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O conservadorismo oriundo do estrutural-funcionalismo

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 43-46)

2 ROMPER COM O CONSERVADORISMO: A CONSTRUÇÃO DO PROJETO

2.2 As raízes conservadoras do Serviço Social

2.2.2 O conservadorismo oriundo do estrutural-funcionalismo

Ao tratarmos da perspectiva funcional no Serviço Social, é importante localizar a sociologia de Émile Durkheim (1858-1917) e seus estudos sobre os fatos sociais. Apoiado no método positivista de Comte e no empirismo de Bacon, Durkheim teve como preocupação a superação do senso comum e, como objetivo, o conhecimento da vida social de maneira científica. O caminho proposto pelo autor para chegar a este conhecimento é explicitado nas

Regras do método sociológico (1895).

O método de estudo da sociologia proposto por Durkheim buscava a objetividade, assemelhada àquela adotada nas ciências naturais, ainda que assinalasse as peculiaridades existentes em cada uma destas ciências. Para tanto, propunha que a objetividade (sujeito pesquisador é colocado numa posição de exterioridade em relação ao objeto pesquisado), a observação da regularidade dos fenômenos como também as causas-efeito dos fenômenos, resultem na descoberta de “leis” que regem esses fenômenos. Porém, seus escritos sobre coesão e anomia social assinalam sua aposta no reformismo e na convivência pacífica de indivíduos. (QUINTANEIRO, 2001).

O pensamento de Durkheim sofreu desdobramentos, e a interpretação de Talcott Parsons (1902-1979) resultou numa vertente voltada para o estudo do consenso, a integração do sistema social, a desintegração de padrões tradicionais, além de pesquisas sobre família e processos de socialização, conforme destaca Quintaneiro. (2001). Foi justamente a sociologia de Parsons que chegou ao Serviço Social. Inspirado em Spencer e Comte, Parsons analisa a sociedade e seus componentes comparando-a a um organismo vivo, no qual as diferentes partes exercem determinado papel tendo em vista o equilíbrio do conjunto. O estrutural- funcionalismo de Parsons pretende explicar o funcionamento da sociedade pela compreensão do comportamento humano, de grupos, de comunidades ou fatos reais. O núcleo de estudo parsoniano é o estudo do papel que os fatores sociais e culturais desempenham na manutenção e equilíbrio da sociedade.

Para Leonard (1971), a análise da sociedade de T. Parsons privilegia as funções; para tanto, ocupa-se em como a vida social se mantém, apesar das mudanças. Focaliza o modo como o sistema social é mantido e continuado, não privilegiando portanto, em sua análise, a mudança. Atribui ênfase à manutenção, à continuidade e ao equilíbrio, pois que, tal como a

outro modo, a sociedade continua porque dispõe de uma estrutura por meio da qual suas funções ou necessidades são satisfeitas. A família, como instituição, ocupa papel de destaque na socialização pela cultura, pois é um meio pelo qual a sociedade se mantém e, ao mesmo tempo, mantém o status quo, tanto pela reprodução sexual quanto pela reprodução de valores, crenças, conhecimento, etc. (LEONARD, 1971).

Parsons desenvolve a teoria do sistema de ação, que em seu entendimento é constituído pelo sistema de personalidade (orientação, motivação de um ator individual), pelo sistema social (ação de uma pluralidade de atores individuais num processo de interação) pelo sistema cultural (padronização e ordenação de símbolos de acordo com o significado que o indivíduo dá à ação segundo seus interesses, valores, idéias, crenças). Em relação ao sistema social, explica que é composto por quatro tipos de componentes, que são os valores, normas, coletividade e papel. Cabe lembrar que esses quatro componentes terão presença significativa no vocabulário e na atuação profissional dos assistentes sociais. Os valores determinam os objetivos para o sistema social em seu conjunto e têm em primazia o funcionamento e a manutenção do padrão de sistemas sociais, pois são concepções de tipos desejáveis que regulam os compromissos das unidades sociais. As normas dizem respeito aos modelos mais gerais da ação institucionalizada; atuam basicamente para integrar os sistemas sociais; são específicas para determinar as funções sociais e orientação de cada ação sob condições funcionais e situacionais de determinados papéis e coletividade. As coletividades são constituídas pela institucionalização de determinados objetos culturais (família, clube, partido político); definem o status, ou seja, distinguem participantes e não participantes; diferenciam o status e funções dentro da coletividade que determinadas categorias de participantes devem fazer e esperar que outras não façam. Por fim, o papel é a ação desenvolvida pelo ator em correspondência a um setor de sua personalidade pelo qual participa no sistema social; o papel tem primazia na função adaptativa, pois define como o segmento ou grupo de indivíduos deve participar, segundo as expectativas.

Desse referencial emergia um fazer do Serviço Social que intenciona o equilíbrio e a adaptação. Indivíduos, grupos e comunidades serão alvo de práticas em que o imperativo é o ajustamento do sistema de personalidade dos atores, assim como do meio social, segundo as expectativas de equilíbrio. Desse ponto de vista, as pressões (internas ou externas) disfuncionais a esse equilíbrio deverão ser submetidas a mecanismos de ajuste e controle, tendo em vista a manutenção funcional e a integridade do sistema de valores institucionalizados.

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funcionalista tendem a responsabilizar indivíduos, famílias e, mesmo, as comunidades pelas suas problemáticas. Valendo-nos da linguagem funcional, os problemas psicossociais, por exemplo, são disfunções e, como tal, devem ser submetidas a “tratamentos”, no sentido da manutenção e do equilíbrio. A expressão deste pensamento no Serviço Social é caracterizada pela leitura focalizada, destituída de análises que remetam à compreensão do sujeito imerso no conjunto das relações sociais.

Entretanto, o estrutural funcionalismo reserva outra presença marcante no Serviço Social brasileiro ao oferecer o arcabouço teórico-ideológico de engajamento dos profissionais nos ideais desenvolvimentistas, tendo em vista que o desenvolvimento integrou o conjunto de propostas formuladas pelos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial para as regiões consideradas “pobres”, a exemplo da América Latina. No Brasil, os governos de Juscelino Kubitschek e o período da ditadura militar são identificados pela sua adesão ao desenvolvimentismo, cujas promessas eram veiculadas ou associadas à idéia de modernização. Na realidade, tratava-se de uma nova fase de expansão do capitalismo.

A ideologia necessária, segundo os pensadores americanos, era de que os próprios países adotassem como objetivo a idéia de desenvolvimento, apresentado como único caminho para a superação do atraso em que se encontravam; representava também a garantia à segurança nacional. Iamamoto e Carvalho (1990), embasados no trabalho de Limoeiro Cardoso9, afirmam:

A ideologia desenvolvimentista em seu aspecto mais aparente e geral envolve a proposta de crescimento econômico acelerado, continuado, auto-sustentado. O problema central a resolver constitui-se em superar o estágio transitório do subdesenvolvimento e do atraso. [...] A ideologia desenvolvimentista se define, assim, através da busca da expansão econômica, no sentido da prosperidade, riqueza, grandeza material, soberania, em ambiente de paz política e social [...]. (1990, p. 347).

O Serviço Social, em princípio alheio aos debates do desenvolvimento e da modernização, assumiu nas décadas de 1960 e 1970 seu discurso, incorporando-o de maneira entusiasta ao seu acervo técnico, convencido da modernização de sua prática. A atuação dos assistentes sociais em experiências de desenvolvimento de comunidade são exemplos dessa adesão. O desenvolvimento de comunidade foi amplamente difundido pela ONU, tendo entre seus argumentos a convicção de que tais experiências levariam ao desenvolvimento global.

9 Tese de Douramento de Miriam Limoeiro Cardoso, intitulada Ideologia do desenvolvimento – Brasil JK – JQ.

Além disso, a premissa da “suscetibilidade” das populações pobres às teses socialistas era considerada motivo suficiente para sua promoção.

Em linhas gerais, os propósitos do desenvolvimento de comunidade visavam unir esforços da população e do governo para a melhoria econômica, social e cultural, o que se daria mediante a promoção, incorporação e harmonização com as forças locais, por meio de mecanismos de participação. Essas convicções derivam de acordos com governos internacionais, como a educação rural (Comissão Brasileiro–Americana de Educação das Populações Rurais – CBAR). Similarmente, foram firmados acordos para a educação industrial, além da criação do programas de extensão rural, os quais serviram de embrião para desenvolvimento de experiências em comunidade. (AMMANN, 1980).

Inserido no âmbito contraditório da realidade, o período registra no Serviço Social, de um lado, a adesão a esta perspectiva desenvolvimentista envolta na imagem de modernização10 – inclusive da sua prática profissional – e, de outro, o nascimento de uma perspectiva crítica ao chamado Serviço Social tradicional, configurando o chamado Movimento de Reconceituação.

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 43-46)