• Nenhum resultado encontrado

Entre o poder e a capacidade de efetivação das escolhas

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 65-69)

2 ROMPER COM O CONSERVADORISMO: A CONSTRUÇÃO DO PROJETO

2.6 Entre o poder e a capacidade de efetivação das escolhas

Transcorrida mais de uma década desde a manifestação oficial da intencionalidade na formação profissional, contabilizamos muitas conquistas, mas também já podemos inventariar

20 As matérias básicas propostas foram: Sociologia, Ciência Política, Economia Política, Filosofia, Psicologia,

Antropologia, Formação Sócio-Histórica do Brasil, Direito, Política Social, Acumulação Capitalista e Desigualdades Sociais, Fundamentos Históricos e Teórico-Metodológicos do Serviço Social, Processo de Trabalho do Serviço Social, Administração e Planejamento em Serviço Social, Pesquisa em Serviço Social, Ética Profissional.

obstáculos e novos desafios. Em publicação recente, Yazbek, Martinelli e Raichelis (2008) mostraram que, em relação ao projeto ético-político, há novos e persistentes desafios; logo, há novas questões para a agenda profissional.

Iamamoto (2006) afirma que um projeto profissional supõe, de um lado, a articulação entre as condições macrossocietárias que exercem os limites e as possibilidades independentemente da vontade do sujeito individual e, de outro, as respostas de caráter ético- político e técnico-operativo apoiadas em fundamentos teórico-metodológicos por parte dos seus agentes profissionais.

O título que atribuímos a este subitem faz alusão à afirmação, já mencionada, do sociólogo Francisco de Oliveira de que a cidadania pode ser definida, “de forma sintética, como o estado pleno de autonomia, quer dizer, saber escolher, poder escolher e efetivar as escolhas”21. Essa definição sugere uma interessante analogia se considerarmos a ausência de autonomia da categoria profissional para protagonizar suas escolhas ao observarmos o teor da aprovação das Diretrizes Curriculares pela ABEPSS (1996) e do texto final aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2001. Um sinal objetivo dos problemas postos à formação profissional está, justamente, na dificuldade de efetivar as intenções democraticamente decididas pela categoria.

O texto final das Diretrizes Curriculares homologado pelo Ministério da Educação e Desporto sofreu uma forte descaracterização e desconfiguração no que diz respeito à direção social e aos conhecimentos e habilidades considerados essenciais à formação profissional, conforme destaca Iamamoto:

Assim, consta no projeto original encaminhado ao CNE que a formação profissional deve viabilizar uma capacitação teórico-metodológica e ético-política, como requisito fundamental para o exercício de atividades técnico-operativas com vistas à: apreensão crítica dos processos sociais na sua totalidade: análise do movimento histórico da sociedade brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvimento do capitalismo no país. Tais objetivos supra citados foram simplesmente eliminados do texto legal. E os tópicos de estudo foram totalmente banidos do texto oficial para todas as especialidades. (2002, p. 22).

Na prática, segundo a autora, este corte praticamente impossibilita a garantia de um conteúdo básico comum à formação profissional no país, submetendo-o à livre-iniciativa das unidades de ensino; em outras palavras, significa que a formação acadêmica e os seus conteúdos encontram-se expostos à lógica do mercado.

66

Na mesma perspectiva, Boschetti (2004), examinando o processo de implementação das diretrizes curriculares, destaca a mercantilização da educação, denunciando a desconfiguração das diretrizes curriculares pelo CNE. Em sua avaliação, houve uma redução drástica do projeto pedagógico formulado pela ABEPSS daquele aprovado pelo CNE. Entre outras conseqüências, chama atenção para a redução da carga horária mínima, que resultou “[...] numa concepção de formação aligeirada, estruturada apenas em conteúdos básicos, o que esvazia a formação de sua potencialidade mais profunda e crítica”. (BOSQUETTI, 2004, p. 23).

As implicações da política econômica, objetivada na interferência da política educacional, vêm afetando a direção sociopolítica do projeto profissional na medida em que reduzem, fragmentam e pulverizam a formação. A política vigente de massificação e flexibilização dos conhecimentos e habilidades considerados essenciais à formação profissional compromete o perfil do profissional que se pretende formar, qual seja,

um profissional dotado de formação intelectual e cultural generalista crítica, competente em sua área de desempenho com capacidade de inserção criativa e propositiva no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho. Um profissional comprometido com os valores e princípios norteadores do Código de Ética dos assistentes sociais. (BOSQUETTI, 2000, p. 92).

A propósito, o “compromisso com os valores e princípios norteadores do Código de Ética do assistente social foi retirado do texto original e substituído pelo CNE como ‘utilização dos recursos da informática’”. (IAMAMOTO, 2007, p. 445). A substituição grotesca (ou providencial?) dispensa comentários adicionais; apenas auxilia a desenhar o retrato cruel da banalização do ensino superior no tocante ao seu compromisso com a formação do cidadão.

Desse ponto de vista, a interferência precisa do CNE na formulação final das Diretrizes Curriculares explicita limites postos à consolidação do projeto ético-político do Serviço Social. Numa linguagem mais coerente com o título, explicita o tolhimento da autonomia da categoria profissional em efetivar suas escolhas construídas democraticamente. Porém, trata- se de um tolhimento que se localiza muito além dos limites e interesses da profissão, porque se situa na arena de disputas movidas pela racionalidade técnica do mercado em confronto com a opção pela formação dos sujeitos numa dimensão crítico-reflexiva.

A análise da lógica curricular e dos seus entraves, inevitavelmente, recoloca a problemática da universidade e o seu compromisso no cultivo da razão crítica. A lógica

competitiva e mercadológica tem colocado em questão a heterogeneidade do significado de universidade, evidenciando disputas por projetos distintos; tem provocado a dinamização da “oferta-demanda”, invadido os sistemas organizativos, incorporando terminologias, afetando relações, práticas e rotinas institucionais. Sobretudo, a lógica tem afetado e obscurecido o sentido da formação.

Diante desse quadro, uma questão de proporções imensuráveis se coloca ao projeto ético-político do Serviço Social: se o sentido da formação e, por conseguinte, a formação do sujeito ético nos espaços formais de educação vêm sendo, sistematicamente, secundarizados e se, de outra parte, a formação profissional no Serviço Social não pode prescindir de uma sólida formação ético-política, que possibilite aos seus agentes indagar criticamente a experiência humana, posicionando-se em defesa dos valores emancipatórios, estamos diante de uma problemática, se não insolúvel, inquietante o suficiente para nos desafiar a um exercício inicial de desvelamento. Começaremos com a própria concepção de emancipação humana. O que exprime? Para qual horizonte ético aponta?

3 EMANCIPAÇÃO HUMANA: O FUNDAMENTO ÉTICO DO PROJETO

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 65-69)