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As questões em debate no contexto empírico e a perspectiva etnográfica da pesquisa

1.1. Contextos gerais e incursões teóricas da pesquisa

1.1.2. Entre ilusões e esperanças nos becos sem saída da sustentabilidade

encontrar um caminho que possibilite a necessária ruptura com o reducionismo econômico nas análises sobre o fenômeno.

Não podemos perder a capacidade de nos indignar com as atrocidades sociais e ambientais, naturalizadas nas relações capitalistas de (re)produção, a ponto de suprimir o interesse científico nos contextos e processos que forjam esse cenário. A precarização das relações de trabalho, a impossibilidade de permanência dos moradores nativos e a exclusão social no acesso as qualidades ambientais dignas no/do espaço, decorrentes do turismo; não podem ser naturalizados como o “preço a ser pago” pelo “desenvolvimento”, e “minimizado” pelas ações de planejamento. Antes de alcançar propostas para lidar com os “impactos negativos” do turismo é necessário compreender a sua natureza, assim como seus efeitos para romper com a ideologia desenvolvimentista.

1.1.2. Entre ilusões e esperanças nos becos sem saída da sustentabilidade

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? O que esperamos? O que nos espera? Muitos se sentem confusos e nada mais. O chão balança, eles não sabem por que nem de quê. Esse seu estado é de angústia. Tornando-se mais definido, é medo (Bloch, 2005, 13)

No 1° volume do seu livro, O princípio esperança, Bloch anuncia questionamentos que constituem a existência humana. Eles indagam os seres humanos em busca de conhecimento sobre o universo e si mesmos, desde tempos muito remotos da humanidade. A pesquisa não pretende responder a tais questionamentos apenas apontar as angústias que eles geram e os sentimentos que moveram a realização da pesquisa sobre a sustentabilidade no fenômeno do turismo no distrito da Serra do Cipó.

A Serra do Cipó desperta o interesse de milhares de visitantes e dezenas de pesquisadores movidos, sobretudo, por sua geografia. Para as pessoas que vivem na RMBH a região da Serra do Cipó é um “refúgio”, um “paraíso ecológico” que permite “escapar” temporariamente dos infortúnios da vida nos grandes centros. Trata-se aqui, da necessidade urbana e moderna de retorno à natureza através das representações artificializadas dos ritmos e ciclos naturais (Alfredo, 2001). Assim como a autora, muitas pessoas da RMBH e também de outros lugares, se apaixonam pela região e estabelecem vínculos com seus lugares. Dentre essas pessoas muitos pesquisadores (mas não somente) preocupados com os rumos do crescimento urbano nesses lugares “frágeis”, social e ambientalmente.

As considerações de Bloch contribuem na medida em que remetem às nossas relações existenciais com o futuro e com a esperança: “Todo ser humano na medida em que almeja, vive do futuro” (Idem, 14). Todos nós alimentamos sonhos de uma vida melhor que a que nos coube até o momento. Se não melhor, há esperança de que não seja pior. De qualquer forma, a esperança nos constitui. É um traço básico da consciência humana, sua falta é intolerável e insuportável para as necessidades humanas. Em algumas situações, como alertado pelo autor, “o medo se antepõe e se contrapõe à esperança” (Idem, 14-17), mas é preciso perseverar.

A partir dos apontamentos de Alfredo (2001) e Bloch (2005), desvelam-se os medos e esperanças que atravessam os contextos implicados na pesquisa a partir da exposição da condição do turismo como ilusão necessária que impulsiona negócios turísticos e imobiliários, mascarando as contradições sociais e os impasses ambientais que constituem seus modos de operação. A moderna e contemporânea relação sociedade X natureza, revelada pelo fenômeno do turismo, onde a natureza passa à condição de produto, realizando-se, portanto, como fetiche, o que inclui o mascaramento das contradições pertinentes a essa mesma relação: “O turismo atua no tempo livre de modo a torná-lo produtivo, fetichizando a natureza e o natural de modo a comportar-se como uma ilusão necessária para a continuidade de tal contradição” (Alfredo, 2001, 37). Enfatiza-se também, como o turismo funciona como ilusão necessária para ratificar o consentimento quanto à máxima da reestruturação econômica em tempos de crise, a exemplo dos discursos do ministro do turismo citados no tópico anterior.

As transformações sociais e espaciais experimentadas no distrito despertam preocupações e incertezas em relação ao presente e ao futuro. Muitas pesquisas já

realizadas na região16 alertaram para o acelerado ritmo do crescimento urbano e as

consequências futuras em relação a sua degradação. Além das pesquisas, muitas perspectivas promotoras17 em relação à região da Serra do Cipó, alimentam as esperanças

em torno do desenvolvimento sustentável. Elas apostam no ordenamento turístico dos lugares, no planejamento adequado, nas modalidades ecológicas do turismo e, muitas vezes, em um “modelo ideal de gestão e de sociedade”. É necessária muita cautela para que o desejo de que as esperanças se sobreponham aos medos, não encoberte através de discursos vazios do desenvolvimento sustentável por exemplo, o foco no crescimento econômico benéfico à um grupo específico.

Em relação às perspectivas promotoras citadas, para melhor contextualização, são válidas algumas considerações sobre o pensamento promotor (Alfredo, 2001). Em uma perspectiva similar, Foladori e Taks (2004) também salientam a importância de desmistificar o mito do papel sacrossanto da ciência como guia em direção à sustentabilidade. Alfredo (2001) tece considerações sobre as pesquisas que servem de base para os projetos de desenvolvimento, incluindo os turísticos e que, através do pensamento promotor querem resolver aquilo que encaram como problema, antes de compreender as determinações do real:

Daí a importância de um conhecer que busque compreender muito mais do que propor. Se a consciência do real não muda o real, buscar mudá- lo sem alguma forma de consciência também não nos garante transformações. Tanto pior, reproduz o existente representando o diferente. Daí a importância de desvincular o conhecimento de uma ação planejada, porque neste caso, como já frisamos, discute-se o que deveria ser e não o real no seu vir-a-ser (Alfredo, 2001, 38).

Os discursos técnicos e institucionais que partem sobretudo dos órgãos do poder público e dos trabalhos técnicos de empresas por estes contratadas, correntemente fundamentam-se nessas perspectivas promotoras. Elas justificam as possibilidades do fenômeno do turismo, como se este comportasse os pressupostos e condições do desenvolvimento, no aumento do emprego e renda como forma de desenvolvimento local. Urgem então investigações analíticas comprometidas com a produção de “reflexões para fora do utilitarismo” (Alfredo, 2001, 38): “Isto implica numa relação de

16 Para citar algumas: Moura (2000); Oliveira A. (2002); Pereira (2002); Gontijo (2003); Costa (2003);

Gontijo e Lopes (2007); Cardoso (2008); Lopes (2009); Magalhães, Leite, Moura e Parizzi (2010); Ferreira (2010); Braga (2011); De Fillipo (2013); Moss (2014); Ribeiro (2015); Santos (2016); Murta, Porto e Ribeiro (2019); Lopes, De Fillipo E Gontijo (2019).

subserviência do conhecimento a uma racionalidade que se impõe e acaba por definir os caminhos do próprio conhecimento” (Idem, 38). O autor salienta ainda que essa perspectiva não se constitui em um descompromisso, mas contribui na luta contra o imediatismo, o pragmatismo e as amarras da razão apriorística.

A esperança é constitutiva da consciência humana (Bloch, 2005). Esperança e expectativa são naturais à nossa condição humana. Em relação à região da Serra do Cipó e ao distrito investigado, mais notadamente, também é compreensível que as pessoas, sobretudo aquelas que possuem vínculos afetivos com o lugar, tenham esperanças de que o espaço social, com todos os seus movimentos espaço-temporais e seus elementos sociais e naturais, não seja aniquilado pelo crescimento urbano.

O ritmo acelerado da transformação do espaço no distrito, junto à fragilidade social e ambiental frente a realização das relações capitalistas de produção, gera angústias. A reprodução das perspectivas promotoras fundamentadas no ecologismo (Bihr, 1991) e na celebração das modalidades ecológicas de turismo baseadas no reformismo ecológico (Bihr, 1991) não eliminam os efeitos ambiental e socialmente degradantes da expansão urbana. Isto é, apesar das esperanças materializadas nas diversas perspectivas promotoras, os modos de operação das atividades econômicas nos distritos reproduzem os mesmos modos de operação que produzem as contradições sociais do crescimento urbano nos grandes centros, como por exemplo, deterioração ambiental do espaço pela urbanização, crescimento da desigualdade social e da violência urbana, precarização das relações de trabalho, etc. O que acontece porque os processos que se desenrolam no distrito estão vinculados amplamente aos processos de urbanização da/na RMBH.

Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, das conversas informais e cotidianas e das entrevistas, constatamos o contexto de angústias e escassez de esperanças junto às pessoas, como se estivessem desacreditadas, desgastadas e desencantadas quando o assunto envolve o futuro que o presente anuncia. Já que “em todo presente, (...), há um impulso e uma interrupção, uma incubação e uma antecipação do que ainda não veio a ser” (Bloch, 2005, 22). A descrença percebida no distrito não é uma exclusividade localizada dos seus moradores, mas do tempo em que está sendo desenvolvido esse estudo. A situação política e econômica do país e do mundo em crises torna a incerteza uma constante na vida das pessoas. Portanto, é compreensível a dificuldade das pessoas em tomar posições políticas sólidas e bem fundamentadas.

Em “tempos de angústias”, é possível que a tendência das pessoas a se inclinar às ilusões necessárias e às esperanças fraudulentas, curvando-se ao medo, seja maior. Como salientado por Bloch (2005), a esperança fraudulenta é “uma das maiores malfeitoras, até mesmo um dos maiores tormentos do gênero humano” (Idem, 15). Destaca-se como as ideologias que amparam as práticas econômicas neoliberais, tais como: economicismo, progressismo, desenvolvimentismo, fetichismo de Estado, etc., são afeitas às ilusões necessárias, bem como as esperanças fraudulentas.

Apesar das denúncias e alertas em relação aos efeitos locais negativos gerados pelo turismo em diversos lugares, a maior parte das abordagens tende a apostar no seu ordenamento e/ou planejamento adequado como solução para amenizar esses efeitos. É verdade que existem movimentos de oposição radical ao turismo em outros lugares do mundo, como Barcelona, Veneza e Amsterdã, que trazem à tona o debate sobre a turismofobia sem se configurar (ainda) em uma tendência ampla e global. Apesar de não haver um movimento de oposição radical ao turismo no distrito, nota-se certa apatia e descrença dos seus moradores quanto ao setor/fenômeno, sobretudo nos jovens. De forma geral, no Brasil e no distrito da Serra do Cipó, as esperanças nas modalidades ecológicas do turismo seguem se reafirmando como possibilidade para a consolidação da sustentabilidade. Observa-se que estes discursos estão, muitas vezes, ancorados em utopias conservadoras (Bihr, 1991) como o fetichismo de Estado consubstanciado em “modelos ideais de desenvolvimento” alcançados supostamente através do planejamento adequado. Nota-se como as ideologias que constituem as perspectivas do “planejamento ideal” e dos “modelos ideais de desenvolvimento” dialogam com os pressupostos das práticas econômicas neoliberais.

Através de reflexões mais desprendidas do contexto espaço-temporal em questão, tentaremos traduzir o fascínio da sociedade ocidental por um “tipo ideal de desenvolvimento”, alertando para as maneiras através das quais estas perspectivas nos conduzem às ilusões necessárias e esperanças fraudulentas. A esperança concreta é a que irrompe subjetivamente com mais força contra o medo. Sugere-se como possibilidade uma reação ao contexto de angustia por meio da superação do medo através da esperança concreta (Bloch, 2005), pois “O medo se apresenta como máscara subjetivista e o niilismo, como máscara objetivista da crise: fenômeno suportado, mas não compreendido; lamentado, mas não removido” (Idem, 14/15).

No contexto das possibilidades do sonhar para a frente (Idem) e das limitações da redução da utopia à modalidade abstrata de Estado ideal (Idem), Bloch (2005) ressalta

que “apesar da Nova Atlantis de Francis Bacon, no âmbito da técnica não se destacou nenhuma terra limítrofe com status próprio de pioneira e conteúdos de esperança próprios assentados na natureza” (Idem, 25).

A nova Atlântida pertence às grandes utopias clássicas da história do pensamento”. (...). A nova Atlântida segue a linha das utopias clássicas: a ficção de um estado ideal em que os cidadãos são felizes por causa da organização social perfeita, (...), os males sociais são reduzidos ao limite mínimo. O título em si, (...), refere-se a Platão, criador de outra utopia, e que em uma de suas obras fala de um antigo continente afundado no oceano. (Bacon, 1999, 12).

A mitologia grega narrada por Platão descreve dois diálogos que se referem à descoberta dos registros escritos da chamada Atlântida, o centro de um grande império com uma enorme população, cidades de telhados de ouro, frota e exércitos poderosos para invasões e conquistas. A Atlântida é descrita como uma civilização avançada, um império de engenheiros e cientistas, tão ou mais avançados tecnologicamente que a nossa civilização. Segundo a mitologia, desapareceu há cerca de 12 mil anos, em meio a enchentes e terremotos, forçando seus sobreviventes a se refugiarem por todo o mundo. Há séculos exploradores e cientistas buscam em vão esta civilização perdida18.

Oliveira (2002a) enfatiza que, em Nova Atlântida, de Francis Bacon, publicado originalmente em 1659, o desejo é encarnado numa sociedade harmônica, feliz e próspera, com fascinantes inovações que facilitam a vida dos cidadãos. A força humana aparece na organização social para o desenvolvimento da nova ciência, que, além de redirecionada para objetivos úteis, institucionalizaria suas virtudes (como a da investigação cooperada e do progresso contínuo), superando as limitações humanas e renovando as esperanças. Assim,

Em Nova Atlântida se encontra o modelo de uma sociedade unificada, na qual o empenho na busca do conhecimento-domínio da natureza traria estabilidade civil e prosperidade econômica. Ali também a tolerância religiosa e a investigação cooperada sob a gestão governamental estabeleceriam os caminhos do bem-estar de seus cidadãos. A cidade dessa ilha dos mares do Sul se chama Bensalém e seu pilar é a Casa de Salomão, que não é exatamente um lugar de ensino, ainda que visasse também à formação dos jovens pesquisadores. Trata- se de um grande laboratório consagrado ao desenvolvimento da pesquisa tecnológica para o avanço do conhecimento e bem-estar da população. Essa instituição é aparentemente responsável não apenas pelos benefícios práticos, tais como os remédios que curam os

18 Informações retiradas do texto ‘Diálogos de Platão sobre Atlântida’ disponível em https://bit.ly/2U97hBF

náufragos doentes que ali chegaram estupefatos, mas também pelas virtudes cívicas e religiosas dos habitantes daquela ilha, como seus espíritos disciplinados, colaboradores e caridosos (Oliveira, 2002a, 47/48).

As narrativas mitológicas de Platão sobre Atlântida nos dizem algo sobre o fascínio da humanidade pelas possibilidades dos avanços tecnológicos da nossa civilização e pelas ideias de “harmonia social” e “equilíbrio ecológico”. Em Nova Atlântida, Bacon ratifica o fascínio da humanidade em relação as possibilidades do avanço do conhecimento técnico e científico e expressa a expectativa e esperança em relação ao “modelo ideal de sociedade”. É importante frisar como esse imaginário permeia muitos discursos políticos, jornalísticos e também acadêmicos que operam com as perspectivas de ordenamento turístico e planejamento adequado, assim como do pensamento promotor.

Na contemporaneidade, os significados implícitos às narrativas da Atlântida (Platão) e da Nova Atlântida (Francis Bacon) foram apropriados pelo maior projeto turístico do mundo. Trata-se de um empreendimento turístico residencial que serve aos interesses hegemônicos da economia neoliberal representados pelo capital imobiliário. O complexo imobiliário turístico denominado Nova Atlântida – Cidade Turística e Residencial está sendo implementado no Ceará. De acordo com Lustosa (2008) o empreendimento se configura como uma forma de turismo com investimentos internacionais consorciados, que desconsidera os direitos constitucionais dos povos tradicionais das comunidades envolvidas.

Os espanhóis apoderam-se, virtualmente, das paisagens das comunidades e vislumbram implantar a cidade turística proposta, orçada em “US$ 15 bilhões prevê a construção de 13 hotéis cinco estrelas, 14 resorts, seis condomínios residenciais e três campos de golfe, numa área contínua de 12 quilômetros de praia e 3,1 mil hectares (o equivalente a 167 estádios do Maracanã). (Correio Brasiliense, jul. 2007, 14 o Lustosa, 2008). Segundo este mesmo site o Nova Atlântida ostenta ocupar o destaque como “o maior complexo turístico residencial do mundo. A área total da primeira fase de desenvolvimento abrangeria 11.000.000m². (Lustosa, 2008, 05/06)

Há 16 anos, desde 2002, os representantes do empreendimento enfrentam diversos conflitos com as populações locais e travam batalhas judiciais para conseguir todas as licenças e regulamentar as diferentes etapas e operações que envolvem a instalação do projeto Nova Atlântida – Cidade Turística e Residencial (Idem). É claro que o projeto do

empreendimento não se ancora na ideia de uma “sociedade ideal”, com uma civilização extremamente avançada que convive harmonicamente entre seus pares e com a natureza em uma perspectiva mais ampla. Os ideais sociais e humanísticos das perspectivas utópicas de Platão e Bacon na descrição da Atlântida e da Nova Atlântida, não são consonantes com os propósitos e os modos de operação do empreendimento turístico citado. Ele se apropria dos aspectos humanistas embutidos nas ideias de progresso e desenvolvimento para consolidar as pautas dos interesses hegemônicos: o crescimento econômico que beneficia um pequeno grupo de pessoas. Os discursos que promovem o empreendimento se apropriam da ideia do “espaço totalmente ordenado”, da “organização perfeita”, da “harmonia social”, como se fosse possível extrair da “cidade turística e residencial” as contradições sociais do crescimento econômico e urbano.

As narrativas são elucidativas para fazer referência as relações históricas entre a humanidade e suas expectativas e esperanças nos avanços do conhecimento técnico e científico que caracterizam a modernidade e o mito do progresso. Destaca-se como os interesses econômicos hegemônicos se apropriam da ideia de um progresso - à serviço do bem-estar social de todos, independentemente de suas classes sociais – para implantar projetos e ações que promovem a desigualdade social, concentração e renda, precarização do trabalho e destruição ambiental. Nessas narrativas, os avanços econômicos e tecnológicos projetam-se como processos consonantes ao bem-estar social. Na Nova Atlântida do Ceará, a Cidade Turística e Residencial, a tecnologia está a serviço dos que podem adquirir o produto. Uma vez mais, o bem-estar dos futuros frequentadores da Nova Atlântida se sobreporá ao bem-estar das populações locais nascidas e criadas nesses lugares.

De acordo com Lustosa (2008), nas Comunidades Tremembé de Buriti e Sítio São José, no caso do empreendimento turístico Nova Atlântida – Cidade Turística e Residencial, o interesse dos empreendedores se sobrepõe ao das populações locais. O processo de exclusão e de ruptura, temporal e espacial, com suas formas constitutivas de sociabilidade é evidente:

Pois em lugar de respeitar o espaço das Terras Indígenas, que representam seus modos de vida, suas cosmologias e sua fonte de sobrevivência, o empreendimento procura estabelecer relações altamente assimétricas com os Tremembé de Buriti e Sítio São José, atraindo alguns com salários para recusar a identidade indígena e, desta maneira, instituir conflitos internos (Lustosa, 2008, 10).

A autora salienta ainda, o potencial destrutivo, socialmente e ambientalmente, das “novas” formas de sociabilidade instituídas pelo grupo empresarial. Na perspectiva dos Tremembé, exposta em uma ‘Carta dos Povos Indígenas do Ceará’ à Ministra Marina Silva, enviada em 20/09/2004, suas lideranças destacavam que:

Em Itapipoca, em duas aldeias Tremembé: São José e Buriti, [...] outro problema sério tem lá: a construção de uma cidade turística internacional, de interesse de um grupo espanhol. (...). Desde 2002 enfrentamos uma luta pesada contra essa empresa que quer construir uma cidade turística internacional em nossas terras. Podemos dizer que já foi dado início às construções pela empresa, mesmo contra a liminar em Ação Civil Pública a nosso favor, do Ministério Público Federal. Eles estão se aproveitando da nossa terra ainda não estar demarcada pela FUNAI. Pretendem expulsar nossas famílias das nossas terras de origem para outro lugar. As nossas comunidades são cheias de belezas naturais: matas, lagoas, rio, manguezal, água limpa, ar puro, e não aceitamos esse megaprojeto, não queremos ver nossas águas poluídas, nossa mata devastada, nossos animais mortos. É da caça, da pesca e da agricultura que vivemos. Como estamos lutando contra essa invasão na justiça, essa empresa está fazendo tudo para nos amedrontar, pois foram capazes de colocar parte dos nossos parentes contra nós, mesmo em troca de dinheiro. Contam com o apoio da prefeitura de Itapipoca e do governo estadual. Mas, não desistimos de lutar, enfrentamos perseguições frente a frente com nós, lideranças Tremembé.” (Carta aberta aos amigos apoiadores da nossa luta, 20/10/2007 apud Lustosa, 2008, 05).

Silva (2015), que também pesquisou os megaprojetos turísticos no Ceará, salienta a possibilidade de uma crise no mercado imobiliário devido à crise econômica de 2008. A autora reforça que, apesar dos investimentos públicos e atração de capital privado para o estado, observa-se um fracasso a respeito dos megaprojetos (Idem). Salienta, contudo, que o mercado imobiliário voltado para o turismo de segunda residência seguiu apresentando crescimento (Idem). Para a autora, os megaprojetos turísticos e residenciais, baseados nos modos de operação utilizados no mediterrâneo, não são viáveis