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Limitações do reformismo ecológico: a reprodução do existente representando o diferente

Projetos de Intervenção CTMAT

2.4.2. Limitações do reformismo ecológico: a reprodução do existente representando o diferente

Destaca-se o afastamento dos movimentos ecológicos do enraizamento da crise ecológica nas relações capitalistas de produção (Bihr, 1991). Limitações estas que não restringem somente à crítica, no plano teórico (idem): “Limita também, com muita frequência, a importância prática (politica) dos movimentos ecológicos, fazendo-os entrar em uma série de becos-sem-saída”. (Idem, 132). Intenta-se identificar os “becos-sem- saída” dos movimentos ecológicos e da sustentabilidade no distrito, mostrando suas relações com o ecologismo:

No plano ideológico (pois é possível, então, falar de uma verdadeira ideologia ecológica), o ecologismo define-se pela operação de redução e de extrapolação consistente para transformar a ecologia científica em

84 O trabalho de paisagismo das rotatórias do Cipó pretende melhorar o impacto visual e mostrar um novo

caminho, o da sólida conservação das espécies ameaçadas da região através da propagação de suas espécies endêmicas, fomentando de forma eficiente a educação e o turismo”. Disponível em:

um novo modelo de pensamento para o conjunto das ciências naturais e sociais. Particularmente, o ecologismo teórico (na verdade, ideológico) pretende explicar as interaçôes sociais no modelo das interações ecológicas. Negando, em última análise, qualquer especificidade dos processos sociais (e, de modo mais amplo, da humanidade), pode, na melhor das hipóteses, fornecer analogias para sua explicação; mas qualquer um sabe que comparar não é suficiente. Ele é realmente incapaz de, no fundo, explicar por que as sociedades contemporâneas produzem uma crise ecológica (Idem, 131).

Bihr salienta que é preciso evitar “o beco-sem-saída (ideológico e político) do ecologismo” (Bihr, 1991, 131). O autor aponta as limitações do ecologismo mostrando como seus fundamentos são insuficientes para compreender a inerência do produtivismo na economia capitalista, caracterizando-a de forma peculiar: “Por isso essa crítica só pode incriminar a "sociedade industrial" (noção inteiramente confusa), e não o capitalismo enquanto tal” (Idem, 131-2). Argumento este, que contribui para exaltar o turismo como vetor de desenvolvimento sustentável ou como “indústria verde”. As perspectivas que normalizam a potencialidade ecológica do turismo como um setor econômico supostamente ecológico estão impreganadas de fundamentos ecologistas que não localizam as implicações do produtivismo na economia do turismo.

O ecologismo “conduz os movimentos ecológicos, na melhor das hipóteses, pela via do reformismo” (Idem, 133). O reformismo ecológico abre novos caminhos para acumulação do capital alimentando esperanças fraudulentas no desenvolvimento de um capitalismo ecologicamente reformado (Idem). Nessa perspectiva, salienta-se o predomínio do ecologismo e do reformismo ecológico nos movimentos do/no distrito que se voltam, uns mais que outros, às perspectivas do capitalismo ecológico. Diante disso, destaca-se como as pautas reformistas e o afastamento das questões inerente ao social no capitalismo contribuíram para afugentar os interesses dos moradores locais, sobretudo trabalhadores, desses movimentos.

Neste momento, pretendemos detalhar o contexto já sinalizado na introdução afeito a “descrença” e o “desânimo” dos moradores locais em relação ao debate ambiental, relacionando esse cenário com o predomínio do ecologismo e do reformismo ecológico nos movimentos locais que não fornecem a atenção devida a raiz capitalista da crise ecológica no debate sobre as questões ambientais.

No que concerne a degradação ambiental do/no distrito Serra do Cipó e os efeitos dos modos de operação que direcionam o crescimento urbano, de forma geral, é possível considerar que os moradores locais parecem os “aceitar” como consequências

inexoráveis. É muito comum, ouvir os moradores nativos ou moradores “de fora” que residem no distrito já há algumas décadas, falarem que: “A Serra do Cipó já não é mais como antigamente. Aquele Cipó que a gente conhecia, já não existe mais”, “o Cipó acabou”, etc. O cenário de descrença paira justamente sobre as impossibilidades de intervenção no contexto das transformações socioespaciais. Como já frisado, a maior parte dos moradores nativos ou que residem no distrito há muitos anos, não se envolvem com iniciativas institucionais e/ou coletivas, tais como associações, conselhos, manifestações, reuniões comunitárias, etc. Nas reuniões dos conselhos municipais (CODEMA e COMTUR), quando há entre os presentes moradores nativos, eles representam 10% ou menos do público presente. A fala de um dos interlocutores85, expressa esse desinteresse: “dá preguiça de envolver com qualquer coisa”, em relação aos movimentos ecológicos que levantam a reflexão sobre os efeitos ambientais do crescimento urbano.

A audiência de revisão do Plano Diretor do município de Santana do Riacho, realizada em fevereiro de 2018 (Figuras 21 e 22), sobre a qual já foram tecidas considerações, é outro exemplo que reflete o desinteresse dos moradores do distrito quanto a esses momentos e respectivos debates. A audiência aconteceu na sede municipal, distante 27 km do distrito e a prefeitura disponibilizou um ônibus para levar os moradores interessados que somou um total de 3 pessoas. A nossa presença na audiência com veículo particular permitiu a liberação do motorista e veículo da prefeitura e o retorno dos moradores do distrito que utilizaram o transporte coletivo, conosco. A audiência teve um público de aproximadamente 100 pessoas sendo 13 moradores do distrito.

Figuras 21 e 22: Audiência Pública Plano Diretor – 19/02/2018. Fonte: Arquivos da autora

Como já salientado, no momento com os jovens do distrito, na semana de meio ambiente da EEDFJ do ano de 2018, também constatamos o “desânimo” deles em relação às reflexões e possíveis intervenções no cenário de degradação ambiental que o crescimento urbano promove no distrito. Em um determinado momento, conversávamos sobre os novos loteamentos e condomínios e os efeitos do crescimento urbano para os córregos Soberbo e rio Cipó. Alguns contavam relatos dos pais e avós que compartilham histórias referentes a um volumoso córrego Soberbo que já não existe mais. Um jovem presente salientou, com certa impaciência, que eles já conheciam essas histórias e discussões. Ressaltou inclusive, que outros pesquisadores já estiveram presentes na escola para conversar sobre as questões ambientais no distrito:

Sinceramente, acho que essa conversa não vai dar em nada. Não há o que fazer. O córrego Soberbo está acabando e provavelmente vai acontecer a mesma coisa com o rio Cipó. O lugar está crescendo e é isso que acontece. (...). O problema que tem que resolver mesmo é melhorar a parte do emprego. (Jovem nativo do distrito, 17 anos86).

A fala do jovem colocou no centro do debate a reflexão sobre o tipo de turismo que se desenvolve no distrito e os seus efeitos ambientais e sociais. Se por um lado, é verdade que a ocupação urbana tende a se expandir em detrimento da qualidade ambiental do espaço, por outro lado, é necessário e importante considerar que os modos de operação do turismo, convencional e de segundas residências, se relacionam com o crescimento urbano de formas distintas.

Como será apresentado no quarto capítulo, o turismo residencial (ou turismo de segundas residências) possui especificidades em relação ao mercado de trabalho e também, quanto a deterioração ambiental. De forma geral, o desenvolvimento do turismo de segundas residências pautado nos negócios imobiliários tem se desenrolado em detrimento do turismo convencional. O turismo de segundas residências (relacionado também ao aluguel turístico e comercialização destes imóveis) vem se tornando uma atividade cada vez central. Mais adiante, no capítulo citado, são realizadas considerações que explicam como o mercado de trabalho do turismo residencial (ou turismo de segundas residências) é menos dinâmico e diverso em comparação com o mercado de trabalho do turismo convencional, contudo ambos reproduzem as mesmas prerrogativas concernentes ao predomínio das relações informais e a precarização do trabalho.

Em relação aos efeitos ambientais, salienta-se a especificidade do turismo residencial cujo modo de operação adota como estratégia central o crescimento urbano. Diferentemente do turismo convencional, o turismo residencial aposta na expansão da área urbana e consequentemente da área construída, para alavancar os negócios. As operações turísticas das agências e os eventos voltados para os turistas não estão dentre as atividades centrais, o foco é a comercialização de segundas residências.

Os movimentos ecológicos têm debatido os efeitos ambientais do crescimento urbano no distrito, sem necessariamente reconhecer suas relações com o turismo. A expressão turismofobia é frequentemente usada para atitudes de rejeição ao turismo e os limiares entre a crítica ao turismo e a fobia ao turismo são tênues (Terán, 2018). Como já apontado, no distrito da Serra do Cipó, não existem movimentos coletivos e/ou institucionalizados que rejeitam o turismo. Contudo, há movimentos que criticam os efeitos do crescimento urbano, não necessariamente buscando suas relações com o turismo.

Em alguns casos, essas iniciativas propõem intervenções e mudanças, desconhecendo as forças e interesses que impulsionam e direcionam o turismo de segundas residências e o crescimento urbano no distrito. Um exemplo é o foco dispensado aos “pousadeiros”87 e proprietários de empreendimentos comerciais, como se eles fossem

os únicos responsáveis pela deterioração ambiental do/no distrito. Os empresários do setor imobiliário e os processos de ocupação urbana que fomentam, não são evidenciados como um dos efeitos do próprio turismo. A segregação entre a atividade imobiliária e turística nos debates dificulta o reconhecimento do produtivismo do/no turismo e da sua inerência no âmbito da economia capitalista. É nesse sentido que consideramos o investimento em propostas genéricas de modalidades ecológicas de turismo, pouco efetivas para lidar com as forças e interesses imobiliários que direcionam o desenvolvimento da atividade. Destaca-se, portanto, as dificuldades dos movimentos ecológicos locais para enfrentar os efeitos predatórios do turismo através do reconhecimento do turismo como condicionante do crescimento urbano. Trata-se genericamente das dificuldades de confrontar um “inimigo” que é indispensável para a economia do lugar, tal como salientado por Krippendorf (2000) quanto ao posicionamento dos nativos em relação ao fenômeno do turismo na Grécia:

Os turistas são os inimigos mais poderosos que existem, porque eles nos são indispensáveis. Por diversas razões não podemos reservar-lhes a mesma sorte dos inimigos de antigamente, que simplesmente matávamos, mas podemos ficar mudos (Idem, 67)

.

No contexto ambiental, esses movimentos críticos se apoiam no ecologismo, uma vez que formulam a “crítica que só pode incriminar a "sociedade industrial" (noção inteiramente confusa), e não o capitalismo enquanto tal” (Bihr, 1991, 131/132). Nessa perspectiva, a estrutura de produção do turismo, distinta da estrutura industrial, é estratégica para fomentar as possibilidades das versões ecológicas do capitalismo e o desenvolvimento sustentável. Este, como salientado por Escobar (2007), forja a reconciliação entre dois inimigos: o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente, desdobrando um novo campo de intervenção e controle social. O turismo é promovido, muitas vezes, como “indústria verde”, uma atividade econômica que promete a conciliação entre o crescimento econômico e a sustentabilidade ambiental. No momento atual da expansão da economia neoliberal e da ratificação da máxima da reestruturação econômica, nota-se como os discursos que forjam a sustentabilidade, social e ambiental, do crescimento econômico tornam-se ainda mais pujantes.

Quanto aos medos e angustias e sobre a percepção do momento político atual, pelos moradores locais, há um caso curioso relatado por um funcionário88 do PARNASC. Ele contou que em abril de 2018, logo após a prisão do ex-presidente Lula, um morador89, remanescente de uma área do Parque conhecida como Retiro, que tentava de alguma foram ocupar (no sentido de dar uso) ao seu antigo terreno, disse-lhe: “Eu não vou ficar aqui (no terreno dele localizado dentro do parque) mais não... Eles prenderam até o Lula, imagina eu!”.

Das conversas com as pessoas comuns, que experimentam e compartilham o cotidiano e a vida no distrito, a angustia pode ser percebida num certo estado de escassez de esperanças. Identificado também, na falta de interesse e/ou disponibilidade para envolvimento em movimentos ecológicos e outras organizações coletivas, assim como nas pesquisas acadêmicas e respectivas entrevistas, como já relatado. Quanto aos movimentos ecológicos e organizações coletivas, referimo-nos, de forma ampla, as

88 Interlocutor R1 (Apêndice 02), entrevista realizada em maio de 2018.

89 Trata-se de um senhor de 68 anos que morava no Retiro no Parque Nacional da Serra do Cipó. Essa

família teve vários conflitos com a gestão do Parque, de forma geral, pelo descumprimento das normas institucionalizadas pela unidade de conservação. Para outras informações sobre o histórico dessa família ver (Cardoso, 2008, p.96) e (Santos, 2016, 199/200 e capítulo 6).

mobilizações que procuram reunir membros da sociedade civil, por exemplo, por meio das associações, conselhos municipais e outras organizações comunitárias.

A “descrença” nessas iniciativas, por parte das pessoas do distrito, sobretudo dos nativos e trabalhadores, pode ser estendida à percepção deles em relação as pesquisas acadêmicas. Sousa (2017) relata a descrença dos moradores locais, que muitas vezes, deixam transparecer falta de vontade e interesse em participar das entrevistas: “essa pesquisa não vai dar em nada”, deixando transparecer certa “má vontade” em relação as práticas de coleta empírica. Estas afirmações são feitas a partir da experiência da própria pesquisadora no decorrer das entrevistas empíricas e são corroboradas por outros pesquisadores, como já mencionado. A pesquisa de Souza (2017) sobre o conflito ambiental derivado da instituição do PARNASC e da desapropriação dos antigos moradores, traz a fala de uma moradora nativa que expressa bem os desafios da pesquisa empírica no distrito, diante do cenário de desgaste e/ou descrença em relação as pesquisas acadêmicas.

Estou na verdade cansada. Chegaram aqui pesquisadores da UFMG e da UNIMONTES, fizeram oficinas, conversamos muito, achamos que alguma coisa ia mudar, não mudou foi nada. Eu acho que por não termos estudo, os pesquisadores escoram nas nossas costas. Nos usam para ganhar dinheiro com pesquisa, para virarem doutores, mas onde fica nossa história? Me chamaram para dar uma palestra na UFMG, fui. O professor disse que ia me pagar, não vi a cor desse dinheiro. Até hoje estou aqui, às vezes não tenho um dinheirinho que só. Mas me lembro que tem gente falando da Serra do Cipó, se vangloriando de pesquisar esse lugar. Se eu te contar que até para Terra de Minas da Tevê Globo eu falei. Já dei entrevista para o Globo Repórter, Record. Mas estou achando mesmo é que minha voz não serve para nada, me fazem lembrar, mas de nada adianta. Por que seria diferente conversar com você? Não tenho mais voz (Entrevista realizada por Souza, 2017, 47 com moradora nativa do distrito pertencente a 4° geração).

Muitos moradores do distrito convivem com a presença de pesquisadores desde a década de 1970, quando foram criados o PESC e, posteriormente, o PARNASC. São décadas convivendo com as pesquisas e participando das entrevistas. Entre estas pesquisas, muitas foram (e seguem sendo) movidas pelo pensamento promotor que reverbera as possibilidades da ciência para promover avanços técnicos e desenvolvimento, alimentam as esperanças em torno do desenvolvimento sustentável, do ordenamento turístico, do planejamento adequado, das modalidades ecológicas do turismo e amplamente de um “modelo ideal de sociedade”. Como já apontado, as perspectivas promotoras não nos garantem transformações em direção à sustentabilidade.

Muitas vezes, reproduzem o existente representando o diferente, daí a importância em romper com o utilitarismo na produção do conhecimento. Observa-se como as perspectivas promotoras refletem esperanças aos interlocutores das pesquisas, projetos e ações. A descrença e certa rejeição por parte dos moradores em relação as pesquisas, projetos e movimentos socioambientais, observadas atualmente, traduzem suas expectativas frustradas quanto as implicações dos mesmos na vida da comunidade.

É necessária muita cautela para que o desejo de que as esperanças se sobreponham aos medos, não encoberte através de discursos vazios do desenvolvimento sustentável por exemplo, o foco no crescimento econômico benéfico à um grupo específico.

No âmbito da elaboração do planejamento estratégico do Circuito Turístico Parque Nacional da Serra do Cipó para o período entre 2019-2022, Pacheco, Rocha e Martins (2019) detectaram a falta de motivação das comunidades para atuar junto as instâncias de governança. As autoras apontam que tal desânimo é expresso através de frases como: “Fizemos várias reuniões, mas nada foi colocado em prática, as ações previstas no planejamento nunca saíram do papel”. A falta de resultados torna a comunidade cética a respeito da capacidade dessas iniciativas em promover mudanças

(Pacheco, Rocha e Martins, 2019). Em Santana do Riacho especificamente, as autoras salientam o desânimo da comunidade local em relação as diferentes inciativas que não tiveram continuidade (Idem).

A falta de resultados práticos deve ser analisada sob a ótica dos diferentes interesses que constituem a (re)produção do espaço, bem como da falta de equivalência nestas relações. É certo que há sujeitos hegemônicos, representados sobretudo pelo poder público municipal, bem como pelo capital imobiliário, que se beneficiam financeiramente com os processos de degração ambiental instituídos no distrito decorrentes em grande medida, do crescimento urbano do lugar. Os discursos pautados no ecologismo e no reformismo ecológico que reverberam as possibilidades do turismo sustentável não confrontam essas relações e interesses contribuindo muitas vezes, para mascará-las. Portanto, essas perspectivas implicam tomadas de posição implícita ou explicitamente favoráveis à dominação capitalista também porque contribuem para forjar a perversa conformidade entre crescimento econômico e desenvolvimento, um dos temas abordados no próximo capítulo.

Capítulo 03