sua aplicação
2 RELATO LIVRE
9.3. ENTREVISTA À CRIANÇA
Em determinadas ocasiões, o testemunho das crianças na fase de investigação criminal de presumíveis maus tratos é imprescindível, mas a fiabilidade do relato
destas, sobretudo no caso das mais pequenas, também é frequentemente posta em causa.
Sabe-se que a capacidade cognitiva das crianças evolui com a maturação fisiológica
e a estimulação ambiental. Por isso, os processos de memória e raciocínio são
muito diferentes dos adultos. As crianças não costumam recordar os factos da
mesma forma que os adultos e não se centram nos mesmos detalhes. Além disso, não se podem evitar as consequências ou sequelas emocionais que a criança pode sofrer pelo facto de ter de recordar e relatar o facto traumático em várias ocasiões e em contextos não familiares (vitimização secundária).
Actualmente considera-se que o testemunho ou declaração de uma criança é válida se ela tiver memória e competência cognitiva suficientes, admitindo-se
testemunhos desde os três ou quatro anos de idade, sempre e quando a capacidade
linguística, a capacidade para criar imagens, a memória e o raciocínio o permitam. Ainda que as crianças possam fornecer dados válidos para a investigação, podem
cometer erros de omissão, têm problemas com as coordenadas espaço-tempo e são mais vulneráveis do que os adultos à influência de conhecimentos posteriores ao acontecimento na construção do relato.
As técnicas gerais da entrevista cognitiva, anteriormente expostas, também
contribuem para aumentar os dados fornecidos pelas crianças e podem ser utilizadas tendo em conta algumas considerações.
9.3.1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES
Seguidamente apresentam-se alguns princípios orientadores e fundamentais para a entrevista à criança:
Os processos de memória e raciocínio de uma criança são muito diferentes dos adultos. As crianças não recordam os factos da mesma forma que os adultos e não se centram nos mesmos detalhes.
Manual da APAV
Manual Core. Para o atendimento de crianças vítimas de violência sexual, 2.ª ed. Lisboa, APAV, 2002.
Manual de procedimentos para o atendimento de crianças vítimas de violência sexual e que se destina a auxiliar todos os profissionais que, em Portugal, e nos outros estados- membros da União Europeia, trabalham com crianças vítimas de violência sexual, com seus pais e familiares e/ou amigos.
Para fazer o download do Manual ir a:
http://ebookbrowse.com/core- compreender-pdf-d66268817
Furniss, T. (1993). Abuso Sexual da Criança. Porto Alegre: Artes Médicas.
• Em primeiro lugar, explicar quem é o entrevistador, onde trabalha e a razão da sua presença.
• Estabelecer uma relação de empatia explicando-lhe que pode ajudá-la e que
entende o seu receio em relação à entrevista. É importante que a criança se sinta segura para dar a sua colaboração.
• O local de realização da entrevista e as pessoas presentes na mesma devem ser determinadas em função das características da situação. O local escolhido deve ser agradável, protector e adaptado às características das crianças.
Também se deve evitar que existam elementos de distracção no ambiente. • As perguntas devem ser claras, formuladas numa linguagem compreensível
para a criança e apropriada ao seu estado emocional, devendo ter-se em
conta a sua capacidade para avaliar os factos.
• Devem ser utilizadas perguntas abertas e ter o cuidado de não sugerir
respostas, evitando ao máximo perguntas que sugiram respostas do tipo sim/ não (perguntas fechadas).
• As crianças têm menos capacidade de atenção do que os adultos e fatigam-se com facilidade. Portanto, há que adequar o ritmo da entrevista à capacidade
da criança/vítima.
• Com crianças de mais de 5 ou 6 anos podem ser utilizadas técnicas como o
desenho, a montagem de cenários dos acontecimentos ou a reconstrução, se esta não for traumática.
• Para situar os acontecimentos no tempo e no espaço pode recorrer-se a
referências objectivas, tais como se estava sol ou era noite. Se a criança não
se lembrar da rua, talvez se lembre da loja por onde passou ou de alguma outra referência objectiva.
• Nos casos em que o possível agressor ou responsável pelos maus tratos ou negligência é um ou são ambos os progenitores, seria importante, sempre que possível, que eles não estivessem presentes durante a entrevista. Nessa
altura deve-se evitar criticar os pais.
• É conveniente realizar entrevistas conjuntas com outros profissionais, se aconselhável, a fim de evitar a duplicidade de entrevistas.
• Deve ser avaliado o possível impacto da entrevista sobre a criança.
Art. 4.º da LPCJP - Princípios da intervenção.
Anexo A – Princípios orientadores da intervenção.
Anexo B - Definições legais e conceitos jurídicos.
Ponto 2.1. – Necessidades da criança.
Ponto 3.2. – Princípios orientadores da intervenção no sistema de promoção e protecção de crianças e jovens.
• É necessário garantir que o agressor ou responsável pela situação não tente vingar-se ou castigar a criança, pelo facto de esta ter falado.
• Devem ser evitadas promessas que não possam ser cumpridas pelos técnicos.
9.3.2. CRITÉRIOS PARA NÃO ENTREVISTAR A CRIANÇA
Sempre que os dados da investigação criminal sejam suficientes, é recomendável não os ampliar com a declaração da criança. Na realidade, pode existir uma série
de circunstâncias que desaconselhem a entrevista à criança dentro do contexto
policial.
Como critérios para não se entrevistar e colherem declarações da criança, podem
destacar-se, entre outros, os seguintes:
• Se estiver a sofrer graves consequências como vítima (estado de elevado stress: choro, treme, falta-lhe a fala, etc.). Nestes casos, adia-se a declaração
até à recuperação psicológica da criança.
• Se existir uma denúncia de um profissional devidamente fundamentada. • Se existirem provas físicas, médicas, entre outras, suficientes.
• Se for possível obter as provas por outra via.
• Se se tratar de uma criança com maturidade ou desenvolvimento que não permita um testemunho aceitável e/ou que lhe cause sofrimento acrescido.
9.3.3. CRITÉRIOS PARA ENTREVISTAR A CRIANÇA
Como critérios para se obter a declaração da criança, destacam-se entre outros,
os seguintes:
• Se a vítima for fazer a denúncia sozinha ou acompanhada de uma pessoa e
não se verificar nenhum dos pressupostos do ponto anterior.
• Se o caso chegar ao conhecimento das FS a pedido de um órgão judicial ou do Ministério Público, a investigação criminal será efectuada em coordenação
com outras instâncias e limitando ao estritamente necessário as actuações com a criança.
A lei obriga a que a entrevista com a criança se faça na presença dos pais ou representantes legais e, no caso de estes serem presumivelmente os autores, a entrevista deve ser realizada pelo procurador do Ministério Público.
9.4. CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO DA VERACIDADE DOS