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4. A REFORMA EM FUNÇÃO DA BNCC NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

4.3. A VERSÃO DO DOC-RJ

Se seguíssemos a suposta linearidade ‘de cima para baixo’ (Figura 6) do MEC, poderíamos não observar mediações tecidas antes de o DOC-RJ ser aprovado pelo CEE-RJ. Uma delas é no próprio órgão normativo estadual: “O Conselho na presidência da Malvina [Tuttman] não aceitou [que o processo de implementação fosse feito verticalmente]; entenderam que não produziram a participação eficiente dos professores para poder criticar o documento e poder contribuir. Eu concordo!”, diz o Coordenador Estadual de Currículo Fabiano Souza. Há grupos dentro da SEEDUC-RJ e da UNDIME-RJ e em torno delas que podem influenciar os sentidos e seus efeitos da política curricular.

Figura 6: Principais marcos para a (re)elaboração dos currículos estaduais previstos pelo MEC para o ano de

2018.

Fonte: Disponível em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/58908574/comite-nacional-de-implementacao-

da-bncc-out-2018-apresentacao-seb>. Acesso em: mai. 2020.

O posicionamento da Presidente do CEE-RJ pode ser reflexo da sua experiência como membro do CNE: “Eu fiz parte do processo de discussão da Base Nacional Comum Curricular desde o seu início [...] e fui uma das três Conselheiras72 que votou contrária a Base Nacional Comum Curricular [...]”. A reforma curricular estadual desenhada de modo vertical e centralizado estaria associada ao contexto de produção da BNCC, do qual a professora Malvina se opunha. Neste contexto, um grupo de profissionais elaboraram o documento e socializaram em plataforma digital com limitado espaço de contribuição para a comunidade escolar. Malvina Tuttman faz questionamentos sobre esse processo no âmbito nacional: “Foram 12 milhões [de

72 Márcia Angela da Silva Aguiar (CES/CNE) e Aurina Oliveira Santana (CEB/CNE) também se posicionaram

contribuições a primeira versão da BNCC]73 assim: coloca na internet, você muda vírgula, uma palavra e outro muda a ideia inteira. Mas o que foi aproveitado? Quais os critérios para dizer que isso entra e aquilo não entra? [...]”. A participação parece ter sido reduzida a contribuições pontuais e sem muita transparência nas decisões sobre as críticas ao documento preestabelecido. A Presidente do Conselho Malvina Tuttman identifica os ‘autores’ da política curricular estadual: “A UNDIME-RJ e a SEEDUC-RJ que praticamente fez com 28 professores esse documento [DCERJ]”. Por mais competentes sejam os profissionais que participaram desse processo de elaboração, qualquer decisão externa à respectiva instituição dificilmente representara a diversidade e a complexidade do ambiente de atuação. O CEE-RJ começou a fazer parte do processo apenas quando o documento foi materializado, isto é, quando enviado pela equipe ProBNCC e com o propósito de normatizar a proposta: “[...] A primeira versão do documento estadual foi enviada para o Conselho Estadual de Educação em uma cerimônia no dia 18 de dezembro [na última sessão do Conselho Pleno do ano de 2018]”, diz o Coordenador Estadual de Currículo Fabiano Souza (Figura 7). Entretanto, esse processo explicita conflitos, pois foi considerado como portando uma aparente verticalidade das ações e tal aspecto também é reiterado pela Presidente do Conselho Malvina Tuttman: “Não chamaram o Conselho para trabalhar junto”.

73 Um artigo escrito por Fernando Cássio contesta essa quantidade de contribuições ao texto: “Uma análise dos

microdados da consulta pública, obtidos da Secretaria Executiva do MEC, via Lei de Acesso à Informação, mostra que o número de contribuintes únicos nas três categorias é 143.928. Dessa forma, dos mais de 300 mil cadastros evocados pelo ex-secretário da SEB, Manuel Palácios, em 2016, mais da metade não se converteu a contribuinte da consulta. Parece óbvio, portanto, que as 12 milhões de contribuições não significam 12 milhões de contribuintes, mas é preciso qualificar o que se quer chamar de ‘contribuição’”. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/Participa%C3%A7%C3%A3o-e-participacionismo-na-

constru%C3%A7%C3%A3o-da-Base-Nacional-Comum-Curricular?utm_source=socialbttns>. Acesso em: mai. 2020.

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Figura 7: Fotos do dia da entrega da versão preliminar do DOC-RJ para o CEE-RJ. (a) Os Secretários de

Educação (SEEDUC-RJ e UNDIME-RJ) passando solenemente o documento para a Presidente do CEE-RJ Malvina Tuttman; (b) Parte da equipe bolsista do ProBNCC presente no dia da cerimônia.

Fonte: Disponível em: <https://sites.google.com/view/documentocurriculardorj/fotos-eventos>. Acesso em: mai.

2020.

Embora membros do CEE-RJ integrassem a equipe do ProBNCC no papel de Articuladores, eles não participaram presumivelmente no processo de decisões do DCERJ e tampouco engajaram o Conselho Estadual na conduta dos trabalhos: “A gente só teve um encontro de todo mundo junto em Brasília e várias coisas foram ditas, vamos fazer isso e aquilo, vamos agir... Só que isso não aconteceu”, diz o Articulador de Conselho Marcelo Mocarzel. Ele denota a omissão nos nomes elencados na política curricular estadual: “[...] Ninguém do Conselho [CEE-RJ] e da UNCME-RJ estão com o nome aqui [no DCERJ ou DOC-RJ]”.

O célere episódio de tramitação da BNCC da Educação Infantil e Ensino Fundamental, no âmbito federal, em detrimento de uma discussão aprofundada e de eventuais ajustes74, pode realçar tensões existentes quanto à configuração do CNE. Uma das declarações nos votos contrários diz que o CNE abdicou o seu papel como órgão de Estado à órgão de governo (AGUIAR, 2018). Mesmo em um cenário de conflito a BNCC foi aprovada e como é uma política normativa, isto implica repensar as propostas pedagógicas das diversas instâncias administrativas. O CEE-RJ na presidência da Malvina Tuttman não intentaria apenas chancelar e dar legitimidade às iniciativas do ProBNCC: “O Documento do Rio de Janeiro [DCERJ] é entregue. Eu pessoalmente era contra [BNCC], por isso eu falei da minha situação. Ora [o documento] foi aprovado, é uma lei, tem que normatizar [na unidade federativa]. [...]. Mas de que forma nós vamos fazer a possibilitar um alargamento do que está engessado?”. O CEE-RJ

74 A princípio o documento estruturou-se a partir da ruptura com a concepção da Educação Básica ao excluir o

Ensino Médio, sem a modalidade Educação de Jovens e Adultos e Educação do Campo, além de outras fragilidades (AGUIAR, 2018).

não queria se submeter a uma agenda externa e restringir seu papel como órgão de Estado como o CNE.

O CEE-RJ mediante a sua prerrogativa legal desenvolveu um modo peculiar de analisar o DCERJ. A Presidente do Conselho Malvina Tuttman explica sobre a proposta metodológica:

Nós criamos uma metodologia diferente. Eu sou contra uma metodologia verticalizada. Nós vamos horizontalizar a metodologia. Nós criamos um Grupo de Assessoramento ao Conselho [CEE-RJ] formado pela representação da [Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Educação] ANPED, [Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação] ANFOPE, Associação Brasileira de Currículo [ABdC] [Associação Nacional de Política e Administração da Educação] ANPAE e pelo Fórum Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro [FEERJ]75.

[...]. Este grupo fez um planejamento de como nós iríamos discutir o documento vindo da Secretaria de Educação [dos representantes designados ao ProBNCC].

O CEE-RJ juntamente com as entidades científicas (ANPED, ANFOPE, ABdC, ANPAE, SBEnBio, ABRAPEC) e do FEERJ definiram um plano de ação para analisar o DCERJ, tanto por especialistas nas várias áreas, etapas e modalidades em reuniões técnicas quanto por outros representantes da sociedade civil em audiências públicas (SEEDUC-RJ; UNDIME, 2019b). Ainda que possam ampliar as discussões no projeto político pedagógico, as participações tendem a continuar apresentando limitações no sentido de serem representacionais e de contribuições pontuais.

Em fevereiro de 2019 o CEE-RJ solicitou ao FEERJ para elaborar uma Carta de Princípios para subsidiar ações no âmbito da reforma curricular estadual. Ela seria um marco para as análises do DCERJ e outras que ainda acontecerão, como a da etapa do Ensino Médio (CEE-RJ, 2019b). A Presidente do Conselho Malvina Tuttman sintetiza a dinâmica de produção da Carta de Princípios:

Nós pedimos ao Fórum Estadual de Educação que é formado por instituições acadêmicas, sindicais e de movimentos sociais que tem a função de acompanhar o Plano Nacional e Estadual de Educação para elaborar a Carta de Princípios. A Carta foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação e que serviu de base para a análise do documento [DOC-RJ].

75 A Conferência Nacional de Educação (CONAE) deliberou pela instauração de Fóruns Estaduais de Educação

com o objetivo de garantir espaços articulados de decisão e deliberação coletivas para o ensino. No Estado do Rio de Janeiro, a sua criação foi iniciada em dezembro de 2011, culminando na Resolução/SEEDUC, nº 4.776/2012. Disponível em: <http://www.fee.rj.gov.br/>. Acesso em: mai. 2020.

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A Carta de Princípios reafirma direitos constitucionais da educação e noções democráticas para as instituições no estado do Rio de Janeiro. O texto apresenta alternativas à reforma curricular e procura levar em consideração as necessidades e os interesses dos sujeitos que representam a sociedade, sobretudo aqueles que mais sofrem com as desigualdades existentes pelo presente modo de organização econômica. Uma das propostas era pautar o trabalho a ser desenvolvido pelos especialistas. A revisão deveria reconhecer os saberes e as especificidades locais; valorizar as culturas, ciências e artes; assumir o conhecimento em uma perspectiva inclusiva, emancipatória e crítica (CEE-RJ, 2019b). Uma concepção que reitera as escolas como espaços de pluralidade e democratização do saber.

A análise do DCERJ foi inicialmente realizada por especialistas. As entidades educacionais ou Grupo de Assessoramento indicaram ao CEE-RJ professores especialistas por área, etapa e modalidade de ensino. O CEE-RJ incluiu também outros nomes (CEE-RJ, 2019b). A Presidente do CEE-RJ Malvina Tuttman relata sobre esse processo:

Nós pensamos que os conselheiros não obrigatoriamente têm conhecimento das áreas específicas. Então convidamos profissionais da educação e especialistas das várias áreas e modalidades de ensino que analisaram voluntariamente o documento preliminar entregue pela SEEDUC-RJ e UNDIME-RJ [pelos devidos integrantes do ProBNCC].

Os professores designados para a comissão de análise do DCERJ poderiam ampliar o número de indivíduos presentes no processo político e, porventura, contribuir com outras perspectivas pedagógicas. Se 28 pessoas estiveram diretamente envolvidas na produção do DCERJ, aproximadamente 60 professores formaram o corpo de especialistas (CEE-RJ, 2019b). O grupo era constituído por especialistas de áreas e modalidades de ensino presentes e omissas na proposta do DCERJ para a Educação Infantil e Ensino Fundamental76. O CEE-RJ junto ao Grupo de Assessoramento intencionava que o DCERJ contemplasse as singularidades dos sujeitos envolvidos no processo educativo no estado do Rio de Janeiro. Não apenas a diferença entre alunos ricos e pobres, mas também dos jovens e adultos, dos negros, dos indígenas, das pessoas com deficiências, entre outros que ainda demandam ser socialmente reconhecidos na política curricular.

Embora permita a atuação de outros profissionais da educação básica, a participação em uma proposta curricular a todo o Rio de Janeiro parece ainda carecer de escolhas: “Os nossos

76 Foram convidados especialistas em: Educação de Jovens e Adultos; Educação Especial e Inclusão; Educação do

Campo; Educação Indígena; Educação Quilombola, Educação étnico raciais, Educação diversidade sexual/gênero, Ensino Religioso; Educação Infantil; Matemática; Língua Portuguesa; Educação Física; Artes; Ciências da Natureza; Língua Espanhola; Língua Inglesa.

[especialistas] foram indicados tendo por critérios serem professores da escola pública e particular e terem vinculações com as suas sociedades científicas”, distingue a presidente do CEE-RJ Malvina Tuttman. Quando a participação no processo político se limita a um grupo representacional da comunidade escolar, muitas experiências podem provavelmente ser omitidas, modos de saber e fazer dos diversos sujeitos envolvidos no processo de ensino.

As experiências dos profissionais nortearam as escolhas e as atribuições no processo de análise do DCERJ, seja por etapa, área ou modalidade de ensino. Três especialistas revisaram a Área de Ciências da Natureza, número que alude à mesma quantidade de ‘autores’ da versão preliminar do documento. O Especialista Maicon Azevedo nos explica como sucedeu a formação do grupo para analisar a Área de Ciências da Natureza:

Eu [Maicon Azevedo] fui como representante da ABRAPEC [Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências] ou da SBENBIO [Associação Brasileira de Ensino de Biologia]. Chegando lá [no CEE-RJ] já tinha a Lígia [Machado] que era indicação da ANFOPE e uma comissão imensa com representantes de basicamente de todas as áreas que estão na BNCC e [modalidades] que não estão na BNCC. [...]. Essa comissão se reuniu para traçar parâmetros em uma primeira reunião. Lá que eu vejo que a Lígia [Machado] estava e a gente precisava de mais um. Eu sugeri o nome da Maria [Andrade]. Nessa reunião [...] eu [Maicon Azevedo] e a Lígia [Machado] começamos a alinhavar como a gente ia fazer essa análise [...]. Quais eram as impressões que a gente já tinha, porque a gente já tinha trabalhado com a BNCC antes. A gente já tinha algumas ideias ali colocadas. Dali a gente estabeleceu um cronograma de trabalho mínimo. A gente convidou a Maria [Andrade] e ela aceitou (MAICON AZEVEDO, Especialista, grifo nosso).

A menção à ABRAPEC e à SBEnBio expõe até então nomes omissos de entidades científicas pertinentes ao Grupo de Assessoramento (CEE-RJ, 2019b; SEEDUC-RJ; UNDIME- RJ, 2019). O Especialista Maicon Azevedo não cita diretamente o DCERJ, mas o documento nacional. A BNCC por si só parece impor um repertório que, em tese, não necessitaria da elaboração de outro documento. Ela já define modos de ser e de organizações do espaço e tempo, mas meramente ratificar tais aspectos nas diferentes instâncias administrativas pode reintegrar o sistema nacional de educação a uma lógica linear e hierárquica.

O trabalho dos especialistas era acompanhado para que se pudesse intervir na política com orientações curriculares de acordo com as visões de educação do CEE-RJ e para o cumprimento das ações estabelecidas pelo órgão normativo e do Grupo de Assessoramento:

Houve mais duas reuniões que eu [Maicon Azevedo] fui como representante e não era mais o grupo inteiro, era um representante de Área. [...]. Ali [no CEE-RJ] o pessoal relatava o andamento de como estava acontecendo, quais eram as dificuldades e para entender quais eram os objetivos que para alguns ainda não estava claro, o que ia fazer. Nesse momento a Malvina [Tuttman] reforçava que aquele Documento [de

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Contribuições Críticas] seria [...] apresentado à Assembleia Legislativa e para a Secretaria Estadual de Educação [SEEDUC-RJ] (MAICON AZEVEDO, Especialista).

O Documento de Contribuições Críticas reúne os pareceres dos especialistas sobre o DCERJ. Mas antes de ser compilado os especialistas participaram de mais uma atividade: “Nós fizemos um Seminário dia 7 de maio de 2019 com o objetivo de apresentar a análise do Documento de Orientação Curricular da SEEDUC-RJ [e UNDIME-RJ] pelo grupo de especialistas e debater as sugestões apresentadas”, diz a Presidente do CEE-RJ Malvina Tuttman. A ação conjunta entre o CEE-RJ e os especialistas apresentava o escopo de intervir com concepções críticas na proposta curricular e de contribuir no processo de elaboração da deliberação que normatizaria o documento estadual.

O Especialista Maicon Azevedo explicita sobre as suas primeiras impressões relativas à Área de Ciências da Natureza: “Uma das coisas que eu percebi de ‘cara’ é que tem uma visão de professor colocada [...] dentro do documento curricular do estado. Na verdade, é uma cópia e cola mal feito da BNCC, que é um professor administrador de conteúdo”. A política curricular parece prescrever o que e como professores devem ensinar, não identificando como um sujeito criativo, mas como um profissional técnico cuja prática deve cumprir com o estabelecido.

O parecer dos especialistas Maicon Azevedo, Maria Andrade e Lígia Machado explicita uma leitura crítica e apresenta sugestões ao DCERJ. Na revisão de Ciências da Natureza mais se sobressaiu a unidade temática Vida e Evolução (CEE-RJ, 2019b). É aparentemente a que mais se aproxima da Área de Biologia em comparação as outras unidades temáticas e que, por sua vez, está relacionada à formação dos profissionais designados à análise.

A revisão sinaliza mais conformidades do que inovações ou mudanças pedagógicas implicadas ao DCERJ. Entre as críticas dos especialistas Maicon Azevedo, Maria Andrade e Lígia Machado se destaca que o currículo apresenta conceitos/conteúdos tradicionalmente já abordados no ensino de Ciências, apenas dispersos nos anos de escolaridade; a organização proposta implica riscos a uma visão integrada e orgânica da Ciências por tratar o conteúdo/conceito de modo intermitente ao longo do Ensino Fundamental; a ênfase dada ao saber fazer aproxima as habilidades definidas no documento aos objetivos operacionais, como sugeria as vertentes técnicas do campo curricular; o detalhamento do que e como ensinar por meio das habilidades pode dificultar qualquer outro rearranjo curricular; na proposta sobre/para docência são silenciadas as questões sociais, culturais, políticas e econômicas; um único percurso de ensino tende a acentuar a estratificação educacional por não considerar a singularidades dos estudantes, bem como as diferentes modalidades de ensino (CEE-RJa,

2019). Mediante os rumos da atual política é contestável a sua ratificação: “A gente já tem tantas outras bases, por que essa? Já tinha o PNLD [Programa Nacional do Livro e do Material Didático], [...], os PCNs [...]. Outros elementos que de uma forma ou de outra acabam funcionando como base, então por que essa base feita dessa forma?”, diz o Especialista Maicon Azevedo. Ao invés da reforma curricular contribuir com mudanças estruturais da nossa sociedade, mais parece pressupor a direção a um poder central.

O CEE-RJ junto ao Grupo de Assessoramento estabeleceram um cronograma, prevendo que no mês de maio e junho do ano de 2019 ocorreriam quatro audiências públicas. O cumprimento da ação envolveu a parceria com a UNCME-RJ, a organização ficou responsável por divulgar e fomentar a participação dos profissionais das instâncias municipais as audiências públicas (SEEDUC-RJ; UNDIME-RJ, 2019b). A Presidente do CEE-RJ Malvina Tuttman relata sobre a execução dessa etapa:

[...] Nós fizemos audiências públicas no estado. [...]. Fizemos uma chamada onde os 3 documentos apareciam: o documento preliminar da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro [DCERJ], o documento crítico [texto dos especialistas] e a Carta de Princípios. Isso foi divulgado pelos munícipios. Nós dividimos em polos. Não conseguimos atingir todos os municípios.

As audiências públicas poderiam ser uma forma de ampliar a participação da comunidade escolar no processo político. Elas ocorreram em diferentes locais e dias: Niterói (21/05), Volta Redonda (23/05), Macaé (29/05) e Rio de Janeiro (06/06). Mas a proposta curricular para um dado território e de grandes desigualdades ainda parece estabelecer limites mesmo quando a participação acontece em espaços físicos. Ao invés de contabilizar os sujeitos do processo educativo, é a representatividade das instâncias administrativas nas audiências públicas que passa a ser considerada (SEEDUC-RJ; UNDIME-RJ, 2019b). Mais uma vez a participação cede lugar à representação e em pequena quantidade, aproximadamente 35% dos munícipios pertencentes ao estado do Rio de Janeiro foram representados nas audiências públicas (32 do total de 92 munícipios). Na Figura 8 apresentamos os munícipios que foram representados bem como o local das audiências públicas.

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Figura 8: Locais e munícipios representados nas audiências públicas.

O processo de produção do atual documento curricular do estado do Rio de Janeiro parece ser marcado por uma pequena e marginal participação dos protagonistas das instituições escolares, mesmo diante dos esforços mobilizados pelo CEE-RJ. A participação do corpo docente continua a ser limitada a contribuições pontuais no texto e situada em um modo de revisão que já tinha sido feito inclusive pelo conjunto de especialistas designados pelo CEE-RJ junto do Grupo de Assessoramento.

As contribuições dos especialistas e as provenientes das audiências públicas foram sistematizadas no Relatório Avaliativo. O Conselheiro Relator das audiências públicas seria Marcelo Mocarzel (CEE-RJ, 2019b), o mesmo que integra a equipe do ProBNCC no papel de Articulador. O Relatório Avaliativo seria publicado como uma possibilidade de uma leitura crítica e entregue à equipe técnica de currículo e gestão para as atualizações necessárias do DCERJ (CEE-RJ, 2019b). Uma das sugestões era que o currículo estadual ao invés de ser denominado de Documento Curricular (DCERJ), deveria ser Documento de Orientação Curricular do Estado do Rio de Janeiro (DOC-RJ) (SEEDUC-RJ; UNDIME-RJ, 2019b). O Coordenador Estadual de Currículo Fabiano Souza denota sobre as mediações com o CEE-RJ:

Esse processo todo entre ida e vinda de sugestões e contribuições [provenientes das ações do CEE-RJ]. O que eles fizeram voltava para a equipe e incorporava o que julgava pertinente e justificava o que era considerado inapropriado. Esse movimento de ir e voltar para o Conselho [CEE-RJ] foi feito pelo menos umas três vezes.

Intervir na produção política não significa simplesmente consensos, uma vez que o próprio DCERJ está implicado nas relações assimétricas de poder. O Coordenador Estadual de

Currículo Fabiano Souza reitera o caráter prescritivo das Áreas e a única modalidade de ensino da política nacional no nível estadual:

Críticas como discutir a questão do racismo, do papel da mulher, da orientação sexual, quilombola e indígena a gente rechaçou porque não é função desse documento [DCRJ] aprofundar esse tipo de discussão. É um documento para apresentar as habilidades e competências da Base, replicar como falei, e complementar com um olhar de território do Rio de Janeiro. Isso vem à tona numa discussão de sala de aula. Nossa orientação não é vedando que se possa fazer isso, mas a partir desse documento

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