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Capítulo 2 Rhapsody: Performance e Ritual no Breaking

97 SCHECHNER, 2006; TURNER, 14 98 Ibid.

2.3. Entre signos e símbolos

A fim de analisar os gestos codificados vistos em uma „batalha‟ de breaking, é importante primeiramente conceituar o que entendo por signo, ícone, índice e símbolos, a partir da semiótica.

A semiótica, de modo muito geral, é a teoria de todos os tipos de signos, códigos, sinais e linguagens. Sendo assim, a semiótica estuda os processos de comunicação, uma vez que não há mensagem sem signos e não há comunicação sem mensagem. Para Charles Peirce, o signo é algo que representa algo, aquilo denominado de seu objeto. Ele só pode ser considerado como sendo signo se tiver esse poder de “representar, substituir uma outra coisa diferente dele” (apud SANTAELLA, 2003, p.58). Assim, o signo não é seu próprio objeto, mas está no lugar dele. “A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro (é o interpretante do primeiro). Portanto, o significado de um signo é outro signo [...] porque esse, seja lá o que for, que é criado na mente pelo signo, é um outro signo (tradução do primeiro)” (SANTAELLA, 2003, p.58-59). Lúcia Santaella (2003) ressalta que qualquer coisa que estiver presente à mente tem a natureza de um signo – signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções, reações, etc., sendo assim, qualquer coisa pode ser analisada semioticamente (SANTAELLA, 2002; SANTAELLA, 2003).

Os diversos aspectos que a análise semiótica apresenta podem nos levar a entender qual é a natureza e quais são os „poderes de referência‟ dos signos, ou seja, que informação eles transmitem, como se estruturam em sistemas, como funcionam, como são emitidos, produzidos, utilizados e que tipos de efeitos podem provocar no receptor. No entanto, é necessário conhecer a história de um sistema de signos, bem como

104 conhecer sobre o contexto sociocultural no qual está inserido. Caso isso não ocorra, não será possível detectar as marcas que o contexto deixa na mensagem101.

Para Peirce, na relação do signo com seu objeto, o signo pode ser ícone, índice ou símbolo, ou seja, uma mera qualidade, um existente, ou uma lei. Se o signo aparece como simples qualidade, na sua relação com seu objeto, ele é ícone, uma vez que qualidades não representam nada, mas apresentam. Um exemplo de ícone seria os avisos de banheiros masculino e feminino que apresentam um desenho de um homem ou uma mulher, mantendo assim uma semelhança com a figura humana real. O índice apresenta uma conexão de fato com o todo do conjunto do qual faz parte. Ele é um signo que indica uma outra coisa com a qual está factualmente ligado, há uma conexão de fato entre ambos. O interpretante do índice não vai além da constatação de uma relação física entre existentes. Como exemplo podemos citar a fumaça, que pode indicar (e não constatar) que há fogo em algum lugar. Um símbolo é portador de uma lei que, por meio de convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto. Assim, o símbolo não é algo singular, mas sim geral. A lei que dá fundamento ao símbolo tem de estar internalizada na mente de quem o interpreta, sem isso o símbolo não pode significar. Assim, para agir como signo, o símbolo independe de uma conexão factual com seu objeto (como no caso do índice), bem como independe de qualquer semelhança com seu objeto (como no caso do ícone). Todo símbolo é incompleto na medida em que só funciona como signo porque determina um interpretante que o interpretará como símbolo e assim em diante102. Podemos citar como exemplo a pomba branca que significa paz. Importante ressaltar que essas propriedades não são excludentes e na maior parte das vezes operam juntas, assim todo o símbolo é composto por signos indiciários e icônicos. Pierce, obviamente, vai muito além do que aqui foi apresentado; no entanto, para o presente trabalho, me ative a sua noção de signo, bem como de ícone, índice e símbolo, para entender os gestos utilizados no breaking.

Para alguns antropólogos, a função simbólica introduz um novo tipo de relacionamento com o mundo físico – que distingue a natureza e o reino animal do mundo humano da cultura. Ainda, o simbólico não só está presente em todas as instituições humanas, como também é a ordem que instaura a sociedade. Para a

101 SANTAELLA, 2002. 102

105 antropologia, o signo pode ser visto como algo que está no lugar de outra coisa para alguém e que pode servir de intermediário entre duas pessoas. O signo é composto de um suporte material, presente – o significante, e por um significado – a coisa ausente designada. O símbolo é o sinal convencional e depende de um sistema de regras convencionais. Gilbert Durand (1988) argumenta que o símbolo sugere um conjunto de ideias e remete a um indizível e invisível significado. Ainda, o símbolo nos demanda uma interpretação, por ser multívoco e polissêmico (fato também ressaltado por Victor Turner, 2005, em Floresta de Símbolos).

Claude Lévi-Strauss (1988) apresenta a noção do simbólico como um domínio que não poderia ser confundido nem com o real e nem com o imaginário, cuja função é tornar o mundo inteligível. De acordo com o autor, o simbólico é da ordem do inconsciente. O inconsciente é vazio e organiza o conteúdo do subconsciente – o vocabulário – por meio de leis universais, criando, assim, estruturas simbólicas – é a partir delas que o pensamento age. O simbólico, então, é diverso por seu conteúdo, mas limitado por suas leis. Lévi-Strauss define o símbolo em um sentido amplo – a cultura opera como um conjunto de sistemas simbólicos e todo signo interpretável é símbolo, algo que tipifica, representa, conecta o desconhecido do conhecido. Ou seja, “o simbólico é o semiótico, como produção de sistemas de significação (códigos) e de processos de comunicação” (HAIDAR, 1994, p.13). Como os fonemas, os símbolos não têm sentido em si mesmos, e é somente a partir das relações entre um símbolo e outro que é possível definir seu significado.

Victor Turner se preocupa com a questão do simbólico em seus estudos. Turner privilegia os processos rituais e, para o autor, todo processo ritual tem seus momentos limiares, de transição e de contradições. O símbolo é a menor unidade do ritual – a última unidade de uma estrutura específica em um contexto ritual – funcionando como mediador entre o pensamento e a realidade. Turner conceitua o símbolo em um sentido amplo, “é uma coisa encarada pelo consenso geral como tipificando ou representando ou lembrando algo através da posse de qualidades análogas ou por meio de associações em fatos ou pensamentos” (TURNER, 2005, p.49). Assim, um símbolo liga o desconhecido ao conhecido. Na interpretação dos símbolos rituais, Turner atenta para a importância do reconhecimento do contexto da situação, que é feito pelo observador. Assim os símbolos estão envolvidos com o processo social – o símbolo é um fator de ação social e é associado a interesses, propósitos, fins e meios humanos. Desse modo, o

106 autor concentra-se na ação simbólica – que produz efeitos. O símbolo não está na estrutura, mas sim no uso, e seu significado tem que ser lido por meio de sua manipulação. Sendo assim, o sentido do símbolo é sempre contextual e não há sentido fixo, sendo ele polissêmico.