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4. A REFORMA EM FUNÇÃO DA BNCC NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

4.1. A REPROGRAMAÇÃO DA GESTÃO EDUCACIONAL

A SEB/MEC publicou uma série de normas infralegais e documentos que determinava uma ordem das partes que integram o sistema de ensino, a qual denominamos anteriormente como governança da implementação. Ela demarcava os possíveis produtores de sentidos da política educacional em uma tendência estatizante e burocrática. O processo deveria ser restrito a um conjunto ínfimo de pessoas nos níveis estadual e municipal tendo em consideração a regulamentação do programa (ProBNCC). Na seção apresentamos como os participantes da pesquisa se envolveram e os trabalhos executados por eles nesse ínterim. Aproveitamos a questão para incluir outros sujeitos citados nas entrevistas.

Os Coordenadores Estaduais de Currículo Fabiano Souza e Dilcelina Vasconcelos apresentavam previamente experiências na gestão de elaboração curricular. Fabiano Souza faz parte do quadro de funcionários da Secretária de Estado de Educação: “Desde fevereiro de 2013 eu [Fabiano Souza] passei [...] a fazer parte da coordenação de área de conhecimento que é quem cuida da parte da política curricular da SEEDUC-RJ”. Dilcelina Vasconcelos faz parte do quadro de funcionários de Secretárias Municipais de Educação: “Eu [Dilcelina Vasconcelos] fui indicada [ao ProBNCC] por conta da minha experiência de ter trabalhado com a construção de proposta curricular [...] em Queimados e no outro município que eu atuei que é em Belford Roxo. [...] Meu secretário [Lenine Rodrigues Lemos] tinha essa informação”. Dilcelina Vasconcelos é subsecretária de educação em Queimados e o seu secretário é o atual presidente da seccional da UNDIME no estado. Embora Lenine Lemos fosse eleito como presidente da UNDIME-RJ52 apenas no ano de 2019, já fazia parte da diretoria executiva53 como coordenador da região metropolitana e secretário de articulações do estado junto à União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação no biênio de 2017-201854. Enquanto Fabiano Souza já era

um dos responsáveis pela proposta curricular para toda a rede estadual, Dilcelina Vasconcelos

52 União dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (UNDIME-RJ) integra as 92

Secretarias Municipais de Educação com o intuito de fortalecer as diferentes administrações públicas. Para representar essa entidade, são eleitos bienalmente no Fórum Estadual membros da diretoria executiva.

53 A diretoria executiva é composta pelo presidente, vice-presidente, secretário de articulação, secretário de

finanças e coordenadores regionais das áreas: metropolitana, serrana, litorânea, sudoeste fluminense, norte noroeste e sul fluminense. Com exceção dos cargos de presidente e de vice-presidente, os demais cargos de diretoria são eleitos com um suplente. Disponível em: <https://rj.undime.org.br/noticia/estatuto>. Acesso em: jan. 2019.

54 Disponível em: <https://www.portalb.com.br/2017/04/lenine-lemos-e-o-novo-secretario-de-articulacoes-do-

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apresentava experiências singulares em Secretarias Municipais de Educação. O fato de uma dessas experiências ser junto do atual presidente da UNDIME-RJ muito provavelmente a isso se deve a sua indicação à equipe técnica do ProBNCC, já que a seccional da UNDIME no estado quem designaria os profissionais.

Fabiano Souza relata sobre a responsabilidade dos Coordenadores Estaduais de Currículo: “Desde 2018 para cá [2019], somos nós eu [Fabiano Souza] e Dilcelina Vasconcelos liderando a equipe técnica de professores Redatores para construir o documento”. A gestão parece implicada a questões de ensino: “A parte pedagógica está muito próxima do que eu faço porque eu leio, corrijo, eu discordo, eu questiono, então a gente conhece bem o material por isso”, complementa Dilcelina Vasconcelos.

Dilcelina Vasconcelos expressa quem é e o que exerce a Articuladora de Regime de Colaboração: “A Marlise [Alves Cardoso] que faz a comunicação com os secretários [municipais] de educação”. Ela é secretária executiva da UNDIME-RJ e já desempenhou provavelmente encargos semelhantes55.

Os gestores da Secretária Municipal de Queimados parecem exercer grande influência na escolha dos Redatores e Formadores de Ciências da Natureza: “O próprio Lenine [Lemos] e a Lina [Dilcelina Vasconcelos] que indicaram o meu nome e o do Gênesis [Carvalho], pois somos da rede de Queimados”, diz Mytse Melo. Ainda que os secretários indiquem professores do próprio sistema de ensino por questão de proximidade, cabe indagar o porquê escolherem esses e não outros docentes de Ciências/Biologia. A Mytse Melo supõe o motivo de ter sido selecionada:

Eu sou reconhecida na rede de Queimados e do estado com vários prêmios da Shell, Professores do Brasil, Educador Nota 10 e o último agora foi Paulo Freire. O trabalho diferenciado que fiz em sala de aula em Ciências e Biologia deve ter chamado atenção da minha Coordenadora [Dilcelina Vasconcelos] para fazer o convite.

Os prêmios parecem dar notoriedades às práticas da Mytse de Melo. Se um é indicado por ser reconhecido publicamente, o outro a muito se deve a sua rede de relacionamento no trabalho: “O Gênesis é responsável por um ciclo da SEMED [Secretária Municipal de Educação de Queimados]. Então ela [Dilcelina Vasconcelos] já conhecia o trabalho que ele fazia, diz Mytse Melo. Ela explicita o paradoxo entre a sua experiência profissional e a parte do texto de Ciências da Natureza ao qual foi atribuída para redigir no DOC-RJ:

Eu [Mytse Melo] e o Gênesis [Carvalho] somos formados em Biologia [...]. Mas como somos indicados pela UNDIME-RJ por trabalhar em Queimados [na Secretaria Municipal de Educação], ficamos com os Anos Iniciais [do Ensino Fundamental]. [...] No começo eu [Mytse Melo] fiquei até preocupada porque não tinha experiência com os Anos Iniciais, mas aí a gente foi fazer a parte de Ciências [da Natureza]. O Gênesis [Carvalho] me assessorando, porque ele já trabalhou com os Anos Iniciais [do Ensino Fundamental].

A Mytse Melo reitera e pormenoriza as distribuições de funções para a redação do texto de Ciências da Natureza: “A gente [Mytse Melo e Gênesis Carvalho] fez a parte dos Anos Iniciais e ela [Adriana Nascimento] os Anos Finais”. A divisão também se estabeleceu dentro dos Anos Iniciais de Ciências da Natureza: “Eu fiquei com o 4º e 5º ano e o Gênesis [Carvalho] 1º, 2º e 3º ano”, expressa Mytse Melo. Ela cita a mudança da Redatora e Formadora dos Anos Finais de Ciências da Natureza: “A Adriana [Carvalho] precisou sair e não continuou esse ano [de 2019]. Entrou a Silvania [Maciel]. Só que a Silvania já pegou praticamente pronto [o documento]. O grupo instituído para a redação de Ciências da Natureza demonstra aparentemente a desunião nos trabalhos a ser desenvolvidos pelos membros.

O Articulador de Conselho Marcelo Mocarzel é membro do CEE-RJ desde 2016. Ele tem mais de 10 anos de experiências como gestor e professor da educação básica no setor privado56. A maior parte dessas experiências foram/são nas escolas pertencentes a sua família no munícipio de Niterói. É o órgão normativo estadual que o elege e não a SEEDUC-RJ ou a UNDIME-RJ, como acontece no caso dos demais integrantes da equipe do ProBNCC:

O Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação [FNCE57] mandou um ofício

para todos os Conselhos dizendo que o MEC estava aguardando uma indicação de pessoas para serem articuladores [de Conselho]. No Conselho [CEE-RJ] houve uma votação. Eu fui indicado e aprovado por unanimidade pelos conselheiros para que eu fosse o Articulador [de Conselho] voltado para a Educação Infantil e Ensino Fundamental. Elizabeth Gil que na época era secretária executiva do Conselho, ela já tinha sido conselheira, para ser a do Ensino Médio. Acabou que eu tive mais atuação, porque o que andou mesmo foi a Base do Infantil e do Ensino Fundamental.

Marcelo Mocarzel afirma que não existiu apenas representantes do CEE-RJ: “Tínhamos Articuladores do Conselho Estadual e Municipal”. A União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME-RJ)58 nomeou a Selma Almeida para ser a representante da

56 Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/>. Acesso em: fev. 2020.

57 O Fórum caracteriza-se por ser uma entidade civil sem fins lucrativos, com sede e foro em Brasília-DF, mas que

em função da eleição de sua Mesa Diretora, funciona também de forma itinerante, na sede do Conselho Estadual com quem estiver a presidência. Um dos objetivos principais é contribuir para o estreitamento das relações institucionais entre os Conselhos de Educação e representar, na esfera federal, os interesses comuns aos Conselhos de Educação, entre outros. Disponível em: https://fncee.com.br/historico/>. Acesso em: jun. 2020.

58 A UNCME é uma entidade representativa dos Conselhos Municipais de Educação, criada em 1992 e organizada

em todos os estados brasileiros com a finalidade de incentivar e orientar a criação e o funcionamento destes colegiados, pauta a sua atuação nos princípios da universalização do direito à educação, da gestão democrática da política educacional e da inclusão social. Disponível em: <https://www.uncme.org.br/>. Acesso em: jun. 2020.

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organização. Enquanto as Secretarias de Educação (SEEDUC-RJ e UNDIME-RJ) indicam a maioria dos profissionais, os órgãos normativos (CEE-RJ e UNCME-RJ) designam apenas 3 dos 31 participantes do ProBNCC. O Articulador de Conselho Marcelo Mocarzel contradiz o modo da execução dos trabalhos: “[...] A gente estava completamente desarticulado. [...]. O que aconteceu, na verdade, é que cada um fez o seu trabalho no seu quadrado [...]”. Os Conselheiros designados ao ProBNCC poderiam contribuir no processo de elaboração curricular junto do seu respectivo órgão normativo. Mocarzel explicita uma das responsabilidades dos Articuladores de Conselho: “Operacionalizar a aprovação de uma deliberação ou de um parecer sobre a BNCC no estado”. O currículo poderia não ter legalidade na unidade federativa sem a participação do CEE-RJ.

A atual presidente do CEE-RJ é Malvina Tuttman, alguém que participou do processo de elaboração da BNCC: “De 2012 a 2018 eu fui Conselheira no Conselho Nacional de Educação [CNE]. Fiz parte do processo de discussão da BNCC desde o seu início, pelo MEC, e depois quando chega a terceira versão no CNE”, diz a Malvina Tuttman. Ela assumiu a presidência do CEE-RJ quase ao fim do seu cargo no CNE: “Depois eu [Malvina Tuttman] já era concomitantemente Conselheira do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Em 2017 a 2019, eu fui eleita presidente e de 2019 a 2021 eu fui reeleita pelos pares”. A experiência da Malvina Tuttman a faz desejar por alternativas à reforma educacional em âmbito estadual: “Todas as críticas que nós fizemos ao [documento] nacional nós tentamos então não fazer aqui”, recorda Malvina Tuttman. Ela diferencia o trabalho do CEE-RJ no processo de reelaboração da BNCC:

Parece-me que o movimento do Rio de Janeiro [...] se distingue de todos ou da maioria dos outros Conselhos Estaduais que homologaram um documento feito pelas Secretarias [de Educação] tendo como norte a BNCC, talvez sem uma análise crítica. Nós tivemos uma outra metodologia de ação, horizontalizada e sem aligeiramentos.

Mesmo num patamar limitado o CEE-RJ procurou ampliar o processo de análise do DOC-RJ. A iniciativa contou com a participação de comunidades científicas, especialistas e outros profissionais envolvidos no processo educacional. Um desses especialistas é Maicon Azevedo, professor da educação básica com um perfil diferenciado. Apresenta graduação em Ciências Biológicas, mestrado e doutorado em Educação59. Quem o indicou ao cargo foram as entidades científicas: “Eu fui como representante da ABRAPEC [Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências] ou da SBEnBIO [Associação Brasileira de Ensino de

Biologia]”, diz Maicon Azevedo. Ele coincidiu a indicação por ser membro das duas organizações. O trabalho a ser desenvolvido dispõe desafios: “Ao aceitar o convite ela [Malvina Tuttman] propõe uma comissão de análise do Documento Curricular do Estado [DCERJ é a versão preliminar do DOC-RJ] que já havia sido feito”, explicita Maicon Azevedo. Maicon trabalhou junto com Maria Carolina Pires de Andrade e Lígia Machado e revisaram a Área de Ciências da Natureza, uma das estruturas conceituais preestabelecidas na política estadual.

A convivência e experiência influenciaram na seleção dos profissionais para atuar na reforma curricular, bem como desenvolveram trabalhos com a política (DOC-RJ) correspondente com as responsabilidades dos próprios empregos. Mas outros participantes podem ser identificados ao longo do processo curricular que não são da unidade federativa ou do setor público. Nas seções seguintes apresentamos esses outros sujeitos conforme exploramos o processo de (re)elaboração curricular em função da BNCC. Em uma descrevemos sobre o modo de elaboração da versão preliminar do DOC-RJ denominada em 2018 de Documento Curricular do Estado do Rio de Janeiro (DCERJ) e na outra relatamos as ações que intervieram ou não no documento do ano de 2019.

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