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A lógica curricular

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 62-65)

2 ROMPER COM O CONSERVADORISMO: A CONSTRUÇÃO DO PROJETO

2.5 A formação profissional no projeto ético-político: diretrizes gerais

2.5.4 A lógica curricular

Antes de prosseguir na descrição das diretrizes gerais para o curso de Serviço Social, julgamos importante destinar um pouco da nossa atenção às reflexões sobre a organização curricular nos projetos político-pedagógicos. Transitar pela temática dos projetos político- pedagógicos revela alguns aspectos que, recorrentemente, têm se colocado em suas problematizações: a intencionalidade, a construção coletiva e a superação de construtos meramente técnicos.

Nessa ótica, Silva (1998) observa que o projeto político-pedagógico é expressão concreta da identidade, intencionalidade e compromissos de um curso. Sua construção supõe uma prática social coletiva e, como tal, tensa e complexa por refletir disputas e olhares de um espaço plural como a universidade, mas adverte que sua legitimidade depende, fundamentalmente, dessa construção coletiva.

Para Veiga, os projetos político-pedagógicos são instrumentos de ação política e o que lhes atribui clareza é sua intencionalidade, tendo em vista que “[...] o projeto é uma totalidade articulada decorrente da reflexão e do posicionamento a respeito da sociedade, da educação e do homem. É uma proposta de ação político-educacional e não um artefato técnico”. (2000, p. 16).

A superação da concepção tecnicista nos projetos pedagógicos é salientada por Pimenta e Anastasiou:

Esse projeto é pedagógico, porque discute o ensinar o aprender num processo de formação, de construção de cidadania, e não apenas de preparação técnica para uma ocupação temporal. E, por isso, também é político, porque trata dos fins e valores referentes ao papel da universidade na análise crítica e transformação social e nas relações entre conhecimento e estrutura de poder. (2002, p. 171).

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ser vistos por duas perspectivas distintas: como uma ação regulatória ou técnica ou como uma ação emancipatória ou edificante. Na primeira perspectiva, as bases epistemológicas estão assentadas em bases normativas e reguladoras das ciências conservadoras; privilegia a burocracia e uniformidade, não leva em conta a fragmentação, a construção coletiva e a diversidade; ainda, visa à eficácia e à aplicação técnica do conhecimento. Assinala a autora:

O projeto político-pedagógico e a avaliação nos moldes inovadores das estratégias reformistas da educação são, portanto, ferramentas ligadas à justificação do desenvolvimento institucional orientada por princípios de racionalidade técnica, que acabam servindo à regulação e à manutenção do instituído sob diferentes formas. Este é o desafio a ser enfrentado: compreender a educação básica e superior no interior das políticas governamentais voltadas para a inovação regulatória e técnica para buscar novas trilhas. (VEIGA, 2003, p. 272).

Em contrapartida à visão tecnicista, a perspectiva emancipatória dos projetos político- pedagógicos é analisada por Veiga como “de natureza ético-social e cognitivo-instrumental, visando à eficácia dos processos formativos sob a exigência da ética”. (2003, p. 275). Argumenta que projetos político-pedagógicos gestados e geridos segundo a ótica emancipatória e edificante abrem a possibilidade aos diferentes atores, como alunos, professores técnico-administrativos, de vivências mais democráticas no processo de construção e no engajamento coletivo, privilegiando a mobilização dos protagonistas na explicitação de objetivos comuns.

O projeto político-pedagógico de um curso, como ação intencional e organizada, abarca uma concepção de formação, de formação universitária e uma idéia de currículo. Veiga destaca:

Ao construir um projeto político-pedagógico próprio e providenciar meios e condições operacionais para efetivá-lo, a instituição educativa legitima-se, tornando válida uma prática social coletiva, fruto de reflexões, debates e consistências de propósitos. Isso implica o estabelecimento de relações democráticas no interior da instituição, bem como a construção de novos processos e de condições de trabalho. (2000, p. 22).

O currículo representa o cumprimento das intenções previstas, isto é, sua elaboração, em essência, traduz-se numa atividade de planejamento, visto que esboça uma proposta de futuro, uma intencionalidade que abarca metodologias e instrumentos que visam alcançar o propósito estabelecido.

Social, a lógica curricular é apresentada supondo “uma concepção de ensino e aprendizagem calcada na dinâmica da vida social, o que estabelece os parâmetros para a inserção profissional na realidade sócio-institucional”. (ABESS, 1997, p. 62). A preocupação com o caráter contínuo na organização dos conteúdos é reiterada, levando em conta a dinâmica dos processos sociais, tendo em vista a qualidade da formação do assistente social. O conjunto de conhecimentos considerados indispensáveis são apresentados em três núcleos de fundamentação, a saber:

- núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social;

- núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; - núcleo de fundamentos do trabalho profissional.

O núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social objetiva abordar a compreensão do ser social enquanto totalidade histórica; aborda a constituição e desenvolvimento da sociedade burguesa com suas especificidades: a divisão social do trabalho, a propriedade privada, a divisão de classes e do saber. O trabalho é tratado como eixo central do processo de reprodução da vida social.

No segundo núcleo, de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, é abordadaa a constituição da economia, da política e da cultura da sociedade brasileira. Centra-se nos padrões de desenvolvimento adotados, em sua configuração urbano- industrial e na questão agrária como particularidade histórica, destacando suas desigualdades sociais; também a constituição do Estado brasileiro, seu caráter e configuração assumida no decorrer dos distintos momentos conjunturais são abordados neste núcleo.

Apreende as relações Estado-sociedade, com destaque para análise das políticas sociais e dos processos sociais em curso, geradoras das manifestações da questão social. O significado do Serviço Social e sua inserção nas dinâmicas organizacionais e institucionais, nas esferas estatais e privadas, são tratados neste núcleo.

O terceiro, o núcleo de fundamentos do trabalho profissional, trata da profissionalização do Serviço Social como uma especialização do trabalho; aborda as dimensões do fazer profissional, com suas implicações materiais, ideo-políticas e econômicas. Os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos são estudados como forma de apreender a formação cultural do trabalho profissional, bem como as estratégias que peculiarizam o trabalho do assistente social (ABESS, 1997).

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As matérias básicas20 que conformam os núcleos de fundamentação são desdobradas em disciplinas, seminários temáticos, oficinas e atividades complementares. São destacadas como atividade indispensável e integradora do currículo, com o estágio supervisionado e o trabalho de conclusão de curso, e definido como exigência curricular obrigatória para colação de grau. Em sentido geral, o trabalho de conclusão de curso visa à elaboração de uma síntese da formação e sistematização do conhecimento, como resultante de um processo de investigação.

Em relação ao estágio supervisionado, é definido como atividade curricular obrigatória realizada com a inserção dos acadêmicos nos espaços sociointitucionais regularmente conveniados pela IES para esse fim. A prática do estágio é executada mediante o acompanhamento do supervisor acadêmico (docente responsável pela realização do estágio) e do supervisor de campo (profissional que atua no campo de estágio). Por essa razão, um dos requisitos para a abertura do campo de estágio por parte da IES, entre outros, é a presença de um assistente social nesse espaço.

Do supervisor acadêmico é exigido, sinteticamente, o acompanhamento teórico- metodológico e técnico-operativo, visando à apreensão da particularidade das atribuições e competências profissionais. Do supervisor de campo, igualmente de forma sintética, são requisitados a aproximação, o estímulo à reflexão e sistematização por parte do acadêmico às atividades profissionais.

Os estágios curriculares tornaram-se, recentemente, assunto polêmico exigindo posicionamentos dos órgãos de fiscalização do exercício profissional – conselhos regionais e Conselho Federal de Serviço Social, bem como da ABEPSS. A centralidade dessa polêmica encontra suas causas nas pressões das diversas IES no sentido de flexibilizar a normatização relativa aos estágios curriculares, assunto que retomaremos mais adiante.

No documento 2009ClaudeteMarleneFriesBressan (páginas 62-65)