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Para uma democracia efetiva, uma educação emancipatória

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 95-98)

3 EMANCIPAÇÃO HUMANA: O FUNDAMENTO ÉTICO DO PROJETO

4.1 A formação e sua finalidade emancipatória

4.1.1 Para uma democracia efetiva, uma educação emancipatória

Nas duas citações seguintes podemos observar essa relação: “[...] as tendências de apresentação de ideais exteriores que não se originam a partir da própria consciência, ou melhor que se legitimam frente a essa consciência, permanecem sendo coletivistas- reacionárias”. (ADORNO, 2006, p. 142). Nessa afirmação aponta que as decisões que não são tomadas conscientemente pelos indivíduos ou que são manipuladas por uma espécie de cegueira coletiva tornam a democracia vulnerável à manipulação dos sujeitos, impedindo que esta se efetive. Portanto, a noção de democracia em Adorno está vinculada à vontade dos sujeitos e de sua capacidade de entendimento.

Em outro trecho, a relação entre democracia e emancipação é reiterada: “A exigência da emancipação parece ser evidente numa democracia”. (2006, p. 169). Nesta assertiva, publicada no texto Educação e emancipação (2006), Adorno remete ao ensaio de Kant intitulado O que é esclarecimento? Cabe um pouco de atenção a este ensaio de Kant de 1783, quando argumenta em favor do esclarecimento:

Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu próprio entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapare aude! Tem a coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento (KANT apud PUCCI, 2005, p. 82).

Para Kant, a maioridade – sentido inverso de menoridade – está relacionada à capacidade dos indivíduos de pensarem e agirem por conta própria, isto é, um indivíduo emancipado.

Flickinger (2005) complementa que a definição kantiana de esclarecimento inclui, além da saída do homem de sua menoridade, um desdobramento que trata da liberdade em fazer uso público da razão, uma vez que no pensamento de Kant há diferença entre o uso público e o seu privado. O uso público, considerado por Kant como atividade essencial da natureza humana, é aquele capaz de contribuir para a construção do espaço político, para o debate de argumentos vinculados às questões gerais da sociedade. Contudo, Kant não reservava o ideal de maioridade apenas à classe burguesa; acreditava que a formação, a autodeterminação e a participação estavam localizadas no âmbito dos direitos do ser humano.

Adorno, na avaliação de Hoyer (2005), concordava com o argumento de Kant de que a democracia dependia de cidadãos maiores, capazes de articular e tomar decisões, uma vez que esta reflexão possibilitou imprimir uma qualidade nova à idéia de maioridade moral-

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intelectual, desligando-a de sua fixação tradicional às idéias teológicas de uma menoridade absoluta do homem perante Deus ou uma normatividade prescrita pelo Estado e pela sociedade.

A influência na formação da filosofia contemporânea oriunda de Kant oferece à razão um estatuto que amplia os dogmatismos e reducionismos da racionalidade (GUERRA, 1995; JAPIASSU; MARCONDES, 2006). Esta racionalidade inaugurada por Kant, segundo Guerra (1995), consiste na conquista do progresso pelo homem rumo a sua maioridade, na qual distingue entendimento e razão:

O entendimento, uma atitude espontânea da mente, realiza as sínteses da matéria fornecida pela “intuição espaço e do tempo”. A razão teórica organiza essas representações do múltiplo e dá-lhes uma forma, esta fornecida pelas categorias a priori do entendimento. [...] A razão determina a vontade e por isso é moral. (GUERRA, 1995, p. 48).

As críticas dirigidas a Kant acerca da sua forma de pensar o sistema moral - verdades e postulados transcendentais – como anteposição às deficiências cognoscitivas e sua ênfase centrada na capacidade da consciência individual, autônoma para o conhecimento e entendimento do mundo (SIMIONATTO, 1999), foram reconhecidas e polemizadas por Hegel, o qual entenderia que a síntese kantiana reduz o saber à mera opinião (GUERRA, 1995).

É do próprio Adorno que extraímos sua posição acerca de Kant:

Creio que filosoficamente é muito bem possível criticar o conceito de uma razão absoluta, bem como a ilusão de que o mundo seja o produto do espírito absoluto, mas por causa disto não é permitido duvidar que sem o pensamento, e um pensamento insistente e rigoroso, não seria possível determinar o que seria bom a ser feito, uma prática correta. Simplesmente vincular a crítica filosófica do idealismo com a denúncia do pensamento constitui para mim um sofisma abominável, que precisa ser exposto com clareza para levar este mofo finalmente uma luz que possibilite sua explosão. (ADORNO, 2006, p. 174).

Ponderado o pensamento kantiano, cabe salientar que influenciou a teoria da formação e, em especial, as reflexões de Adorno sobre a temática educacional. A preocupação de Adorno com a autonomia dos indivíduos – sua maioridade – remete à responsabilização dos fatores pedagógicos e sociais pela extensão da menoridade, ou seja, é dessas reflexões que emergem os questionamentos sobre o sistema educacional por educar para a menoridade, afastando-os do movimento livre do pensamento e possibilitando o próprio entendimento

(HOYER, 2005).

A teoria crítica de Adorno e seu desdobramento no debate sobre a experiência formativa levaram-no a pensar a educação para a autoconsciência crítica, na qual o esclarecimento assume uma função de fortalecimento da autoconsciência. Em seu texto

Educação - para quê? (1966)3 Adorno procura caracterizar o que entende por educação

emancipatória. Conforme destacam Pucci, Oliveira e Zuin (2001), Adorno compreende a educação emancipatória não como um processo de modelagem ou como a conversão de todos os homens em seres inofensivos, mas como produção de consciência verdadeira, que compreende uma ambigüidade: a educação é, ao mesmo tempo, adaptação (preparar os indivíduos para se orientarem no mundo) e autonomia (capacidade de ir além da adaptação, de fortalecimento da resistência).

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 95-98)