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38 AMARAL, 2000 39 Ibid.

1.2.2. O Hip Hop em São Paulo

É importante lembrar um dos pontos mais famosos na história do Hip Hop no Brasil, o metrô São Bento. São Paulo, do mesmo modo que outras cidades brasileiras, teve o primeiro contato com o Hip Hop pelos meios de comunicação. A dança foi uma das principais expressões culturais através da qual se disseminou o complexo Hip Hop. Em poucos meses o breaking virou febre e todos os jovens paulistas, principalmente aqueles da periferia e de classe média baixa, queriam aprender a dançar desse jeito diferente e peculiar. Os b-boys que treinavam com suas crews em seus bairros começaram então a se encontrar e a dançar juntos na São Bento. Andrezinho, b-boy, conta como tudo começou, em 1985:

O João Break e o Luisinho são dois irmãos, todo o mundo que dançava separado se encontrava nas festas [...] e o João Break trabalhava no centro da cidade, daí quando ele foi, ele andou pela São Bento, ele viu aquele espaço, liso e aberto, daí ele achou legal e deu um toque pras equipes. Que tinha a Back Spin Crew, a Nação Zulu, a Crazy Crew, a

Street Warriors e mais alguma galera que vinha [...] Daí eles

começaram a colar lá pra dançar. E cada um vinha com seu rádio e dançava na sua roda.

Andrezinho, no entanto, explica que a São Bento já era território dos punks, algo que, aparentemente, suscitou brigas entre eles. Porém, conseguiram dominar o espaço, pois juntava muita gente, muitos vinham de fora, de outros estados, e traziam suas

45 famílias. O b-boy conseguiu ir para lá pela primeira vez em 1989 e conta sua experiência, em especial da ansiedade e responsabilidade em fazer parte de um “marco histórico”:

A São Bento fui pela primeira vez em 89, morrendo de medo [...] por causa assim, quando o pessoal falava que você não podia ir lá pra treinar, você tinha que ir lá pra dançar. E quando via as pessoas [...] que não era do meio conhecido [...] o pessoal achava que você ia lá pra roubar os passos e ficar treinando depois... então eu fui meio escondido. Os guardas, ou os „urubus‟, como os dançarinos os chamavam naquela época devido à farda preta que usavam, no entanto, tentavam impedir as rodas da São Bento o tempo todo, já que os dançarinos usavam a energia elétrica do local. Quando avistavam os „urubus‟, eles tiravam os sistemas de som, ou os boombox, da tomada e colocavam a pilha. Andrezinho ressalta a importância do Festival da São Bento, em 1993, que contou com a participação de seis mil pessoas e com a presença de inúmeras emissoras de TV. Esse festival, de acordo com Andrezinho, foi o que mostrou o Hip Hop do Brasil para o mundo.

As informações sobre o Hip Hop eram muito escassas no começo, hoje muitos consideram que o que era feito naquela época não era realmente a dança breaking, mas sim uma reprodução, como observado por Frank Ejara. Os movimentos, já distorcidos pela imagem do vídeo, eram ainda mais distorcidos na hora de serem passados adiante pela via imitativa, ressalta Andrezinho. Naquela época tudo era b-boy, não havia distinção entre as danças urbanas, como popping e locking41. Assim, muitos dançarinos desses estilos se consideravam b-boys, pois não havia diferenciações nítidas. A partir de 1996, principalmente com a visita do grupo Ghetto Originals ao Brasil, as diferentes danças começaram a ser distinguidas. Muitos atribuem isso ao Frank Ejara, que lançou uma apostila com os nomes das danças.

Esses nomes chegaram na verdade pra mim através do Frank Ejara, né, que o Frank Ejara naquela época com Discípulos, que ele fez aquela „apostilhazinha‟, aí que as pessoas começaram a entender que tinha

popping, tinha locking, tinha b-boy, foi em 1999, se eu não me engano.

(Fabricio). 41

Popping e locking são danças conhecidas como funkstyles por serem dançadas principalmente ao som de funk dos anos 70 e 80. O locking surgiu no final dos anos 60 em Los Angeles, seu criador é Don Campbellock. Já o popping surgiu em Fresno, na Califórnia, em meados dos anos 70. Seu criador é Boogaloo Sam.

46 Isso foi, para todos os dançarinos que dançavam na época, um choque, pois descobriram que o que eles dançavam estava errado – a nomenclatura, os termos, os conceitos. Eles tiveram que começar do zero.

Os cara começou a falar assim sobre b-boy e breakdance: não é

breakdance, breakdance foi a mídia [a mídia intitulou a dança de breakdance]. É b-boy [...] E tinha um cara da Back Spin e quando ficou

sabendo que ele não era b-boy, ele ficou mal...falava que era b-boy, de repente ele não é mais b-boy, acabou o mundo pra ele, o que é que eu sou então? (Andrezinho).

Frank conta a história de como descobriu o que eram as danças urbanas:

Saiu uma revista chamada Rap News na época, tinha o Ken Swift na capa, todo o mundo que era importante do locking, popping, breaking e até do hip hop freestyle tá naquela revista. Eu aprendi a falar inglês lendo aquela revista [...] eu traduzi ela inteira na mão. O Google tradutor foi na mão [risos]. E eu fiquei noites adentro pra traduzir o que eles falavam lá. E eu descobri muita coisa. Nomenclatura, de já de separar as danças, todo o mundo achava que breakdance era uma coisa só, tudo isso tava escrito lá. Mas eu desconfiava que meu inglês devia tá muito errado, eu tava muito louco naquela tradução. Não, como assim, não existe breakdance!? Como assim que tudo que eu dancei era uma mentira?

Ou seja, é possível perceber uma certa perda da identidade por parte daqueles que acreditavam serem b-boys ou estarem dançando o breaking.