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O “papel turístico” da unidade de conservação e as consequências imobiliárias da sua implantação

As relações entre turismo, interesses imobiliários e crescimento urbano Neste capítulo, são realizados apontamentos sobre o conceito de desenvolvimento

3.1. Desenvolvimento e sustentabilidade: considerações sobre as impossibilidades do turismo sustentável

3.2.2. O “papel turístico” da unidade de conservação e as consequências imobiliárias da sua implantação

O relatório publicado em 1982 e elaborado pelo Sistema Operacional de Ciência e Tecnologia – SOCT, da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC avaliando as principais atividades realizadas para implantação do Parque Estadual da Serra do Cipó – PESC, apresenta dados que corroboram com a afirmativa sobre a intensificação do turismo e do crescimento urbano, a partir da década de 1980. As taxas negativas de crescimento nos censos demográficos de 1970 e 1980, mostraram que tanto Santana do Riacho como o seu distrito Cardeal Mota eram expulsores de população (CETEC, 1982, 14).

Como já considerado, os primeiros loteamentos datam de 1980. De forma geral, é possível considerar que o interesse turístico precedeu o interesse imobiliário, já que o primeiro, data da década de 1940, quando foi inaugurado o Hotel Veraneio e o fluxo de visitantes já era uma realidade. O turismo naquelas décadas não pode ser comparado à intensidade das transformações sócioespaciais desencadeadas a partir de 1980, quando se acentuaram os fluxos turísticos, os processos de parcelamentos e de instalação de segundas residências e novos moradores. O turismo exerceu e exerce um papel de “vitrine” que atrai os interesses econômicos do mercado imobiliário, impulsionando-o com o valor turístico agregado aos imóveis e terrenos.

A respeito do processo de uso e ocupação do solo e as interferências das casas de veraneio e segundas residências, Santos (2016) destaca:

A Serra do Cipó vem passando por significativas transformações socioespaciais, associadas, em grande medida, ao asfaltamento, no final dos anos 1980, do trecho da Rodovia MG‐ 010 entre Lagoa Santa e o distrito de Cardeal Mota (atual Serra do Cipó), sendo este “a porta de entrada” para o turismo na Serra do Cipó, como bem interpreta Gontijo (2007). Desde então, a vertente oeste da Serra começou a conviver com

um rápido processo de ocupação e uso do solo, em grande medida, decorrente do aumento pela busca de casas de veraneio e de segundas residências e, também, da necessidade de implantação de infraestrutura de apoio e serviços aos visitantes. Em grande medida, esse movimento foi sustentado pela implementação de políticas governamentais e programas de incentivo ao turismo – como a criação do Circuito Turístico da Serra do Cipó e o Programa Estrada Real – que trataram de consolidar o potencial turístico dessa porção da Serra do Cipó e, ao mesmo tempo, conferiram maior visibilidade a outras regiões menos conhecidas e visitadas, principalmente em sua vertente leste. Como resultado, a sociobiodiversidade regional tem sofrido fortes pressões associadas ao incremento da visitação turística e à crescente especulação imobiliária (Ferreira, 2010). (Idem, 235/236)

Vale ressaltar como pesquisas anteriores já sinalizaram a centralidade das segundas residências no processo de crescimento urbano no distrito. Os autores citam também a relação entre as políticas governamentais e os programas de incentivo ao turismo, como o Circuito Turístico da Serra do Cipó – Programa de Regionalização do Turismo - e o Programa Estrada Real, e a divulgação dos lugares. As iniciativas que “trataram de consolidar o potencial turístico dessa porção da Serra do Cipó (distrito Serra do Cipó)”, como afirmado pelos autores citados; podem ter beneficiado mais o setor imobiliário do que o setor do turismo convencional (equipamentos turísticos: Pousadas, agências, “atrativos”, restaurantes, etc.). Dessa forma, vale considerar a hipótese de que esses programas de incentivo impactaram mais a valorização imobiliária e o crescimento urbano do que o desenvolvimento da atividade turística propriamente dita.

No contexto da emersão do imobiliário, os terrenos e condomínios localizados no entorno do PARNASC, configuram-se nos espaços mais valorizados no mercado imobiliário local:

a expansão urbana no distrito da Serra do Cipó se espalha ao longo da rodovia MG-010 (...), direcionando-se exatamente para as bordas do Parque Nacional da Serra do Cipó, em função também das paisagens atrativas e da promessa da “vista definitiva” . (Moss, 2014, 102)

Retoma-se o debate crítico sobre a mercantilização das qualidades ambientais do espaço com foco para a valorização imobiliária no entorno das áreas protegidas definindo ali exclusividades da natureza e estimulando a condição dos elementos naturais como novas raridades. Trata-se da construção da ideia de finitude da natureza voltada para sua conversão em mercadoria.

O caso do empreendimento Residencial Fazendo do Engenho é expressivo para ilustrar a apropriação das qualidades ambientais do espaço do/no distrito da Serra do

Cipó. Implantado em 2012, se apropria do acesso privilegiado às qualidades ambientais para incrementar seu discurso comercial:

Todos os 159 lotes possuem áreas a partir de 1.000m² e excelente topografia. A área total do condomínio é de 258.400m², divido em 12 quadras. O residencial conta ainda com portaria 24 horas, mirante com vista definitiva para o Parque Nacional da Serra do Cipó, espaço gourmet e área de lazer98.

Os preços dos lotes no condomínio variam entre R$150.000,00 e R$250.000,00 por 1.000m², além da taxa condominial mensal de R$250,00 reais que devem ser dispendidas mensalmente pelo proprietário99. O público-alvo de pessoas com alto poder

aquisitivo, pode ser comprovado pelo padrão dos primeiros imóveis construídos (figura 13 – referência em um site internacional de arquitetura100), em sua maior parte, segundas residências. A apropriação privilegiada das qualidades ambientais do espaço, se realiza também, na área de lazer do empreendimento que possui uma vista exclusiva e “definitiva” para o PARNASC (figura 26 e 27).

Figura 26: Segunda residência condomínio Residencial Fazenda do Engenho. Fonte:

https://bit.ly/2V9yIbL – acesso 22/02/2018

Figura 27: Área de lazer com vista para o PARNASC - Residencial Fazenda do Engenho. Fonte:

http://residencialfazendaengenho.com.br - acesso 22/02/2019

98 Disponível em: http://residencialfazendaengenho.com.br/ - acesso 22/02/2018.

99 Informações coletadas com interlocutores H3 e I3 (Apêndice 04), proprietários de imóvel em construção

e terreno respectivamente, no condomínio.

Esses terrenos privilegiados possuem grande extensão que permite a formatação da proposta com lotes amplos e áreas verdes. Quando comparamos a área do condomínio com as áreas dos bairros vizinhos, Progresso e Santa Terezinha101, é possível constatar a

desproporcionalidade nas dimensões dos parcelamentos que implica a falta de equivalência no acesso às qualidades ambientais. Nas imagens (figura 28 e 29) observa- se a aglomeração urbana intensa, sobretudo no bairro Progresso, sobre o qual teceremos outras considerações adiante. A desproporcionalidade entre as dimensões das áreas expressa os privilégios no uso e ocupação do solo e de quem pode ou não pagar por tudo isso.

Figura 28: Residencial Fazendo do Engenho (direita) e bairros do distrito, Progresso e Santa Terezinha. Fonte: https://bit.ly/2OLNcMV – acesso 22/02/2019

O exemplo do Residencial Fazenda do Engenho é relevante para pontuar como os interesses econômicos hegemônicos, ali os correspondentes ao setor imobiliário se apropriam da natureza e de seus elementos. Eles privilegiam as potencialidades como força produtiva social e, portanto, capazes de aumentar a aferição de rendas. A

101 A autora reside desde 2010 no bairro Santa Terezinha. Na figura sinalizamos com X (vermelho),

meramente ilustrativos, as áreas do bairro onde a ocupação urbana já mostra os seus primeiros sinais e que tende a crescer nos próximos anos. No entorno da residência da autora foi possível acompanhar o início da ocupação urbana da área do bairro desocupada. Nesse processo, observou-se a abertura de rua, instalação de segundas residências e de uma pousada. O cercamento e a limpeza dos lotes desocupados, assim como o movimento significativo de interessados e possíveis compradores conhecendo a área, reforçam os indícios de que nos próximos anos, a ocupação urbana no local irá se intensificar.

desigualdade social no acesso às qualidades ambientais do espaço associa-se amplamente, a restrição do acesso e uso das áreas preservadas por parte das pessoas destituídas da propriedade privadas destas qualidades.

No caso relato, vale salientar que, anteriormente a 2012, quando o condomínio foi implantado, a área era comumente utilizada pelas pessoas do distrito, sobretudo, moradores dos bairros situados no entorno do empreendimento - como no caso da autora que reside no bairro, já citado, Santa Terezinha - para coletar frutos do cerrado, como pequi e mangaba. A implantação do empreendimento restringiu a prática da coleta dos frutos, o acesso às qualidades ambientais daquela área e aniquilou a “passagem”/”atalho” para a portaria do Retiro no PARNASC, percurso que se tornou mais longo.

3.3. O “rótulo” Serra do Cipó e a comercialização dos produtos turísticos e