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CAPÍTULO 3 – A Night at the Opera: Performances de Gênero

3.4. Perfomando Gênero

3.4.1. Vestimentas e Gestos

Foi Marshall Sahlins (2003) que sugeriu que o sistema americano de vestuário corresponde a um esquema bastante complexo de categorias culturais e de relações entre elas. Ao analisar a explicação cultural da produção, Sahlins reitera que “como as pessoas se vestem é um problema semiótico muito mais complicado do que pode ser demonstrado aqui” (SAHLINS, 2003, p.180). Assim, um item do vestuário, por várias características objetivas, torna-se apropriado para o homem ou para a mulher, para a noite ou para o dia, para adultos ou jovens, e assim por diante.

O que é produzido é, portanto, em primeiro lugar, tipos de tempo e de espaço que classificam situações ou atividades; e em segundo lugar, tipos de status aos quais todas as pessoas pertencem. Essas poderiam ser chamadas de “coordenadas nocionais” do vestuário, na medida em que demarcam noções básicas de tempo, lugar e pessoa como constituídos na ordem cultural. Daí ser esse esquema classificatório, o que é produzido no vestuário. No entanto, não é só isso [...] o que é produzido são as diferenças significativas entre essas categorias. Ao manufaturar peças de vestuário de cortes, modelos ou cores diferentes para mulheres e homens, reproduzimos a distinção entre feminilidade e masculinidade tal como é conhecida nessa sociedade (SAHLINS, 2003, p.180-181). Podemos considerar que ao portar uma roupa específica (que foi produzido por meio de „coordenadas nocionais‟ do vestuário a fim de exercer a distinção entre homem e mulher) para uma batalha específica, isso se torna em um ato duplamente performático, um ato de gênero dançado, e reforça a distinção mulher/homem. Os dançarinos de breaking, de ambos os sexos, utilizam roupas em comum para dançar,

158 como jaquetas, calças (de moletom, tactel ou jeans), camisetas, bonés e tênis. No entanto, é possível fazer uma diferenciação entre as vestimentas que são tidas como mais apropriadas para as mulheres e aquelas que são tidas como mais apropriadas para os homens. Veremos a seguir como o repertório de roupas e acessórios utilizados pelos dançarinos de breaking pode ser distinguido entre itens para homens e itens para mulheres, reforçando assim, a dicotomia masculino/feminino.

FEMININO MASCULINO

Calça jeans justa Calça jeans larga Calça legging Calça de moletom ou tactel

larga Camiseta „babylook‟ ou

regata (mais justas) ou camiseta de cores fortes (principalmente rosa, roxo,

vermelha, e brilhantes), brilhantes, estampadas ou

„cavadas‟ (mais largas)/ „caídas (deixando o ombro à

mostra)

Camiseta larga

Brincos grandes Brincos pequenos Tênis nas cores roxo, lilás,

laranja, rosa, vermelho

Tênis nas cores preto, verde, azul, marrom

Levemente maquiada Sem maquiagem Jaquetas de moletom ou

nylon justas ou curtas

Jaquetas de moletom ou nylon largas

159 Roupa típica de b-boy: calça e camiseta largas e boné. Foto: Ricardo Lobato

160 Roupa típica de b-boy: colete, calça, bermuda, jaqueta largos e boné. Foto: Ricardo Lobato

Roupa típica de b-girl: calça justa, camiseta „babylook‟ ou „caída‟ (deixando o ombro à mostra).

161 Roupa típica de b-girl: calça legging, regata justa de estampa. Foto: Guilherme Rosenthal

162 As mulheres, ou os homens, que não se vestem de acordo com as indumentárias adequadas aos gêneros são considerados ou como homens „femininos‟ ou como mulheres „masculinas‟, por romperem com aquilo que a norma dita.

No segundo capítulo fiz uma diferenciação de gestos padronizados no breaking: entre eles estavam os gestos de burn, da dança Rocking, que são gestos com o intuito de humilhar o oponente. O dançar como „homem‟ e dançar como „mulher‟, tanto comentado pelos entrevistados, em parte tem a ver com os gestos, diferentes para cada sexo e que são, na sua maioria, empregados nas „batalhas‟, principalmente naquelas em que o confronto é entre homens e mulheres. É importante lembrar que para alguns autores é errôneo assumir que o comportamento observado em seres humanos está relacionado à fisiologia. Os estudos de cultura mostram que raramente esse é o caso; o que ocorre, de fato – só lembrando os clássicos trabalhos de Margaret Mead - é que o comportamento exibido pelo homem em uma cultura pode ser classificado como um comportamento „feminino‟ em outra162. “Todas as culturas diferenciam os homens das

mulheres, e, normalmente quando um determinado padrão de comportamento se torna associado a um sexo, será descartado/desconsiderado pelo outro” (HALL, 1959, p.66). Um inventário descritivo dos costumes corporais permite diferenciar não só microdetalhes de uma cultura, como também conjuntos complexos sobre o agrupamento humano da mesma. Descrever posições e movimentos tradicionais dos membros do corpo de uma comunidade pode ser considerado como intervindo em todos os setores da atividade humana. Por exemplo, o despir de uma camisa se realiza de maneira diferente de acordo com os sexos. A mulher cruza os braços à frente, segura na barra da camisa, levanta os braços, até tirar pela cabeça e depois, segurando nas mangas, volta-a do lado certo. Já o homem põe as mãos por cima das costas, segura pelas costas a gola da camisa e puxa até retirar pela cabeça163.

Quase todos os entrevistados concordam que acham muito estranho uma mulher fazer gestos obscenos (considerados por eles como gestos relacionados à genitália) e principalmente aqueles que têm a ver com a genitália masculina. Por exemplo, algumas mulheres fazem um gesto de fingir segurar o escroto ou fingir expor o pênis, e quem assiste a essa cena pensa: “mas você é mulher, não tem pênis!”. Ainda, as mulheres que

162HALL, 1959. 163

163 fazem isso, de acordo com os entrevistados, perdem a “essência do ser mulher”, o que se torna algo feio e estranho. Outro gesto muito rejeitado é a mulher que faz um gesto com as mãos em triângulo (iconizando a forma da vulva), considerado como um gesto „vulgar‟. Alguns entrevistados, no entanto, acham que os gestos obscenos, feitos tanto por mulheres ou homens, são „apelativos‟ e próprios de pessoas imaturas. A seguir, uma apresentação dos gestos que reforçam a oposição masculina/feminina na linguagem corporal do breaking.

HOMENS

GESTO EXEMPLO

Gestos que remetem à virilidade ou genital masculina e que podem ser utilizados para tentar humilhar o oponente masculino ou

feminino

Fazer uma letra C com a mão, remetendo ao pegar no pênis ou à grossura do pênis; pegar no escroto; gestos que imitam o ato sexual;

fingir expor o pênis; fingir se masturbar e ejacular no oponente; fingir que o pênis é

grande

Gestos que remetem à violência com os outros Imitar uma arma com as mãos; fingir atirar; fingir decepar a cabeça

Gestos que imitam movimentos de artes marciais

Voadoras; chutes; golpes; socos

Gestos cômicos Puxar a blusa a fim de mostrar barriga e ficar rebolando; fingir ser „afeminado‟; fingir jogar

„basquete‟ com a cabeça do oponente

MULHERES

GESTO EXEMPLO

Gestos considerados como sendo da „natureza‟ feminina

Fingir passar um batom; fingir tirar o absorvente e colocar no rosto do oponente; fingir que está brincando com o cabelo; fingir que está passando maquiagem; mandar beijos; mandar „coração‟; fazer coisas „meigas‟ em

geral; fingir jogar amarelinha; fingir pular corda; fingir que machucou a mão; fingir que

164 quebrou a unha

Gestos que remetem à sensualidade ou sexualidade

Rebolar; sambar

Gestos que remetem ao corpo ou genitália feminina

Fingir que tem muito peito; fazer um triângulo com as mãos a fim de iconizar a genitália

feminina Gestos para tentar humilhar o oponente

masculino

Insinuar que o pênis é pequeno; fingir cortar o pênis do homem e colocar no próprio rosto dele; fingir cortar o pênis do homem e pular corda; fingir cortar o pênis e jogar fora; fingir

cortar o pênis e colocar na própria bunda do oponente; fingir tirar uma lupa para ver se o

pênis é pequeno

Esses gestos fazem parte da performance do breaking, justamente pelo breaking ser uma dança „gestual‟, como explorado no capítulo anterior. Novos gestos são criados a cada instante. Interessante notar que b-girl Nitro ressaltou que muitos desses gestos, inclusive os que são feitos para tentar humilhar o homem por parte das mulheres, giram em torno da genitália masculina e que não há um gesto que uma mulher possa fazer que realmente humilhe o homem, não da mesma maneira que os gestos masculinos o fazem. Assim, é possível ver como toda a prática do breaking, não só os movimentos dançados, como também os gestos e a indumentária fazem parte de sua performance e reforçam, não somente a categorização binária de gênero masculino/feminino, como favorecem a criação de gestos performáticos que distinguem uma b-girl de um b-boy. Ao final de tudo isso, a arte faz distinção de gênero, sim, e não importa se aqueles que dançam breaking percebem e distinguem o sexo como biológico e o gênero como construção social, já que um „dançar como mulher‟ se opondo a um „dançar como homem‟ parece resistir a todos os esforços de encurtamento das distâncias entre moças e rapazes, o que é reforçado e imposto por eles mesmos e que faz parte da simbólica da performance desses dançarinos.

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