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O “rótulo” Serra do Cipó e a comercialização dos produtos turísticos e imobiliários

As relações entre turismo, interesses imobiliários e crescimento urbano Neste capítulo, são realizados apontamentos sobre o conceito de desenvolvimento

3.3. O “rótulo” Serra do Cipó e a comercialização dos produtos turísticos e imobiliários

Vale apontar que mesmo quando ainda era denominado Cardeal Mota, Serra do Cipó sempre foi uma referência importante para denominar o lugar onde se localiza o distrito. Como observado por Oliveira (2002b), muitas pessoas desconheciam o distrito pelo nome Cardeal Mota, “a grande referência para a localidade é simplesmente Serra do Cipó” (Idem, 67). Ferreira (2010) e Braga (2011) também enfatizam que durante muito tempo, convencionou-se chamar de Serra do Cipó uma pequena área, mais movimentada, então cortada por uma estrada de terra no antigo distrito de Cardeal Mota, pertencente ao município de Santana do Riacho.

Serra do Cipó é um nome que possui diferentes significados, que nem sempre são possíveis de serem plenamente separados, se distinguem, mas não se dissociam. As regiões, localidades e os elementos da geografia física que carregam o nome Serra do Cipó muitas vezes encontram-se sobrepostos. Por exemplo, parte da unidade geomorfológica Serra do Cipó (anexo 07) encontra-se no distrito Serra do Cipó, que, por sua vez, abriga parte da área territorial que foi transformada no PARNASC. Três contextos geográficos distintos, que representam conjuntos socioespaciais também distintos, mas que possuem áreas territoriais em comum e que estão associados ao mesmo nome, sendo, portanto, representados e reconhecidos como Serra do Cipó.

Por meio de uma polêmica e rápida “manobra política”, em 2003, os vereadores regulamentaram a alteração do nome do distrito para Serra do Cipó. Não houve consulta pública e, talvez por isso, tratou-se de uma decisão polêmica. Através dos dados coletados

em entrevista foi possível conhecer um pouco mais das circunstâncias da mudança “repentina” do nome do distrito.

Em 2003, um dos interlocutores entrevistados102 atuava na Secretária Municipal

de Educação e, portanto, tinha conhecimento do que se desenrolavam na Prefeitura Municipal de Santana do Riacho. Segundo a pessoa entrevistada, nesse ano, o poder público de Santana do Riacho teve conhecimento de que o município de Conceição do Mato Dentro estava se articulando para alterar o nome de um dos seus distritos para Serra do Cipó. Tal iniciativa possibilitaria se apropriar assim dessa “marca”, que já tinha seus significados ambientais e turísticos e que já era reconhecida, de alguma forma, como um “rótulo do ecoturismo”.

Na época, a Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro, distante 60 Km do distrito da Serra do Cipó, atuava junto à SETUR/MG em um mote para se tornar a Capital Mineira do Ecoturismo. É bem provável que havia interesse por parte desse município em tomar para si alguma referência localizada socioespacialmente do nome Serra do Cipó. De acordo com as informações coletadas na entrevista citada, o poder público municipal de Santana do Riacho teve acesso a essas informações e se articulou rapidamente para que o nome Serra do Cipó fosse destinado ao distrito de Santana do Riacho. Segundo o interlocutor, não houve tempo para consulta pública.

Nos últimos anos, o município de Conceição do Mato Dentro tem realizado um conjunto de ações para retomar o título de Capital Mineira do Ecoturismo, uma vez que, em 2006, o turismo deixou ser prioridade “em razão da modificação das fronteiras econômicas com a proposta da mineração” (Vieira, 2015, 49). “As elites regionais de poder decidiram que, além do turismo, a Macrorregião Norte da Estrada Real teria também a mineração como vetor de desenvolvimento regional” (Becker 2009, 339 apud Idem, 50). A partir de 2006, a economia regional tomou novos rumos com o início da implementação do empreendimento Minas-Rio, que abrange uma mina, uma usina de beneficiamento e um mineroduto de 529 Km (Idem), incialmente de propriedade da mineradora MMX e, posteriormente, adquirido pela Anglo American. A autora ressalta ainda as manobras realizadas na legislação municipal, já que antes todo o patrimônio natural era protegido legalmente, mostrando a prevalência dos interesses econômicos hegemônicos através da “flexibilização” do aparato legal existente para atender os interesses citados.

É certo que o empreendimento minerário incrementou os circuitos dos capitais em Conceição do Mato Dentro, transformando também, o orçamento da prefeitura que, a partir de 2015, volta a investir no turismo para a retomada do título da Capital Mineira do Ecoturismo. Foi realizada uma parceria com a ONG TechnoServe que, de acordo com o site institucional,trabalha com pessoas empreendedoras em países em desenvolvimento para construir empresas e indústrias competitivas, promovendo soluções de negócios para a pobreza ao vincular as pessoas à informação, ao capital e aos mercados. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que opera em 29 países103. O Projeto Além da Extração é fruto de uma parceria público-privada entre a TechnoServe, a Anglo American e o Banco Interamericano para “catalisar o desenvolvimento econômico localmente adaptado para as comunidades ao redor das operações de mineração da Anglo American no Brasil, Chile e Peru”104.

A atuação da Techno Serve através de consultores em turismo tem investido em diversas ações para promover o turismo como: a captação de eventos esportivos nacionais e internacionais e o desenvolvimento de conteúdo gráfico promocional para divulgação turística. As afinidades das propostas da ONG com os interesses econômicos da economia neoliberal estimulam os negócios turísticos tornando-os competitivos no mercado.

No cenário da expansão neoliberal, da exaltação do livre mercado e da livre concorrência como mecanismo de regulação, o município tem desenvolvido ações “agressivas” para cooptar a demanda turística da região da Serra do Cipó. A concorrência turística entre os municípios da região tem sido injusta, já que o montante de recursos investido é extremamente maior por parte do município de Conceição do Mato Dentro, que conta com as divisas advindas da exploração mineral. Essa questão pode constituir- se em tema de futuras pesquisas acerca das interferências dos investimentos dos recursos da exploração mineral para o turismo nas regiões do entorno, como no município de Santana do Riacho e, mais especificamente, no distrito da Serra do Cipó. Neste momento, ressalta-se que nos primeiros anos do século XXI, o interesse no nome “Serra do Cipó” por parte de Conceição do Mato Dentro, reforça as considerações sobre a “força” dessa “marca turística”.

Na entrevista já citada, questionei o interlocutor (A2 – apêndice 03) acerca dos significados do nome Cardeal Mota, que foram sobrepostos, e as consequências um tanto polêmicas disso. Ele olhou para mim e disse: “Quem foi Cardeal Mota, Cristiana? Você

103https://www.technoserve.org/our-work/where-we-work/country/brazil - acesso 24/02/2019 104https://www.technoserve.org/our-work/projects/beyond-extraction - acesso 24/02/2019

sabe? Que importância ele tem? O que ele fez para o Cipó? Nada. Ele foi um bispo, um religioso, um homem que ninguém sabe quem é, que foi homenageado pelo “povo do Cipó””105 (referindo-se às pessoas pertencentes à família da Fazenda do Cipó). Não é

difícil observar que para os moradores locais, não há muitos significados espaço- temporais impressos na denominação do distrito de Cardeal Mota. Talvez também por isso, o nome Serra do Cipó tenha sido tão facilmente apropriado para mencionar este distrito de Santana do Riacho, mesmo antes da alteração oficial do seu nome.

Salienta-se a contribuição dos discursos midiáticos para multiplicar a associação comercial entre o nome Serra do Cipó à um “rotulo do ecoturismo”, uma marca turística ou ecoturística. Há décadas, as matérias veiculadas em cadernos de turismo em jornais de ampla circulação divulgam o nome Serra do Cipó, como um conjunto de serviços turísticos, cachoeiras e montanhas disponíveis para aqueles que desejam fugir do estresse e da rotina do dia-a-dia (anexo 08). De forma geral, a “marca” Serra do Cipó “naturaliza” a mercantilização dos elementos naturais do espaço, apresentando-os como “produtos” disponíveis ao consumo desde que se tenha dinheiro para pagá-lo. A identificação do nome Serra do Cipó à um cardápio de atrações106 compõe os discursos midiáticos que determinam há décadas, a multiplicação da marca Serra do Cipó como um rótulo do turismo apropriado também pelo mercado imobiliário (figura 29).

Figura 29: Logomarca da empresa Lotes MG (acima) e primeira imagem do vídeo promocional sobre lotes à venda em Jaboticatubas (abaixo). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=1Q_Yso53Hyw – acesso 24/11/2017.

105 “O nome Cardeal Mota, foi dado ao distrito em homenagem ao Cardeal D. Carlos Carmelo de

Vasconcelos Mota, primeiro cardeal mineiro, que gostava muito da região onde tinha parentes” (Escola Estadual Dona Francisca Josina, 2010).

106 Um dos instrumentos do PARNASC para fomentar o uso público da UC é um Cardápio de Atrativos.