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As questões sociais, políticas e econômicas do debate ambiental: interesses divergentes no processo de avaliação do Parque Estadual Serra do Cipó

As relações entre turismo, interesses imobiliários e crescimento urbano Neste capítulo, são realizados apontamentos sobre o conceito de desenvolvimento

3.1. Desenvolvimento e sustentabilidade: considerações sobre as impossibilidades do turismo sustentável

3.2.1. As questões sociais, políticas e econômicas do debate ambiental: interesses divergentes no processo de avaliação do Parque Estadual Serra do Cipó

Ainda nas décadas de 1960 e 1970 era grande o número de pesquisadores e professores, de Belo Horizonte e São Paulo, que se hospedavam no Hotel Veraneio95. Essa presença já evidenciava em seus estudos a relevância das espécies de flora e fauna da Serra do Cipó e a importância da tomada de medidas voltadas à proteção da sua biodiversidade. Como já apontado, o interesse científico e a pressão de pesquisadores e ambientalistas contribuíram decisivamente para a criação do PESC, em 1978, sobreposto/federalizado pelo PARNASC, em 198496. No processo de federalização da unidade de conservação, algumas áreas que pertenciam ao Parque Estadual foram excluídas (Santos, 2016). O decreto de criação do PESC não foi revogado quando de sua federalização nem as terras incorporadas aos limites do PARNASC pois, estariam em termos legais, ainda sob a tutela do governo estadual (Idem). O autor relata a tentativa de esclarecer a questão junto à equipe do PARNASC que não possuía (em 2016) um posicionamento oficial a respeito, salientando que a questão poderia expor novos conflitos no futuro, o que de fato aconteceu.

A denominação de algumas unidades de conservação como “parques de papel” se deve ao fato de serem criadas e não serem implementadas (Lopes, De Fillipo, Gontijo 2019). Nota-se que as realidades de algumas unidades de conservação foram alteradas ao longo da lacuna temporal entre a sua criação e implementação que pode abranger décadas (Idem). Para lidar com tal realidade, em muitos casos, se faz necessária a avaliação dessas áreas, podendo incidir na modificação de limites, de categoria de manejo (recategorização), bem como na sua revogação (Idem). Em 2012, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais – MP/MG, iniciou um diagnóstico sobre a real situação das Unidades de Conservação do Estado (MP/MG, 2016), entre eles o PESC (Idem).

Em março de 2018, nas reuniões do CODEMA e COMTUR, a autora participou do momento da apresentação da equipe técnica do IEF/MG, incluindo a Gestora do PESC, sobre a retomada institucional da discussão acerca dessa unidade de conservação. Sob a orientação dos representantes do IEF, foi formatado um GT de Avaliação do PESC, do qual participamos. Ao longo do ano de 2018 (março, junho e outubro), aconteceram 3

95 Informações relatadas pelo fundador do empreendimento, em entrevista concedida a Santos (2016) (Idem,

155). O Hotel Veraneio é o primeiro e único hotel (como categoria de meio de hospedagem) na região do distrito. Há centenas de pousadas e hospedarias, mas apenas o Hotel Veraneio tem essa classificação.

96 Sobre o processo histórico de criação do Parque Estadual da Serra do Cipó e sobre sua posterior

reuniões conduzidas pelo IEF, abertas à comunidade e que contaram com a participação do GT para condução do processo. Nessas reuniões e fora delas, a notícia sobre a regulamentação da área do PESC gerou dúvidas e especulações. Nas reuniões, houve debate por parte dos representantes do IEF e do ICMBIO sobre os processos legais em relação ao processo de federalização do Parque Estadual. De forma geral, tramitaram processos jurídicos e administrativos entre as instituições, para validação da legitimidade atual do PESC. Transcorridos os processos, o posicionamento final do ICMBIO refutou a legitimidade da regularização do PESC, reafirmando a federalização da UC integrada ao PARNSC em 1984. Em contrapartida, os representantes do IEF alegam que a instituição foi acionada pelo MP/MG e precisa emitir um parecer oficial sobre as unidades de conservação do Estado que existem apenas no papel, entre elas o PESC.

O processo de avaliação do PESC se justifica pela área não coincidente ao PARNASC, de aproximadamente 750 hectares (figura 23), que abrange o distrito Serra do Cipó (em Santana do Riacho) e áreas da Zona Rural de Jaboticatubas: Terra de Arroz, Fervedouro e parte da Serra da Caetana (Idem). Na área, destaca-se a relevância ambiental da baixada inundável do Rio Cipó. Neste trecho, o rio Cipó demarca os limites municipais, estando Santana do Riacho à margem direita e Jaboticatubas à margem esquerda do rio (Idem) (figura 24).

Figura 23: Limites do PESC (amarelo) e limites do PARNASC (vermelho). O destaque (círculo azul) indica área do PESC não sobreposta pelo PARNASC. Fonte: (Lopes, De Fillipo, Gontijo, 2019, 04)

Figura 24: Imagem da área do PESC não sobreposta ao PARNASC ampliada. À margem direita do rio Cipó, o distrito Serra do Cipó (Santana do Riacho) e à margem esquerda do rio Cipó, zona rural de Jaboticatubas. Fonte: (Lopes, De Fillipo, Gontijo, 2019, 05)

O Rio Cipó é formado na divisa entre os municípios Santana do Riacho e Jaboticatubas, na região do Médio Baixo Rio das Velhas, dentro do PARNASC, a partir do encontro entre seus dois ribeirões formadores, Mascates e Bocaina. A baixada do Rio Cipó, está localizada na vertente oeste da Serra do Cipó (sul da Serra do Espinhaço), dominada pelo Bioma Cerrado. Com altitude aproximada de 800m, os cursos d`água que formam o Rio Cipó percorrem um solo arenoso, fortemente suscetível às erosões (Idem). A Cachoeira Grande funciona como uma barragem natural à montante, o rio Cipó é meândrico e passa por uma baixada inundável na época das chuvas, com várias lagoas marginais temporárias e permanentes (Vieira, Santos e Alves, 2005; ICMBio, 2009), habitat que vem se tornando cada vez mais raro no Cerrado brasileiro (Rodrigues, et. al, 2005) (Idem). À jusante da Cachoeira Grande, são formadas corredeiras, em um complexo de cachoeiras de diversos tamanhos (ICMBio, 2009) (Idem). Quanto a relevância ambiental do rio Cipó:

O rio Cipó corta a Área de Proteção Ambiental (APA) do Morro da Pedreira no seu alto percurso e corre no sentido SE/NW, paralelamente às encostas íngremes da Serra do Cipó, denominação local da faixa ocidental da porção meridional da Serra do Espinhaço. Toda essa região encontra-se inserida na bacia do rio das Velhas, tributário da São Francisco e um dos mais importantes do ponto de vista histórico, geográfico e econômico de Minas Gerais. Considerando o grau de poluição da bacia do Velhas, a bacia do Cipó ganha grande importância na medida em que constitui-se na única com padrão de qualidade considerado satisfatório pela Fundação Estadual do Meio Ambiente

(FEAM, 1997), tratando-se então de um verdadeiro repositório da biodiversidade da bacia como um todo (Gontijo, 2003, 39).

Em relação às lagoas marginais (Figura 25), as mesmas encontram-se em maior número e concentração na área do PESC, portanto não sobreposta pelo PARNASC (Lopes, De Fillipo, 2019). As lagoas marginais são utilizadas como refúgio e áreas reprodutivas para peixes, o que torna esta área tão relevante nos âmbitos ambiental e social (Idem). São várias as espécies visualizadas na área, que se beneficiam deste ecossistema, como, por exemplo, o jacaré do papo amarelo (Caiman latirostris) e, a ameaçada de extinção lontra (Lontra longicaudis) (Idem).

Figura 25: Foto à esquerda mostra a área da baixada do meândrico Rio Cipó com as suas lagoas marginais. Do lado direito da foto (margem esquerda do Rio) está o município Jaboticatubas. Do lado esquerdo da foto (margem direita do Rio, distrito Serra do Cipó). A foto à direita, é a mesma baixada, inundada em período chuvoso. Fotos: Henri Collet, 2010. Fonte: (Idem, 06)

O Rio Cipó, de Rio de Preservação Permanente pela Lei Estadual nº 15.082/2004, é considerado o contribuinte de melhor qualidade de água e com maior diversidade de peixes para o Rio das Velhas (CBH VELHAS, 2016), tratando-se de um verdadeiro repositório da biodiversidade da bacia como um todo (Gontijo, 2003) (Idem). Além disso, este rio é Classe Especial no interior do PARNASC, e ao sair desta UC, passa a ter Classe 1 (DN COPAM N° 20 de 1997) (Idem).

Outras áreas protegidas foram criadas contemplando parte da área do PESC não sobreposta pelo PARNASC, como por exemplo a APAMP e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Reserva da Cachoeira, limítrofe à Cachoeira Grande e também de propriedade do Zareia Empreendimentos, que caracteriza-se como um dos principais empreendimentos turísticos do distrito da Serra do Cipó (Idem).

Devido à ausência da gestão do PESC desde a sua criação, a área não sobreposta pelo PARNASC foi sendo parcialmente urbanizada (Idem). Os interesses imobiliários na área já se faziam presentes na década de 1980, quando foi criada a primeira proposta de parcelamento de terras no interior do PESC, materializada no projeto Condomínio Rio Cipó, sobre o qual já foram tecidas considerações na introdução deste texto. O loteamento Terra de Arroz, em Jaboticatubas, é outro exemplo de área no interior da UC, que foi urbanizada, no final da década de 1990, com 12 lotes de 1.000m² (Idem). Quanto ao Fervedouro, esta área é diferenciada em relação às demais no processo avaliativo, pelo fato das famílias ali presentes serem de moradores nativos inseridos em um contexto de maior vulnerabilidade social em comparação aos outros proprietários (Idem).

A despeito da insegurança geral perante a situação de avaliação do PESC, houve uma diferença no posicionamento entre aqueles que possuem imóveis (primeira e segunda residências) e aqueles proprietários de terras (Idem). De forma geral, os proprietários de imóveis mostram-se favoráveis à continuidade ou a um novo limite do parque, desde que eles possam permanecer no local e que não impacte seus direitos sobre a propriedade privada (Idem). Já entre os proprietários de terras, é notável certa aversão em relação ao parque, principalmente pelo fato de o enxergarem como uma ameaça aos seus patrimônios, já que, na maioria das vezes, o processo de desapropriação é demasiadamente demorado e pode implicar na desvalorização imobiliária (Idem).

Quanto a relevância do debate sobre a conservação do rio Cipó, vale ressaltar a pesquisa de Murta, Porto e Ribeiro (2019) que avalia os peixes do rio Cipó, na relação espécie-área e a perda da biodiversidade por impactos humanos:

A relação espécie-área é uma medida numérica em constante pressão ambiental. Ela flutua segundo as condições do hábitat, tais como a disponibilidade de recursos, qualidade ambiental, fatores limitantes e impactos ambientais que por sua vez, determinam a presença ou não de determinadas espécies. A finalidade do estudo foi comparar a relação espécie-área da sub-bacia do rio Cipó entre os anos de 2005 e 2018. Esta informação foi acessada através da divisão entre a riqueza de espécies da bacia hidrográfica nos diferentes anos (2005 e 2018), pela área da sub-bacia do rio Cipó (Idem, 279).

Os pesquisadores realizaram coletas trimensais em diferentes pontos ao longo da sub-bacia do rio Cipó, capturando 297 indivíduos distribuídos em 29 espécies. Eles constataram uma redução na relação espécie-área de 2,256 indivíduos/m², em 2005, e de 2,195 ind./m², em 2018. Para os autores:

Ainda que pequena, é possível que a queda observada tenha relação ao turismo e à crescente expansão demográfica e sem planejamento adequado. Ambos são fatores que sem uma boa gestão, podem causar impactos ambientais negativos e comprometer a integridade biológica da região. A fauna de peixes local é composta por espécies ameaçadas, além de muitas espécies sensíveis como a Pirapitinga (Brycon natereri). Portanto, a diferença encontrada na relação espécie-área, serve como alerta aos riscos ambientais inerentes à uma gestão ambiental inadequada perante ao crescente processo de urbanização e turismo na Serra do Cipó (Idem, 279).

Os autores alertam que a expansão demográfica, o crescente processo de urbanização e o turismo podem estar relacionados à redução observada na biodiversidade dos peixes. Eles atribuem essa redução à ausência de uma “boa gestão”. Os interesses econômicos ditam os rumos da ocupação urbana e do planejamento. Se o projeto de crescimento econômico do lugar é baseado no crescimento urbano, por exemplo, a “boa gestão” é aquela que engendrará uma maior ocupação urbana.

Quanto a área do PESC, salienta-se a valorização imobiliária das qualidades ambientais do espaço, materializadas neste caso, na proximidade e acesso, cada vez mais restrito, ao rio Cipó. O apelo imobiliário na área é grande e os proprietários já manifestaram interesse em disponibilizar as terras para oportunidades comerciais. Portanto, a regularização da UC, através da demarcação de nova área para o PESC ou por meio da recategorização da UC, poderá funcionar como uma “barreira” para a ocupação urbana na área das lagoas marginais do rio Cipó. Contudo, e como já considerado na introdução deste texto, no contexto atual da crise do capitalismo, da expansão do neoliberalismo e da primazia do econômico sob as questões ambientais, o que se observa é o desmonte vertiginoso das políticas ambientais97 em prol do favorecimento dos interesses econômicos hegemônicos.

Os reflexos disso na área de estudo se expressam na ausência de gestor para o PESC, desde janeiro de 2019 (Decreto Estadual N° 47.608), que exonerou milhares de funcionários do Estado. Parte desses funcionários foram readmitidos, e mesmo com as realocações dos servidores que permaneceram na instituição, alguns cargos continuam desocupados, como a gestão do PESC. É possível que o desmantelamento da gestão da UC implique em retrocessos no processo de mobilização da comunidade, sensibilização

97 Um exemplo deste desmonte é a exoneração de 21 dos 27 superintendentes regionais do IBAMA por

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro - https://bit.ly/2COmLRY - acesso 02/03/2019

dos proprietários e de contenção da ocupação urbana da área (Idem). Processualmente, o desenvolvimento da ocupação urbana tende a aumentar a pressão sobre o rio e degradar suas qualidades ambientais.

Se por um lado, a institucionalização das áreas protegidas, como no caso do PESC, pode funcionar como entrave à ocupação urbana, por outro lado, pode engendrar a valorização imobiliária dos terrenos no seu entorno e a seletividade do acesso às áreas conservadas ambientalmente, questões exploradas no próximo tópico.

3.2.2. O “papel turístico” da unidade de conservação e as