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93 ENTREVISTA CLÍNICA DE ENFERMAGEM

No dia-a-dia, na abordagem ao doente mental verifica-se que cada técnico (psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social e outros) utiliza determinados instrumentos de colheita de dados que, embora diferentes na forma e conteúdo, todos poderão ter como objectivo fulcral e comum o atendimento e resolução dos problemas apresentados pelo doente e família.

Também o enfermeiro, pela sua relação de proximidade face ao doente, poderá socorrer-se de instrumentos próprios, que lhe permitam obter informações facilitadoras de uma comunicação eficaz com os doentes, com os seus pares e outros técnicos, não só com vista ao planeamento de intervenções terapêuticas mas, também, ao ensino e investigação. É urgente abandonar o reducionismo mecanicista de que a profissão é alvo e desenvolver espaços reflexivos que nos permitam explorar todo o conhecimento possível, promover a inovação e desempenho estabelecendo estratégias que levem ao desenvolvimento de competências, sem qualquer receio de tomar adequadas decisões.

A criação de instrumentos próprios de registo sistematizado com base nas teorias de enfermagem, de forma a especificar a sua intencionalidade e promover a sua adequação, poderá ser um passo adiante. Um exemplo disso será a criação de instrumentos de colheita de dados de apoio à entrevista clínica de enfermagem.

Neste contexto, será importante referir que cabe às instituições proporcionarem condições para o desenvolvimento das habilidades exigidas para este tipo de intervenções, e ao enfermeiro mantê-las e melhorá-las, principalmente através de actividades formativas contínuas em serviço, pelo seu treino na prática sendo que é uma fonte de aprendizagem inesgotável, e na valorização da supervisão dos cuidados que presta, pois este tipo de apoio deverá ser dispensado por “quem estiver mais disponível, ou mais preparado para o fazer.” LOPES (1997, p. 29)

A função da entrevista será, essencialmente, esclarecer a história dos problemas bio- psicossociais do doente, e aprender a entrevistar é basicamente aprender a ajudar o doente a contar-nos a sua história e a tirar proveito disso. Segundo BENJAMIN (1993, p. 14) “Ajudar é um acto de capacitação” o objectivo é habilitar o entrevistado a reconhecer, sentir, saber, decidir, escolher se deve mudar. Esta prática dos cuidados que se desenvolve em ambiente terapêutico adquire uma nova dimensão, onde as intervenções passam a ser desenvolvidas conjuntamente com a pessoa, com o objectivo de responder às suas necessidades (LOPES, 1999, p. 40).

Para CHALIFOUR (2008, p. 36), o termo “entrevista” designa “um tipo particular de interacções verbais e não verbais entre um interveniente e um cliente, ao longo dos quais os participantes utilizam certos modos de fazer e estar em função da compreensão dos seus papéis, do contexto, das suas características particulares, do conteúdo tratado, dos objectivos esperados e do tempo que acordaram para esse fim”.

94 A entrevista poderá ser de vários tipos e ter diferentes objectivos, consoante a finalidade da mesma. Segundo PHANEUF (2005, p. 252) a entrevista a realizar depende dos factores relacionados com o tipo de trabalho a desempenhar, com a personalidade do enfermeiro e com a sua experiência em entrevista. E apresenta-nos três formas de realizar uma entrevista:

Entrevista estruturada ou directiva, muito utilizada para recolher dados para a planificação de cuidados, podendo ser utilizada uma grelha precisa que ajude a cobrir o conjunto de aspectos a abordar. Neste tipo de entrevista a enfermeira já «conhece a natureza do problema», pelo diagnóstico médico, sabendo o que lhe falta conhecer. Contudo esta entrevista tem limites. Tal como refere a autora, a enfermeira deve conhecer bem o assunto sobre o qual questiona a pessoa e limitar-se aos aspectos necessários para atingir os seus objectivos. O ideal seria que utilizasse a grelha apenas como ponto de orientação.

Entrevista não directiva, a utilizar, essencialmente por enfermeiras experientes e que desenvolveu capacidades relacionais para recolher informações. A flexibilidade, deste tipo de entrevista, e o seu carácter natural fazem dela um instrumento privilegiado para qualquer intervenção de natureza relacional. Para a realizar, a enfermeira não utiliza grelha de análise, mas baseia-se sobre alguns aspectos gerais de um instrumento aberto ou sobre grandes orientações que a sua experiência lhe dita. Este tipo de entrevista, explorada em psiquiatria, desenrola-se com muita naturalidade, dando à pessoa a oportunidade de ela própria identificar o seu problema e de, muitas vezes, encontrar a solução.

Entrevista semi-directiva, tal como o nome indica difere das anteriores, comportando uma grelha estruturada onde figuram determinados aspectos estipulados anteriormente, reunindo, portanto, questões tiradas de um formulário e também grandes orientações abordadas de maneira informal. A entrevista semi-directiva é útil em numerosas situações, já que permite conhecer «o melhor de dois mundos», ou seja responde ao imperativo da eficácia dos cuidados e favorece contactos mais íntimos com a pessoa cuidada.

Ainda segundo a mesma autora (2005, p.250), a entrevista é um encontro planificado, num contexto de cuidados, mas sobretudo é um contacto entre dois seres humanos que, colocados um perante o outro, devem tomar conhecimento, aceitar-se e respeitar-se a fim de criarem entre eles uma convivência terapêutica.

Estabelecida a relação, a etapa da exploração é a parte mais importante da entrevista, havendo formas de retirar o melhor partido da entrevista, “...qualquer que seja a forma da entrevista, os principais procedimentos são escutar, questionar, aprofundar, analisar e interpretar o comportamento da pessoa, clarificar e validar as suas percepções e interpretações, e manifestar a sua compreensão pela reformulação”, PHANEUF (2005, p. 258). Ainda segundo a mesma autora existem determinados comportamentos a evitar no desenrolar da entrevista, tais como:

 “Interromper a pessoa;

 Dar-lhe conselhos, propor-lhe soluções rápidas;  Tranquilizar levianamente;

 Mudar o tema da conversa para evitar assuntos delicados ou dolorosos;  Fazer julgamentos;

 Fazer juízos morais;

95  Procurar ter razão;

 Adoptar comportamentos defensivos”.

No caso concreto deste momento académico, na entrevista de avaliação diagnóstica ou de colheita de dados pretende-se obter as informações necessárias, para estabelecer algumas hipóteses, acerca da natureza dos problemas de um doente, com vista à elaboração de diagnósticos de enfermagem baseados nos fenómenos apresentados na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), para posterior planeamento de intervenções individuais de índole terapêutica. A entrevista a utilizar, neste caso concreto, implica diferentes fases, a saber9:

Preparação prévia:

- Preparação pessoal;

- Tipo de Entrevista – Grau de directividade; - Recolha de informação prévia;

- Local;

- Formas de registo de dados; - Questões éticas.

1ª FASE – Definição de papéis e espaços - Acolhimento;

- Apresentação pessoal; - Posicionamento dos actores;

- Clarificação de papéis, objectivos e aspectos pragmáticos da entrevista. 2ª FASE – Avaliação diagnóstica

- O que o doente sabe, pensa e sente; - O que preocupa o doente;

- Estratégias/ capacidades do doente.

- História pessoal e familiar; - Apresentação e postura;

- Mímica expressão e motricidade; - Contacto e linguagem;

- O estado da consciência – reflexibilidade, clareza e orientação; - A consciência de si; - A consciência do corpo; - Os impulsos e a vontade; - O humor; - Os afectos; - As emoções; - A forma do pensamento; - Conteúdos do pensamento;

9 Adaptado de PHANEUF, Margot – Comunicação, entrevista, relação de ajuda e validação.1ª ed. Loures: Lusociência, 2005. ISBN: 972-8383-84-3. P er sp ec ti v a d o d o en te P e rs p e c ti v a d o E n fe rm e ir o

96 - Representação e memória; - Sensopercepção.  Observação física o Capacidade funcional o Dados fisiológicos

o Integridade da pele e mucosas o Controle de esfíncteres  Medicação prescrita

 Efeitos dos comportamentos/ sintomas sobre: o A performance no trabalho

o A performance na escola

o Relação e interacção com os outros o Envolvimento na família

o Envolvimento nas actividades

3ª FASE – Avaliação diagnóstica - Explicações

- Continuidade - Compromisso - Síntese

4ª FASE – Avaliação diagnóstica - Análise da interacção; - Análise dos dados;

- Diagnósticos de Enfermagem (CIPE).

Porém este tipo de entrevista quando realizada com pessoas que apresentam comportamentos difíceis, implica determinadas atitudes do entrevistador de acordo com a situação que o entrevistado está a vivenciar, assim perante a pessoa ansiosa o enfermeiro deve10:

• Reconhecer a sua ansiedade e levá-la e exprimir-se sobre o que a perturba, sobre os seus medos;

• Manifestar-lhe compreensão; • Tocar-lhe na mão ou no ombro;

• Explicar-lhe bem o objectivo da colheita de dados; • Colocar questões claras e simples;

• Proceder lentamente sem a apressar. O stress prejudica a concentração;

• Se certos assuntos parecem perturba-la, tomar o tempo necessário para os esclarecer com a ajuda de questões de clarificação e validação;

• Se a pessoa Chora, deixar-lhe o tempo de entrar em contacto com as suas emoções, deixa-la exprimir-se

• Oferecer-lhe frequentes reforços positivos; • Se necessário, sugerir-lhe um breve relaxamento.

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Adaptado de PHANEUF, Margot – Comunicação, entrevista, relação de ajuda e validação.1ª ed. Loures: Lusociência, 2005. ISBN: 972-8383-84-3. E n c e rr a m e n to A n á li se e d ia g n ó st ic o V iv ên ci a s P e rs p e c ti v a d o E n fe rm e ir o

97 Perante a pessoa agressiva:

• Não tornar a nível pessoal comentários desatenciosos; • Aceitar a pessoa tal como ela é;

• Pensar que uma pessoa exigente e difícil está muitas vezes a sofrer, ansiosa, solitária e assustada;

• Reconhecer a dificuldade da pessoa;

• Continuar calma para a levar a baixar a agressividade;

• Se a pessoa manifesta violência verbal, fazer-lhe saber que o seu comportamento é inaceitável;

• Não a apressar, dar-lhe tempo para se exprimir, e mesmo para verbalizar o seu negativismo;

• Colocar-se à sua escuta e tomar atenção aos sentimentos expressos; • Diminuir os estímulos ambientais;

• Se for necessário, fazer-lhe executar respiração abdominal para a acalmar Perante a pessoa desconfiada:

• Explicar os objectivos da entrevista;

• Dizer-lhe o que se fará das informações recolhidas; • Clarificar a resistência;

• Tranquilizá-la, explicando que só os profissionais envolvidos nos cuidados e obrigados ao sigilo profissional poderão tomar conhecimento das informações que ela deu; • Utilizar a sincronização para a colocar à vontade

• Evitar a insistência nos pontos em que se mostra mais reticente • Responder claramente às questões

• Mostrar-lhe que respeitamos o seu ponto de vista • Agradecer-lhe a sua colaboração

Perante a pessoa depressiva:

• Não se mostrar muito alegre, estimulante e entusiasta; • Explicar à pessoa a necessidade da entrevista; • Reconhecer a sua dificuldade;

• Sossegá-la quanto ao tamanho da entrevista; dizendo-lhe que se poderá adiar se estiver muito cansada, retomando-a mais tarde;

• Permitir-lhe exprimir as suas emoções;

• Mostrar muito interesse pelo que ela diz e manifestar-lhe compreensão no que diz respeito ás suas dificuldades

• Fazer frequentes reforços positivos para a encorajar

• Perante o seu negativismo, utilizar o reenquadramento para fazer ressaltar pontos positivos

• Agradecer-lhe a sua colaboração e esforço Perante a pessoa pouco motivada:

• Falar à pessoa dela própria e incitá-la a exprimir-se sobre a sua percepção da doença e do tratamento. Se necessário, rectificar as falsas percepções;

• Verificar delicadamente o seu nível de motivação. Se este se mostrar muito baixo, procurar as razões;

• Confrontar suavemente os paradoxos e as contradições que aparecem no que ela enuncia;

• Procurar os elementos da sua vida que poderão dar um sentido aos seus esforços e tornarem-se motivadores (família, trabalho, outras actividades e interesses)

• Quando ela responde de forma pertinente, oferecer frequentes reforços positivos • Felicitá-la pelos seus esforços

Além do que já foi referido anteriormente é importante salientar ainda outros aspectos por exemplo: O acolhimento é dos momentos mais importantes no contacto entre duas pessoas. É o primeiro passo para o estabelecimento de uma boa comunicação. Estes dois processos,

98 acolhimento e comunicação, encontram-se intimamente ligados, sendo elementares para a interacção enfermeiro/doente. “A primeira impressão/percepção é extremamente importante, e a comunicação é uma peça fundamental no processo de acolhimento” GOMES [et al] (2006, p.23). A simpatia, a boa educação e o respeito devem estar presentes desde o primeiro momento que temos contacto com o outro.

Também o local escolhido é um dos factores a ter em conta, “Uma atmosfera que encoraje o comportamento espontâneo tem vantagens, tanto físicas como emocionais. Sempre que possível, deve existir conforto e privacidade” ENELOW [et al] (1999, p. 25).

Relativamente aos aspectos éticos é necessário ter sempre em consideração a necessidade de solicitar a colaboração e informar o doente dos objectivos da entrevista, e ainda comunicar que serão mantidas a confidencialidade das informações recolhidas, apenas podendo ser utilizadas em contexto clínico e para elaboração do seu plano terapêutico.

Tal como o modo de se apresentar e saudar o doente no início, também o resumo final ou desfecho é fundamental. O completar da entrevista, a sensibilidade posta do decurso da mesma e a empatia colocada ao dispor da compreensão dos problemas do doente, assim como um bom planeamento das intervenções a realizar são o êxito da relação terapêutica.

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APÊNDICE VII