurso da reforma educacional, mas embora seja relativamente novo, foi fundado

em 2019 por Kátia Cristina Stocco Smole, ex-secretária de Educação Básica do MEC, associada ao Todos pela Educação e membro do Movimento pela Base69. O Percurso Formativo, material de referência à formação de professores para implementação da BNCC, foi elaborado em parceria entre o Instituto Reúna e a Fundação Lemann70.

Acerca da presença de atores privados na ação do MEC, encontram-se questionamentos, em particular, quanto ao lobby de fundações e institutos na política educacional: “Que interesses são esses? São educadores que estão super preocupados com a educação brasileira ou com o lucro que a educação pode dar para essas empresas?” (MALVINA TUTTMAN, Presidente do CEE-RJ). Apoiadas nos estudos de Ball (2014), pode-se dizer que os novos participantes colonizam geralmente os espaços abertos pela crítica às organizações do Estado existentes, apoiando-se na retórica da má gestão, do imobilismo e da ineficiência da máquina estatal ou do setor público em geral. A disseminação da nova narrativa política pode trazer à tona outras práticas, valores e sensibilidades: “[...] Da forma que está a escola não pode continuar e já está mais que provado. A gente já tem resultados. Como eu disse, esse documento [DOC-RJ] não é perfeito, pode ter questões políticas e interesses envolvidos, mas é um caminho”, diz a Redatora e Formadora Mytse de Melo. O problema parece estar nos critérios que são atribuídos para avaliar com mais profundidade a situação do ensino e, sobretudo, nas consequentes soluções que são propostas.

O que estamos presenciando não é somente uma luta em torno da distribuição de

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